05 Fevereiro 2017
As ordens executivas de Trump contra os imigrantes, os desafios que eles representam para a Igreja estadunidense e a estratégia por parte do presidente dos Estados Unidos de dividir os bispos entre pró-migrantes e pro-life. O HuffPost se encontrou com “Joe” Tobin, cardeal de Newark, em Roma, onde, no domingo, 29 de janeiro, tomou posse da “sua” paróquia, a de Santa Maria delle Grazie al Trionfale, a poucos metros dos Muros Vaticanos.
A reportagem é de Maria Antonietta Calabrò, publicada no sítio L’HuffingtonPost.it, 31-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Acnur, a organização das Nações Unidas para os Refugiados, estimou em cerca de 20.000 o número de pessoas que vão sofrer imediatamente o impacto da suspensão da entrada nos Estados Unidos. Como cidadão estadunidense e como cardeal católico, como se sente diante dessa situação?
Perturbado. Sinto uma grande perplexidade, porque vai contra a tradição e até mesmo o ethos do povo, da própria experiência dos Estados Unidos, uma nação constituída principalmente por migrantes. Depois, afeta-me porque eu sou arcebispo de Newark, e a Estátua da Liberdade faz parte da minha diocese. A Estátua da Liberdade – monumento simbólico de Nova York e dos Estados Unidos – está construída na Bedloe’s Island, que é uma pequena porção de Nova Jérsey, na foz do porto de Nova York, um pequeno pedaço do meu território. A Estátua da Liberdade tornou-se o símbolo da imigração, já que, para mais de 9 milhões de imigrantes que chegaram aos Estados Unidos por via marítima, na segunda metade do século XIX, a estátua era a primeira coisa que se via do nosso país. A minha avó também passou por lá. É por isso que eu fiquei perplexo e perturbado com esse último desdobramento da política de Trump.
Quando o senhor era arcebispo de Indianápolis, polemizou com o então governador de Indiana, o atual vice-presidente, Mike Pence, que se inclinou contra a acolhida aos refugiados sírios. Pensa que esses refugiados que, em parte, são cristãos devem ter uma proteção especial?
Eu acredito que não há outra proteção especial senão o direito de todos. E, de fato, eu li ontem à noite que um bispo no Iraque declarou que oferecer uma proteção especial para os cristãos, na realidade, coloca ainda mais em risco os próprios cristãos, como classe privilegiada. Sabemos que, em alguns países do Oriente Médio, os cristãos já são vítimas de uma terrível perseguição.
Os defensores do presidente Trump afirmam que, nos últimos anos, o seu antecessor, Barack Obama, rejeitou 2,5 milhões de migrantes. Do mesmo modo, em relação do Muro do México, eles argumentam que quem começou a construí-lo foi Bill Clinton. O que o senhor responde a essa objeção que, nos últimos dias, repercutiu muito também na Itália? O que a Igreja Católica estadunidense fez nos últimos anos?
Os bispos dos Estados Unidos, ainda durante a presidência Obama, insistiram sobre a reforma da lei de imigração. Nós, bispos, protestamos contra os últimos desdobramentos, mas não queremos nos confiar à lei assim como ela é. Nesse sentido, o governo das administrações anteriores também falhou. Talvez por causa da polarização do Congresso, mas, seja como for, não conseguiram fazer uma verdadeira reforma. A reforma da lei é a solução, é essa reforma que é necessária. Não queremos negar o direito das nações ao controle das próprias fronteiras, mas a decisão da semana passada [isto é, a ordem executiva de Trump de bloquear por quatro meses o ingresso de alguns países] está longe, muito longe da verdadeira reforma, a única que vai funcionar.
Alguns dizem que há uma diferenciação na Igreja estadunidense entre os bispos que estão mais atentos às questões pro-life, do direito à vida, e aqueles que têm uma sensibilidade mais social. De acordo com o senhor, esses atos tão fortes do presidente Trump vão mudar a posição dos bispos?
A meu ver, há a possibilidade de que a coincidência entre um vislumbre de esperança que o governo ofereceu à grande manifestação pró-vida que foi realizada em Washington na semana passada e o anúncio das decisões de fechamento aos migrantes não seja mera casualidade. Foi uma estratégia para dividir os bispos, para dividir a Igreja Católica. Eu, de minha parte, afirmo que os grandes valores da vida humana devem ser respeitados todos e em todos os momentos: da concepção até a morte natural.
O Papa Francisco assumiu a responsabilidade pelos migrantes no novo dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, presidido pelo prefeito cardeal Peter Turkson. O senhor acha que o papa pode escrever uma nova encíclica precisamente sobre as migrações?
Não há dúvida de que o drama da imigração está muito perto do coração do Santo Padre por causa daquilo que ele viu em Lampedusa e Lesbos, mas também por causa das notícias que chegam todos os dias no Vaticano: as migrações são um drama mundial. Não só no Oriente Médio. Como um Apóstolo que lê os sinais dos tempos à luz da fé, Francisco só posso responder dando uma prioridade real a essa urgência.
Outro problema dos Estados Unidos é o aumento do número de pobres: e isso, de acordo com os analistas da votação, foi um fator decisivo para a vitória do Trump. Foi assim?
Talvez, o que está em jogo não é só a pobreza real, mas também a exclusão, a sensação de que as decisões mais importantes da vida estão fora do controle das pessoas. Trump se aproveitou dessa insegurança e conseguiu convencer a população de que o outro partido, os Democratas, são um grupo da elite, distante das pessoas. Foi decisivo não só o nível real da pobreza, mas também o abismo sempre crescente entre os mais ricos e os pobres: isso gera uma sensação de desespero, é muito perigoso.
Os estadunidenses realmente acham que são os imigrantes que tiram o trabalho deles?
Há aqueles que difundem essa caricatura da realidade, mas se trata justamente de uma caricatura, trata-se de uma ideologia. Assim como acontece com vocês, na Itália, em relação a um partido do Norte. Mas isso não é verdade. Os imigrantes desempenham os trabalhos mais humildes dentro de uma sociedade, aqueles que ninguém mais faria e, muitas vezes, fazem-no com gratidão. Eu também nunca vi um estudo sociológico que demonstre isso: trata-se precisamente de uma ideologia que se aproveita dos medos das pessoas. Na Europa, também se vive com esse medo generalizado, e eu espero que a tradição de fé, de tolerância, de humanismo vençam também na Europa, porque, quando o medo leva a melhor, os homens são capazes de grandes atos bárbaros.
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"Trump quer dividir a Igreja. E renega os valores da Estátua da Liberdade." Entrevista com Joseph Tobin, cardeal de Newark - Instituto Humanitas Unisinos - IHU