24 Abril 2017
Manipulação ou uma resposta a necessidades reais? O marketing tende a provocar fortes emoções, e mesmo assim está associado ao religioso. Mas, dar a conhecer um produto, uma marca ou uma causa já faz parte da sociedade em que vivemos, e a igreja tem que reagir a esta realidade.
Essa é a proposta lançada pelos leigos dominicanos no encontro que organizaram nos dias 21 e 22 de abril em Madri: o I Congresso Internacional de Marketing Religioso.
A reportagem é de Cameron Doody, publicada por Religión Digital, 22-04-2017. A tradução é de André Langer.
Que vivemos na época do marketing é um fato incontestável. Também de que vivemos tempos em que temos que navegar por outras mudanças drásticas em nossa forma de nos relacionarmos, como as novas tecnologias e redes sociais, a hipersegmentação da sociedade e uma impermeabilização cada vez mais resistente a tudo o que está associado à religião.
Foi para ajudar a enfrentar estes desafios que os leigos dominicanos convocaram o evento, explicou na abertura do mesmo Vicente Jara, um dos seus principais organizadores. O que este leigo dominicano qualificou como o “sonho” que a ordem teve “durante muito tempo” de organizar um congresso de semelhante envergadura, finalmente virou realidade, e isso “para nos inspirar a repensar a nossa forma de nos relacionarmos como Igreja, para procurar o modo de relação com este novo mundo que torne possível o encontro”. Propósito para o qual o marketing transformou-se em uma “ferramenta a serviço da Boa Nova”, sempre e quando for um “marketing feito de joelhos”.
Alejandro Fernández de las Peñas, responsável pela área comercial da Fundación La Caixa, foi o encarregado de abrir as exposições mais “teóricas” do Reinspira’17, na sexta-feira, 21 de abril, dando continuidade, no sábado, a contribuições mais “práticas”. E fez isso explicando os diferentes tipos de marketing que surgiram nos últimos 100 anos: comercial, cultural, político, educativo, esportivo, turístico e um longo etcetera, e, como não, o religioso.
O que faz uma boa campanha em qualquer um destes campos? Segundo este especialista, seja on ou off-line, emocional ou estratégica, toda publicidade exitosa distingue-se por sua capacidade de “provocar”. “Se quando você fala e ninguém se incomoda, é porque você não disse absolutamente nada”, disse Fernández, fazendo sua uma citação de Risto Mejide. Uma boa campanha de marketing “provoca algo em você, mas positivo. Deve provocar coisas boas”.
Através do seu marketing, uma companhia procura fazer conhecer sua marca ou vender seu produto. Um político, que conheça seu programa e que vote nele. Uma entidade cultural ou social, que venha vê-los ou que lhes doe dinheiro ou meu tempo. Mas, estamos preparados para ver cartazes da Samsung na Sagrada Família de Barcelona, ou que a Vodafone patrocine a Almudena de Madri?, desafiou Fernández. Também não precisamos exagerar. O marketing religioso já existe, explicou, e a melhor prova é a gestão que a Igreja faz do seu patrimônio material e imaterial, suas entidades sociais ou escolas.
O Caminho de Santiago, explicou o especialista, é um “caso paradigmático de marketing”. Graças a investimentos em albergues, sinalizações e projetos similares para os anos jacobeus [como se denomina o Ano Santo Jubilar Compostelano ou Ano Santo Jacobeu, relativo a São Tiago], a Jornada Mundial da Juventude de 1989 ou outros eventos similares, o número de peregrinos que percorrem o caminho foi à estratosfera nas últimas décadas. Eram apenas 68 em 1970, comparado com os 278.041 em 2016. Um fenômeno similar aos provocados por eventos como o V Centenário de Santa Teresa de Jesus ou as diferentes edições das Idades do Homem.
Existem, porém, algumas joias da coroa que a Igreja não potencializa suficientemente, segundo Fernández. As hospedarias monásticas, por exemplo, que lamentou que “não estão funcionando: é uma marca fantástica”. Assim como, ou inclusive mais, que os tão exitosos paradores ou denominações de origem gastronômica. Como Igreja, “temos um estupendo patrimônio: podemos aplicá-lo e aproximá-lo da sociedade?”
O freio que muitas vezes encontramos é que temos medo de associar a religião com a economia. Mas, por que, perguntou Fernández, quando acrescentamos à palavra “economia” ou ao “marketing” os termos “colaborativo”, “do bem comum”, “solidário” ou “verde”, já não nos soa tão mal? Por que, então, não implicar-se profundamente com o marketing religioso? “Oxalá, o patrimônio da Igreja tivesse um stand no FITUR em três anos”, finalizou sua fala o especialista da Fundación La Caixa.
O marketing religioso faz sentido do ponto de vista das boas práticas de gestão. Também do ponto de vista da sociologia. Essa foi a contribuição feita aos participantes do Reinspira'17 a pelo sociólogo Javier Elzo, que, além disso, argumentou que “a reforma da Igreja não deve se concentrar em ‘atrair’ os jovens, mas deve valer para o conjunto da população espanhola”.
A Espanha é cada vez menos católica e seus cidadãos confiam cada vez menos na Igreja. Os dados compartilhados por Elzo demonstram que o atual “modelo” de negócio eclesial não pode durar muito mais tempo.
Em 2017, 69,8% dos espanhóis se definem como católicos: uma queda de quase 21 pontos desde 1978. Em 2008, apenas 33% da população tinha “muita” ou “grande” confiança na Igreja. Naquele momento, apenas a OTAN e os partidos gozavam de menos respeito.
No CIS de abril de 2015, a Igreja nem foi aprovada em relação à confiança dos cidadãos, tirando nesta pesquisa um mero 3,61. Nota que, precisou Elzo, subiu ligeiramente desde 2014, “talvez pelo efeito Francisco”. Mas, esse respeito que o atual Papa mereceu não valeu para os bispos espanhóis, coletivo em que acreditam apenas 24% dos cidadãos, segundo advertiu em 2015 a empresa demográfica Metroscopia. Pelo contrário, 95% da população tem uma boa opinião sobre seus médicos e cientistas.
Em sua leitura destes dados, Elzo explicou que, “como instituição, a sociedade espanhola vê a Igreja... bem, mas sua perspectiva é tanto mais positiva quanto mais contato se tiver com ela”. Interpretação avaliada pelo fato de que, ao contrário da péssima opinião que têm seus bispos, 76% dos espanhóis valorizam o trabalho social da Igreja. “Com os bispos não se tem contato”, lamentou o sociólogo. É uma das razões pelas quais defende outro modelo de Igreja. Não mais o “piramidal”, mas uma “Igreja em rede”, já que “a Igreja institucional pode ser uma barreira para a experiência de Deus”.
Onde a “marca” Igreja deve mudar, portanto, para penetrar no mercado? Segundo o sociólogo, deve tornar-se “unida, mas não uniforme”, sinodal em vez de clerical. Deve “libertar-se da nostalgia do Estado da cristandade” e “aprofundar o trabalho assistencial, acompanhado pela denúncia e pela proposição”. Até que ponto o marketing religioso pode ajudar em tudo isso? Essa será a tarefa das sessões que ainda restam do Reinspira’17.
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“A confiança na Igreja é proporcional ao contato que se tem com ela” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU