17 Fevereiro 2017
Pesquisador Rodrigo Medeiros diz que é preciso buscar alternativa de renda sustentável para as populações da região.
A reportagem é de Catarina Barbosa, publicada por Amazônia Real, 16-02-2017.
Muito se fala sobre a importância da Floresta Amazônica para o bem-estar da humanidade, e várias iniciativas já foram desenvolvidas para preservar áreas nativas ou para a recuperação das que foram devastadas. Agora, com o intuito de analisar as ações em andamento e a atuação de novas, surge a Aliança pela Restauração da Amazônia, uma iniciativa que promete ser diferente de tudo o que já foi feito até aqui, unindo desde esforços das autoridades da esfera governamental até a forma de atuação do amazônida, que muitas vezes se vê compelido a desenvolver atividade econômica ilegal por falta de opção.
Entre as organizações que são membros fundadores da Aliança pela Restauração na Amazônia estão a Conservação Internacional (CI-Brasil), o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), o Instituto Socioambiental (ISA), o World Resources Institute (WRI), a Embrapa e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON). O Ministério do Meio Ambiente (MMA) é parceiro da iniciativa.
Segundo Rodrigo Medeiros, vice-presidente da Conservação Internacional (CI) Brasil, a ideia é provocar um movimento de articulação entre as grandes instituições, uma vez que, para ele, o modelo antigo de atuação consistia em projetos desarticulados de pequena escala com um alto custo.
“Todo mundo, de certa forma, desenvolve projetos de restauração da Amazônia, mas em uma escala muito pequena. A novidade é que as instituições vão trabalhar juntas: academia, terceiro setor, setor privado e governo. Assim, a meta é que em quinze anos se consiga ter um bom resultado”, afirma Rodrigo Medeiros.
A meta da qual Medeiros fala foi determinada pelo Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP21). Nesse evento foi firmado entre 195 nações o Acordo de Paris, cujo principal objetivo é a redução das emissões dos gases do efeito estufa. Na ocasião, o Brasil se comprometeu em recuperar 12 milhões de hectares de áreas degradadas, sendo quatro milhões somente na Amazônia.
Outra meta do país é a redução dos efeitos dos gases do efeito estufa, uma vez que todo o processo está interligado, já que com a restauração, a floresta vai “sequestrar” carbono da atmosfera. “Isso faz parte do mecanismo de mitigação. Se eu consigo mitigar o carbono que pode prejudicar a atmosfera, eu estou evitando o efeito estufa. Então, está tudo embricado”, diz Medeiros.
Ao se falar em recuperação da Amazônia, é impossível ignorar a devastação concentrada na região conhecida como o “arco do desmatamento”, que vai do sudeste ao oeste do Pará, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre. “Quando a gente analisa o mapa da Amazônia o desmatamento fica evidente. Há três décadas a maior parte das áreas desmatadas está concentrada nessa área”, pontua Rodrigo Medeiros.
No período de janeiro a novembro de 2016 foram desmatados 7.989 quilômetros quadrados (km²) de florestas na Amazônia, isto é quase 29% maior do em todo o ano de 2015, que foi de 6.207 km2.
Segundo Medeiros, entre 70% e 75% da devastação da floresta estão na região do “arco do desmatamento”. Essa concentração tem relação direta com a expansão da fronteira agrícola no cerrado. Entretanto, outras áreas também são atingidas pela devastação, incluindo Amapá e Roraima, que há até bem pouco tempo estavam livres destes impactos por conta de seus “isolamentos geográficos”. “Atualmente, várias dessas áreas são objeto de intervenções por organizações que integram a Aliança, como é o caso da região da Bacia do Xingu e toda a região da Bacia do Rio Tapajós, em Santarém, ambas alvo de programas de restauração”, diz.
Hoje não existe um dado na Amazônia que diga o quanto de áreas devastadas já foram reflorestadas. A ideia da Aliança é também fazer o contador girar e mapear áreas em processo de restauração, como estão funcionando, quem está executando, entre outras etapas.
A questão de recuperação da Floresta Amazônica logo traz à mente a ideia do plantar, ou seja, levar árvores para a área desmatada. Entretanto, esse processo pode ser bem mais complexo do que simplesmente fazer este plantio. Na Aliança, por exemplo, será realizada uma análise do tipo de técnica ideal para recuperar um território, uma vez que existem regiões que oferecem um desafio maior não apenas devido ao seu acesso, mas, sobretudo, pela quantidade de recursos financeiros que irão demandar.
“Há regiões que têm maior proximidade com áreas protegidas. Isso gera uma vantagem para realizar a restauração. Antes de começar os trabalhos vamos realizar um estudo que indicará e priorizará áreas da restauração no bioma Amazônia”, diz Rodrigo Medeiros.
Essa foi a forma que a Aliança encontrou de não se limitar apenas à verificação de áreas mais prejudicadas, mas também localizar quais são as melhores oportunidades. “Entre as técnicas há uma que requer muitos recursos [financeiros] e uma grande quantidade de insumos, chamada plantio direto, Normalmente é aplicada em uma área muito degradada, com perda ou empobrecimento do solo, localizada distante de núcleos conservados de vegetação. Nesse caso você precisa fazer um esforço muito grande de recuperação, de plantio direto e das mudas. Em um extremo, esse seria o modelo mais caro”, afirma.
Em contrapartida, há outras alternativas que por estarem próximas de áreas de floresta precisam de menos dinheiro, caso da condução ecológica, do enriquecimento e da regeneração natural. “O que a Aliança procura trazer de novidade é justamente isso. É pegar a inteligência que existe hoje no Brasil, em todas essas organizações, sobre as diferentes possibilidades de técnicas para a restauração e colocar isso a serviço de um projeto estruturado de grande escala na Amazônia.”
O dado não é motivo de orgulho, mas também não pode ser negado: o Pará detém o título de estado brasileiro com o maior índice de desmatamento na Amazônia. Esse foi um dos fatores que levaram a equipe da Aliança a lançar o projeto na capital paraense.
“O estado está passando por um momento expressivo nos últimos dois anos, já que é o campeão no desmatamento em termos absolutos, mas que também há pouquíssimo tempo deu demonstrações de vanguarda muito grande no sentido de reforçar uma restauração [da floresta]. Entre essas iniciativas está o programa Municípios Verdes, que é modelo para toda a Amazônia”, avalia.
Segundo Rodrigo Medeiros, nas últimas duas décadas o Brasil teve números positivos e reconhecidos de redução do desmatamento, saindo de quase 30 mil quilômetros quadrados de áreas desmatadas, na década de 1990, até o dado histórico conquistado nos últimos dois anos de aproximadamente quatro mil km2. “Mas, infelizmente, no último ano tivemos quase sete mil km2 de áreas desmatadas.”
O pesquisador diz não ser coincidência o fato de o desmatamento na Amazônia ter aumentado justo quando o Brasil sofreu umas das suas mais graves crises econômicas e políticas, que resultou no processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT). “A gente sabe que muito do controle do desmatamento na Amazônia depende de fiscalização. Um trabalho enorme que demanda fiscalização de órgãos federais como o Ibama e os órgãos estaduais. É claro que a crise no orçamento público afeta diretamente, porque os recursos disponíveis para as entidades trabalharem foi reduzido em quase todos os setores do governo”, explica.
Para Medeiros, a redução no esforço da fiscalização cria uma facilidade para que a atividade ilícita aconteça, lembrando que a prática do desmatamento é ilegal, mas que ela não deixa de ser uma atividade econômica para muitos moradores da região.
“O desmatamento passa a ser uma atividade econômica para as pessoas que vivem na região, desde o grande grileiro de terras, que incentiva a grilagem, até o amazônida, que mora lá na ponta e ganha 20 reais para fazer o desmatamento.
Enquanto a gente não olhar com mais atenção para dentro da Amazônia e buscar alternativas para que os moradores desenvolvam atividade econômica lícitas com o uso sustentável da floresta, isso [o desmatamento] ainda vai continuar sendo uma alternativa para eles”, explica.
A solução para esse problema específico seria, então, uma boa política de restauração de áreas degradadas. “Não adianta restaurar de um lado e continuar cortando do outro. Isso é parte da solução do problema, mas não é o suficiente. Investir de fato em uma matriz econômica na Amazônia, que é diferente da matriz econômica do cerrado, ou do Sul, já que é outra lógica. Isso é absolutamente necessário”, defende Rodrigo Medeiros.
Apesar de se saber da importância de recuperação da floresta e até mesmo da Aliança propor uma melhor forma para que esse trabalho seja realizado, não há uma fórmula que determine ainda como de fato será essa ação. “Não há um pacote de soluções. Mas a ideia é trabalhar com uma cadeia associada que, na escala, vai gerar emprego, renda e impostos para a região. Essa, sem dúvida, é a maior aspiração dessa aliança.”
Entretanto, apesar de não existir um caminho único e pronto para ser seguido, Medeiros alerta para a necessidade das pessoas entenderem e respeitarem o papel das entidades fiscalizadoras. “Acho que não é um problema da lei. É um problema de a gente ser eficiente na aplicação da lei, ou seja, na fiscalização, autuações, eficiência no julgamento. A nossa lei é adequada. Precisamos mais é apoiar as instituições que fazem o papel de lei do que necessariamente mudar a lei”, pontua.
Quando uma atividade econômica precisa disputar com outra que atua de forma ilegal isso torna a concorrência desleal. Isso vale para a pirataria, mas também para a atividade que envolve a floresta. Assim, madeireiros e pecuaristas que atuam respeitando as leis e a floresta, também estão interessados nas propostas da Aliança.
A AMATA e do Grupo Agropecuária Fazenda Brasil, que trabalham com madeira certificada e produção de gado de corte, respectivamente, já fazem parte da Aliança. “É injusto que essas empresas que atuam à luz da legislação, com boa prática e técnica sustentável tenham que competir com a madeira ilegal com preço lá embaixo. Assim, quem está cumprindo as leis têm o maior interesse no cumprimento delas.”
Na questão do licenciamento, o Brasil é um dos melhores em termos de legislação, garante Medeiros. Segundo ele, existem, inclusive, discussões para tentar flexibilizar o licenciamento ambiental. “Garantir a implementação para estabelecer melhor outras atividades é o caminho. O lucro rápido e fácil gera consequências ruins para a sociedade. Quando você desmata um hectare de floresta, seja na Amazônia ou em qualquer lugar, a quantidade de espécies de todos os grupos, de floresta, plantas, micro-organismos, animais e mais do que isso, de relação de processos, você está perdendo para sempre”, explica.
A verdade é que não existe técnica no mundo que consiga devolver a floresta como ela era na sua plenitude. “Isso significaria pegar um organismo morto e achar que você vai ressuscitá-lo e criar outro com as mesmas características”, define Medeiros.
Dessa forma, o papel das ações que buscam recuperar a floresta hoje visam (com as melhores técnicas de restauração) auxiliar a natureza a fazer o seu trabalho – e ele é longo e demorado. “Nós procuramos ajudar a natureza a realizar o seu trabalho e expressar a sua riqueza, a sua biodiversidade na sua plenitude, mas sabemos que a parte triste do desmatamento são as perdas imensuráveis.”
Ele diz que, além do trabalho de recuperação, há o de conscientização. “Proteger e destinar corretamente a terra, seja para uso agrícola ou outro, tem que ser muito bem pensado, porque o que está em jogo não é só o benefício industrial, agrícola daquela região. Você está abrindo mão daquela biodiversidade e dos serviços que aquela floresta presta, e que muitas das vezes a sociedade não se dá conta: água, solo fértil, medicamentos – está tudo relacionado”, ressalta o pesquisador Rodrigo Medeiros.
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Aliança para proteger a Amazônia quer reverter tendência de desmatamento da floresta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU