06 Março 2015
"Para Teresa de Jesus, Deus é o que há de mais importante na sua vida, um Deus muito próximo e humano. Diz que podemos encontrá-Lo em toda a parte, especialmente dentro de nós mesmas (os)", escreve Rita Romio, religiosa da Companhia de Santa Teresa de Jesus.
Eis o artigo.
“Nada te perturbe, nada te espante, tudo passa, Deus não muda,
a paciência tudo alcança. Quem a Deus tem, nada lhe falta,
só Deus basta” Santa Teresa de Jesus (Poesias 9).
Feliz aniversário e felizes vésperas para você, Teresa de Jesus. Estamos em festa, gratidão e júbilo! Trata-se de nada mais, nada menos que o V Centenário do seu nascimento, 28 de março de 1515.
Teresa Sánchez de Cepeda y Ahumada, sua luta continua viva entre nós ao recordar a sua força feminina, que marcou história. Provocou um movimento de mulheres com a meta de viver o espírito evangélico como pobres, orantes e iguais, as Carmelitas Descalças. E, como se não bastasse, ao propor isso aos homens, tornou-se um caso raro na história da Igreja, uma mulher reformadora de uma Ordem masculina, os Carmelitas Descalços.
Quem foi esta mulher, nascida em Ávila, Espanha, e que num determinado momento da sua vida decide chamar-se Teresa de Jesus? Qual é o seu segredo que a tornou tão especial que seu nome atravessou cinco séculos de existência, e que foi proclamada Doutora da Igreja? Por que sua vida e escritos continuam despertando apaixonado interesse em muitas seguidoras e seguidores? [1]
Certamente, o que a torna fascinante e atual é a narração da sua experiência de integração humana em todas as suas dimensões. Lutou muito para encontrar a verdade. Realizando a descoberta do Transcendente, sua vida se torna uma contínua paixão por Deus e pela humanidade. Enfrenta muitas adversidades, mas assume a sua missão com “determinada determinação”.
A leitura dos seus escritos desperta as leitoras e leitores, para a aventura da amizade com o Transcendente, como Alguém que ela encontrou e que deu sentido à sua existência, ao seu agir[2]. Com uma espiritualidade amorosa, libertadora e apaixonada, incentiva a descoberta de Deus dentro de nós, numa relação de amizade com Alguém que nos ama e “sempre nos espera”.
Para Teresa de Jesus, Deus é o que há de mais importante na sua vida, um Deus muito próximo e humano. Diz que podemos encontrá-Lo em toda a parte, especialmente dentro de nós mesmas (os). Ao escrever sua experiência espiritual, fruto da sua amizade com Deus e com as pessoas, nos deixou o legado de uma espiritualidade para o nosso tempo, podendo encontrá-la em seus vários escritos.
Santa Teresa escreve sobre sua busca e experiência de amizade com as pessoas e com Deus: “Não direi coisa que não tenha experimentado muito”(V 18, 8); “o que disser, tenho-o comprovado por experiência” (V 22, 5; 28, 7).
Trazia consigo a força do amor apaixonado por Deus, por isso anima a permanecer firme no caminho:
“Aos que desejam seguir sem parar, até o fim, até chegar a beber desta água viva, direi como devem começar. Muito importa, e acima de tudo, ter uma grande e firme determinação de não parar até chegar à meta, surja o que surgir, aconteça o que acontecer, custe o que custar, murmure quem murmurar, quer chegue ao fim, quer morra no caminho, ou falte coragem para os trabalhos que nele se encontram. Ainda que o mundo venha abaixo havemos de prosseguir” (C21,2).
