16 Março 2017
Em silêncio por um ano e meio, os "Joy Bells" (em português, Sinos da Alegria), como são chamados os sinos da Catedral da Santíssima Trindade, na cidade irlandesa de Waterford, vão badalar novamente neste final de semana de St. Patrick, em uma mensagem de fraternidade e boas-vindas a refugiados e imigrantes.
Uma das católicas mais importantes do país, a ex-presidente Mary McAleese, vai relançar oficialmente os sinos da Igreja da Catedral da Irlanda.
A reportagem é de Sarah Mac Donald, publicada por National Catholic Reporter, 15-03-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
A decana Maria Jansson, filha de mãe católica irlandesa e pai sueco luterano, convidou McAleese para dar início ao badalar dos sinos em 19 de março, às 11 horas, após 18 meses de reparos. A religiosa anglicana explicou ao NCR que o badalar dos Joy Bells é uma demonstração ecumênica e antissectária "de solidariedade para com todos os que tanto procuram por acolhimento e vida nova entre nós".
Ela destacou, porém, que a iniciativa objetivou "mais do que atingir o sectarismo".
"É para protestar contra o racismo e a xenofobia em todas as suas formas", disse ela. "Procura acrescentar uma voz diferente à esfera pública, onde as comunidades estejam comprometidas a respeitar a dignidade de todas as pessoas criadas por Deus e acolhê-las."
Jansson está pedindo para que outras paróquias também toquem seus sinos em 19 de março*, em uma mensagem global de não à intolerância. "Vamos proclamar juntos, através dos sinos, nossa mensagem de boas-vindas, respeito e solidariedade com os imigrantes e refugiados e com as pessoas invisibilizadas em seu desespero", disse ela.
Igrejas em lugares bastante distantes, como Índia, Itália, Tailândia e Malawi , já se comprometeram a tocar seus sinos em solidariedade. Alguns dos principais defensores da iniciativa incluem os bispos católicos irlandeses, o Arcebispo Eamon Martin, da Catedral de St. Patrick em Armagh e sua parceira, a Igreja da Irlanda, do Arcebispo Richard Clarke, bem como o Cardeal Vincent Nichols, de Westminster, Inglaterra, a Igreja da Inglaterra do Arcebispo Justin Welby e o cardeal dos EUA Joseph Tobin, de Newark, New Jersey.
Uma iniciativa que partiu das bases de uma pequena comunidade que levantou sua voz e convidou outras pessoas para participar, de acordo com Jansson, levou a uma onda de apoio à medida, que foi se espalhando.
"Vivemos em uma época em que há uma necessidade desesperada de esperança, direção, comunidade, propósito compartilhado e Deus. Todos nós compartilhamos desta missão", disse ela. "Será que trabalhar juntos é opcional? Precisamos trabalhar juntos, para que o Evangelho não seja considerado irrelevante, como um espetáculo à parte, incapaz de abordar questões da nossa época. A mensagem de amor, cuidado à Terra de Deus, cuidado pelo outro é extremamente pertinente. A menos que tenhamos boas relações uns com os outros, com a criação... tenho medo de pensar no futuro que estamos criando para nossos filhos."
A iniciativa dos Joy Bells ocorre durante a visita do primeiro-ministro irlandês Enda Kenny aos EUA, nesta semana, para o St. Patrick's Day, levantando questões sobre a situação de 50.000 imigrantes irlandeses ilegais no país diante das duras medidas do presidente Donald Trump.
Perguntada sobre como a iniciativa desafia a postura anti-imigração de Trump e o voto a favor do Brexit no Reino Unido, Jansson disse: "ter bodes expiatórios é muito perigoso, mas politicamente conveniente. Focar nos problemas econômicos e nos descontentamentos culturais com os muçulmanos, imigrantes e refugiados serve para retirar a atenção das questões complexas da ganância corporativa, atrofia política e desintegração social."
Como pastora, ela salientou que os discursos e os atos de ódio não podem ser incorporados ao Evangelho de Cristo.
"Se nos atrevemos a rezar o 'Pai Nosso' - 'Pai Nosso... venha o nós vosso reino, seja feita Sua vontade assim na terra como no céu' -, como cristãos, devemos desafiar o racismo e a xenofobia, não só em oração, mas em ação, não em omissão."
"Será que o nosso badalar dos sinos pedindo solidariedade e amor desafiará o ódio? Bem, eu duvido que Donald Trump perca o sono por causa de um sino. Mas se envia uma mensagem diferente na esfera pública, encoraja as pessoas a amarem ao próximo localmente e acolherem os desolados, terá servido ao propósito de Deus", disse ela.
McAleese expressou seus pontos de vista, exprimindo que o aumento dos crimes de ódio nos EUA e no Reino Unido é "extremamente preocupante" e pedindo que esses crimes sejam tratados de maneira "contundente".
Pouco antes da chegada do primeiro grupo de refugiados sírios que devem se estabelecer no condado de Roscommon, na Irlanda, McAleese disse que espera que o povo irlandês não se envolva no "tipo de coisas de que ouvimos falar durante a campanha Brexit ou de Trump", como "insultos, estereótipos e racismo".
"Minha preocupação é que agora, em outros países, as pessoas sentem-se como se estivessem empoderadas para serem abertamente hostis e racistas, como se isso fosse aceitável", advertiu.
"Parte do que esperamos conseguir com a nossa iniciativa em relação ao sino é que jamais existam intolerâncias deste tipo em nosso país, que tem a sua própria história fenomenal de ser imigrante em outros lugares", explicou ela, dizendo não haver ninguém na ilha da Irlanda que não tenha um primo, tio, tia, irmã emigrante residindo em algum lugar do mundo. "Conhecemos isso muito bem e sabemos o quanto é importante para as pessoas ter uma recepção calorosa."
Ela também homenageou a Irlanda por ter "recebido uma quantidade muito significativa de cidadãos não-irlandeses em um período muito curto de tempo" e disse que considerando o percentual de população, há mais pessoas não-nativas na Irlanda do que na Grã-Bretanha.
"Fizemos isso durante uma desaceleração da economia e sem recorrer, politicamente, ao tipo de coisa que ouvimos durante a campanha Brexit e durante a campanha de Trump. Espero que esta situação se mantenha".
Ela ressaltou que isso não significa que ninguém tenha sofrido crimes de ódio cometidos por indivíduos. "Acredito que nós lidamos com isso de forma muito robusta e impedimos que continue acontecendo", disse ela.
O final de semana do St. Patrick's Day foi propositalmente escolhido porque o santo nacional é, segundo McAleese, "de longe o imigrante mais famoso e bem sucedido da Irlanda".
"Ele era a criança vítima de tráfico, ele era o refugiado e o imigrante que teve impactos notáveis na pátria que o adotou e fez uma grande contribuição", declarou. "Ele nos diz através de sua história simples como é importante manter-se aberto aos outros e aos presentes que trazem consigo."
Esta, acrescentou, foi uma "mensagem para o mundo", que vive "um aumento da intolerância de raça, religião e etnia."
"A questão de como é que vamos responder ao estranho é um desafio dentre muitos outros ao redor do mundo", disse ela.
McAleese destacou que "a Europa está vivendo um crescimento da intolerância de raça, religião e etnia, os Estados Unidos também, e temos de olhar para os danos causados ao Islã pelo [grupo do Estado Islâmico]. É por isso, acredito eu, que a ideia dos Joy Bells tem sido tão aceita no mundo todo."
Ela sugeriu que o toque dos sinos desafia as pessoas a se perguntarem que valores cada um traz para suas relações com o "outro" - em particular, com aqueles que podem ser política, religiosa ou culturalmente muito diferentes.
"Como reagimos quando adentram nosso contexto por força das circunstâncias - seja migração econômica ou migração imposta às pessoas pela violência e pelos conflitos? Que tipo de pessoa nos tornamos quando somos testados pela presença do estranho entre nós - nos tornamos mais cruéis e fracos ou nos tornamos mais generosos e abertos ao que quer que seja que tenhamos a oferecer?"
Os sinos, enfatizou McAleese, batem pela intolerância.
"É para enviar a mensagem de que um sorriso, um aperto de mão, uma recepção calorosa é de longe a melhor resposta não apenas aos que são diferentes - é maravilhoso se sentir bem-vindo -, mas também àqueles que dão as boas-vindas."
"É um momento em que escolhemos dizer que nós defendemos a tolerância para toda a família de Deus independentemente das circunstâncias em que se encontram", disse ela. "Vamos construir e continuar construindo um lugar de decência e civilidade para todos - independente de quem sejam."
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Catedral irlandesa promove a iniciativa ‘Joy Bells’ dando as boas-vindas a imigrantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU