21 Março 2017
“Enquanto as encíclicas que precederam Francisco construíram uma doutrina social, quase como um produto católico no mercado das teorias sociais e econômicas, a advertência do papa não se apresenta como uma declaração ideológica, mas sim como uma preocupação de quem expressa uma verdade também com finalidades maiêuticas: se não formos capazes de construir uma sociedade digna, é o Mal.”
A opinião é do administrador italiano Max Bergami, decano da Bologna Business School, da Universidade de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 19-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo ele, "é interessante notar que o Papa Bergoglio nunca fala de tutela do posto de trabalho, mas ele se coloca do lado da defesa do trabalho. Esse aspecto é muito relevante em um momento de aceleração do processo de destruição criativa, porque o componente destrutivo está se tornando muito mais rápido do que o criativo, colocando a responsabilidade de aproveitar todas as novas oportunidades decorrentes, por exemplo, da green economy e da blue economy".
Não é a primeira vez que o Papa Francisco recorda que a dignidade humana depende do trabalho, mas, durante a Audiência geral do dia 15 de março, ele foi mais longe, defendendo que “aqueles que, por manobras econômicas, para fazer negociações não totalmente claras, fecham fábricas, fecham empresas e tiram o trabalho dos homens cometem um pecado gravíssimo”.
A partir da Rerum Novarum (1891), de Leão XIII, a Doutrina Social da Igreja levou abertamente em consideração “os progressos incessantes da indústria e os novos caminhos em que entraram as artes”, analisando a tensão dinâmica entre progresso e conflitos que podem resultar da mudança.
Noventa anos depois, o Papa João Paulo II, na Laborem exercens, faz um elogio da técnica, definindo-a como “aliada do trabalho”, mas afirmando, ao mesmo tempo, que “a técnica, de aliada, pode também se transformar quase em adversária do homem, como sucede: quando a mecanização do trabalho ‘suplanta’ o próprio homem, tirando-lhe todo o gosto pessoal e o estímulo para a criatividade e para a responsabilidade; igualmente, quando tira o emprego de muitos trabalhadores que antes estavam empregados; ou ainda quando, mediante a exaltação da máquina, reduz o homem a ser seu escravo”.
O Papa Francisco dá mais um passo quando, na exortação apostólica Evangelii gaudium, diz sem rodeios: “Não a uma economia da exclusão”. Ora, sem querer interpretar ou parafrasear as palavras do Papa Bergoglio, parece emergir justamente uma supremacia do trabalho como fonte de dignidade, acima de qualquer outra avaliação econômica. Trata-se de uma perspectiva coerente com a pragmática social jesuíta e com a experiência de um papa que vem “do fim do mundo”, mas que já fez experiência direta das contradições da sociedade ocidental industrializada.
Enquanto as encíclicas que precederam Francisco construíram uma doutrina social, quase como um produto católico no mercado das teorias sociais e econômicas, a advertência do papa não se apresenta como uma declaração ideológica, mas sim como uma preocupação de quem expressa uma verdade também com finalidades maiêuticas: se não formos capazes de construir uma sociedade digna, é o Mal.
Trata-se de um argumento de extrema atualidade e complexidade, conectado com os mais recentes resultados da pesquisa científica e tecnológica, além das consequentes aplicações. O processo de inovação tecnológica, que apenas começou a mudar a sociedade, pode levar a melhorias impensáveis na vida das pessoas, mas, ao mesmo tempo, existe o risco de uma transformação tão radical a ponto de tornar rapidamente obsoleta uma parte muito significativa dos trabalhadores.
Os exemplos já são muito numerosos: o home banking tornou inútil o trabalho dos operadores de caixa, as diversas faces da peer-to-peer economy alerta taxistas e varejistas, os robôs desafiam operários e cirurgiões, sem falar das aplicações decorrentes da inteligência e da visão artificial.
Já está claro que não se trata de ficção científica, mas de um processo contínuo que, muito provavelmente, tenderá a acelerar com um andamento não linear, mas exponencial. Empresários e administradores não parecem ter muitas alternativas à disposição, porque as empresas que ficarem para trás estão destinadas a cair sob a foice da seleção, assim como os serviços públicos antiquados estão se tornando tão ineficientes a ponto de representarem um fardo insuportável para qualquer sociedade.
Provavelmente, essa transformação vai exigir novas competências e oferecerá novos postos de trabalho, mas, sem dúvida, expõe a economia global ao risco de um novo desemprego por obsolescência dos recursos humanos.
Se, por um lado, é indiscutivelmente necessário investir com grande determinação para que a economia italiana consiga ficar sobre a onda da inovação, por outro, é necessária uma reflexão ampla sobre as implicações da mudança. As palavras do Papa Francisco representam um desafio para os Estados, para a economia capitalista e também para aqueles mundos, como o da cooperação, a partir dos quais poderia esperar algumas sugestões em termos de novos modelos de solidariedade social capazes de enfrentar os problemas emergentes.
Alguns instrumentos são: requalificação profissional, projetos para reduzir o skill mismatch, redes territoriais entre instituições, empresas, institutos superiores e universidades, estratégias voltadas a acompanhar a inserção de inovações radicais.
Alguns empresários estão se perguntando sobre o tema da rentabilidade como objetivo vinculado por algumas condições de sustentabilidade, mas é claro que casos individuais só podem representar modelos interessantes a serem eventualmente imitados, e não uma solução de sistema.
É interessante notar que o Papa Bergoglio nunca fala de tutela do posto de trabalho, mas ele se coloca do lado da defesa do trabalho. Esse aspecto é muito relevante em um momento de aceleração do processo de destruição criativa, porque o componente destrutivo está se tornando muito mais rápido do que o criativo, colocando a responsabilidade de aproveitar todas as novas oportunidades decorrentes, por exemplo, da green economy e da blue economy. Esse desafio requer um esforço coletivo, obriga a uma discussão ampla e inclusiva, já que somente a sociedade no seu conjunto e os territórios em sua especificidade podem tentar reagir ao impacto das novas tecnologias que tiram postos de trabalho.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O papa e o trabalho diante do desafio da inovação. Artigo de Max Bergami - Instituto Humanitas Unisinos - IHU