Para Teresa a pessoa é como um castelo habitado pela Trindade (IM,1-5) à espera do encontro com sua criatura: “A alma é como um castelo, todo de diamante ou de cristal com muitas moradas. E no centro, a principal, é onde passam as coisas mais secretas entre Deus e a alma”. Nele há muitas moradas, que expressam os distintos níveis da relação que a pessoa tem consigo, com os outros, com Deus e com o mundo. O conhecimento próprio é essencial para essa viagem interior. “A porta para entrar nesse castelo é a oração e reflexão” (IM). Nesse processo, Teresa adverte para não ficar olhando para as misérias humanas, e sim para Jesus Cristo, o grande amigo. É um dinamismo onde a pessoa reconhece sua identidade e o mistério da sua liberdade. Teresa adverte que, quando a pessoa se nega ao Amor, está se fechando em si mesma (IM6-8). E, para fazer frente a uma antropologia egocêntrica, Teresa propõe um dinamismo de êxodo - a pessoa deve entrar dentro de si, autoconhecer-se, aceitando a própria realidade, como também a realidade alheia. A imagem do castelo interior expressa um dinamismo dialético de integração entre interioridade e exterioridade, levando a pessoa a sair de si mesma, vivendo numa relação progressiva de entrega, partilhando seus dons, criando novas relações.
Outra imagem teresiana para expressar o processo de caminhada da pessoa em relação a Deus, é a do bicho-da-seda. Através do símbolo da transformação do bicho-da-seda numa formosa borboleta, Teresa quer expressar o chamado à transformação em Cristo (IIM, 2). Supõe um caminho de morte vida, ganhos e perdas, segundo a lógica do seguimento, trilhado com Cristo e em Cristo. É na vivência do amor que a pessoa integra todas as suas potencialidades. As crises e contradições podem converter-se em lugar de encontro. A pessoa, sabendo-se amada, responde amando. Sente-se convidada a “conhecê-Lo, amá-Lo, torná-Lo conhecido e amado”[3].
Na analogia teresiana, a pessoa que começa a tratar de amizade com Deus “deve fazer de conta que começa a plantar uma horta em terra muito infrutífera, que tem muitas más ervas, para que nele se deleite o Senhor. Sua Majestade arranca as más ervas e vai plantando as boas”(V11,6). A própria pessoa é a horta, exposta às intempéries. Ela mesma deve cultivar o terreno, preparar a terra para que esteja em condições de acolher a água da chuva. Essa água é dom de Deus, o Jardineiro. Teresa sabe que o seguimento de Jesus Cristo é uma opção pessoal, mas também é dom e graça. O símbolo do cultivo da horta é um convite para a escuta, o silêncio, a acolhida, a espera e o reconhecimento do dom gratuito de Deus.
A imagem teresiana da amizade talvez seja a que melhor expressa a experiência teresiana da oração como relação viva e interpessoal com Deus. Supõe amor, intimidade, reciprocidade, realismo e capacidade de relação com as pessoas. Sem esses elementos, é muito difícil que a pessoa possa integrar as suas diversas dimensões. “Para falar com Deus não é necessário ir ao céu, nem falar em altos brados. Ele está tão perto que ouvirá, basta pôr-se em solidão e olhar para dentro de si” (C28,2). É uma comunicação com Deus de coração a coração: “Pensais que ele está calado? Mesmo que não o ouçamos, Ele nos fala ao coração, quando de coração lhe pedimos”(C24,5). Teresa anima para contemplar o Mestre na sua humanidade e assim poder conversar com Ele, não com orações complicadas, mas a partir do coração e da vida, “é isto o que Ele mais preza”, conclui ela. “Juntos caminhemos, Senhor, por onde fordes irei eu, por onde passardes, hei de passar”(C26,6).
Teresa também faz analogia com a imagem da pessoa apaixonada. A vida não é senão entrega e doação apaixonada e apaixonante. É importante observar que Teresa não se fecha num intimismo. A máxima união com Deus é ao mesmo tempo compromisso com o mundo, solidariedade com a humanidade:
“O Senhor quer obras” (M5). “Procurai ser pregadoras em obras” (C 7,7; 15,6). Na oração, “o importante não está em pensar muito, senão em amar muito... Talvez não saibamos o que é amar ... não está no maior gosto, mas na maior determinação de desejar contentar a Deus em tudo” (IVM7; cf. F5,2). “O amor de Deus não consiste nas lágrimas, nas delícias, nas ternuras da oração, mas em servir a Deus com humildade, fortaleza e justiça” (V11,13; IV M1,7). “Se contemplar, ter oração mental, ter oração vocal, curar enfermos, servir nas coisas da casa e trabalhar – mesmo nas tarefas mais humildes –, é servir ao Hóspede que vem ter conosco ficando em nossa companhia, comendo conosco e conosco se recreando, que nos importa servi-Lo mais de uma maneira do que de outra?” (C 17,6). “Ensinai mais com obras que com palavras”(R66; C 5,2).
Para Teresa a missão exige ardor missionário, ou seja, empolgação e ânimo pela causa do Reino.
“Até os pregadores fazem seus sermões de maneira a não descontentar. A intenção é boa, e também a obra, mas, dessa maneira, poucos se corrigem. E qual a razão de não serem muitos os que pela pregação deixam os vícios públicos? Sabe o que me parece? É que os pregadores tem demasiada prudência. Não estão tomados pelo grande fogo do amor de Deus, como estavam os Apóstolos. Dão calor brando. Não digo que os iguale em ardor, mas quisera mais fogo do que agora vejo. ... Os Apóstolos ... não se incomodavam com perder tudo ou ganhar tudo, já que, quem de fato arrisca tudo por Deus, não distingue entre essas coisas (V 16,7).
A caminhada ao seguimento a Jesus Cristo nos pede uma determinação pessoal. Mas não caminhamos sozinhas/os. Para perseverar e avançar no processo, sentimos a necessidade de partilhar e nos animar mutuamente. “Gostaria de insistir que procurem não esconder seu talento (cf. Mt 25,5), pois Deus parece ter querido escolhê-los para beneficiar muitas outras (pessoas), especialmente nesta época em que são necessários amigos fortes de Deus para sustentar os fracos” (V15,5).
Teresa, mulher que soube enfrentar dificuldades, sabia a eficácia de ter um horizonte amplo: “Viste o grande empreendimento a que desejamos nos dedicar. ... Está claro que precisamos trabalhar muito, e muito ajuda ter pensamentos elevados, para que as obras também o sejam” (C 4,1). “É indispensável ter grande confiança. Convém muito não amesquinhar os desejos, e confiar em Deus” (V13,2).
Para esta mulher, que amou e experienciou a humanidade de Jesus Cristo, Deus é aquele que está sempre nos esperando. Não encontrar-se com Ele é “uma pena, muita pena” diz ela. Certamente, a imensa capacidade de apaixonar-se – por si mesma, pelas pessoas, por Deus, e pela humanidade – e manter-se viva por meio da capacidade de doar-se de diversas maneiras, fez com que o nome de Teresa de Ávila chegasse a nós.
NOTAS:
1 - Curiosidades: A francesa Marie Françoise Thérèse Martin (1873-1897), conhecida como Santa Teresinha do Menino Jesus, foi discípula de Teresa de Ávila. Juana Fernández Solar (1900-1920), chilena, hoje conhecida como Santa Teresa dos Andes, ao tornar-se monja carmelita como Santa Teresinha, também assumiu o nome de Teresa de Jesus. A albanesa Anjezë Gonxhe Bojaxhiu M.C. (1910-1997), Madre Teresa de Calcutá, quando se tornou religiosa de Nossa Senhora do Loreto, admiradora da Santa de Ávila, escolhe ser chamada de Teresa. Por considerar muita pretensão se parecer com a santa espanhola, contenta-se em ser parecida com a humilde carmelita de Lisieux, Teresinha do Menino Jesus.
2 - Cf. MOLINS, M.V. “Teresa mudou seu nome!”, Porto Alegre: Padre Réus, 2012, p.5-6.
3 - Lema do sacerdote espanhol Santo Enrique de Ossó e Cervelló que, desde muito jovem, se aproximou de Teresa de Jesus, através da leitura de seus escritos. Cativado pelos ensinamentos da Santa de Ávila, tornou-se seu incansável divulgador. Entre outras obras fundou a Companhia de Santa Teresa de Jesus (1876), as Irmãs Teresianas, desejando que fossem “santas e sábias” como Teresa de Jesus; “outras Teresas de Jesus” na atualidade, com a missão de “conhecer, amar e tornar Jesus Cristo conhecido e amado”.
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V Centenário do nascimento de Santa Teresa de Ávila, uma santa apaixonada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU