01 Fevereiro 2017
No sábado passado, publiquei um artigo onde manifestei o meu horror pelas ordens executivas de Donald Trump relativas aos imigrante e refugiados, e que estas ordens evidenciavam a distorção de uma questão subjacente a tal ponto que a sua linguagem, e as suas decisões, podem ser, e com razão, comparadas ao tipo de propaganda política que associamos ao fascismo da década de 1930. Na ocasião, observei que uma nota inicial emitida pela Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, que abordava as ordens executivas do presidente, fora fraca e os encorajei a falar com mais veemência.
O comentário é de Michael Sean Winters, colunista do National Catholic Reporter e pesquisador visitante do Instituto para Pesquisa em Políticas Públicas e Estudos Católicos da Universidade Católica da América, em Washington, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 30-01-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Em seguida, a USCCB, como é conhecida a conferência episcopal, emitiu um segundo comunicado que, assim como o primeiro, foi publicado no nome de Dom Joseph Vasquez, presidente da Comissão para a Migração. O texto focava a questão específica da ameaça de Trump em deixar de financiar cidades-santuário [municipalidades nos EUA que adotam políticas protetivas a imigrantes indocumentados, não processando-os por violarem leis federais de imigração]. Este segundo comunicado foi pior ainda: além de fraco, foi deplorável.
Poderíamos achar que um comunicado escrito pelos nossos bispos começasse com uma citação das Sagradas Escrituras, por exemplo, Êxodo 22,21, ou Levíticos 19,34, Deuteronômio 10,19, textos que pedem que o estrangeiro seja tratado como uma pessoa nativa por Israel porque Israel tinha sido estrangeiro no Egito. Ou, que os bispos pudessem começar com as palavras poderosas do Papa Francisco proferidas em Lampedusa, na primeira vez que deixou Roma como papa para visitar imigrantes que haviam cruzado a África. Ou ainda que citassem a homilia pregada por um de seus membros, o Cardeal Sean O’Malley, quando celebrou uma missa na fronteira em Nogales, no Arizona.
Mas não. A frase de abertura da nota repetia uma frase primeiramente articulada pelo então candidato Donald Trump quando anunciou sua candidatura à presidência, em que afirmou que os imigrantes mexicanos eram “criminosos” e “estupradores”. Ele e sua campanha continuaram a dizer que os imigrantes indocumentados cometem uma quantidade desproporcional entre os crimes violentos, o que não é verdade. E, assim, é repugnante ver a declaração de Vasquez começar com essa frase: “Compartilho a preocupação que todos nós sentimos quando alguém é vitimizado pelo crime, especialmente quando o perpetrador desse crime é alguém que está nos Estados Unidos sem autorização”. Em seguida, passa a afirmar que está “preocupado” com que a ordem executiva “forçasse todas as jurisdições a aceitar um regime padronizado que talvez não seja o melhor para as jurisdições particulares”.
Preocupação? Onde está o sentimento de indignação? O nosso povo católico de descendência latina está aterrorizado. Vasquez sabe disso. O presidente da USCCB, o Cardeal Daniel DiNardo, sabe disso, e se não sabe, então precisa visitar uma de suas escolas católicas e caminhar entre as crianças. Dom Jose Gomez, vice-presidente da conferência episcopal e presidente do grupo de trabalho voltado à imigração, não só sabe disso, mas também deu uma expressão profunda e eloquente a este medo quando pregou em sua própria catedral em Los Angeles logo após a eleição presidencial. Infelizmente, quando ele assina uma nota elaborada por funcionários da conferência em Washington, o fraseado é suavizado, nada que poderia perturbar o Sr. Trump e seus amigos.
Comparemos a redação e a estrutura das recentes notas emitidas pala USCCB com aquelas emitidas em resposta ao projeto contracepção ordenado pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos. No dia 14-03-2014, tivemos um comunicado vindo da comissão administrativa da conferência dos bispos que dizia que o órgão estava “fortemente unificado e intensamente focado em sua oposição às várias ameaças à liberdade religiosa em nossos tempos”. Mais adiante afirmaram: “Uma questão relativa à liberdade religiosa exige a nossa atenção imediata: a regra agora finalizada do Departamento de Saúde e Serviços Humanos que forçaria praticamente todos os planos privados nacionais de saúde a garantir cobertura de esterilização e contracepção – incluindo medicamente abortivos – sujeitos a uma isenção para ‘funcionários religiosos’ que é arbitrariamente estreita, e a uma acomodação futura não especificada e dúbia para outras organizações religiosas que são negadas de isenção”. Eles se comprometeram com “esforços vigorosos em educação e na defesa pública”.
Os bispos em 2012 não começaram reconhecendo a necessidade de aproximar a disparidade nos custos com assistência à saúde feminina. Explicitamente negaram a que a luta fosse sobre o uso de métodos contraceptivos e seus custos. Não falaram sobre a “preocupação” deles, mas sobre uma “oposição”. Infelizmente, as pessoas que redigiram este texto só podem demonstrar “preocupação” com que 11 milhões de pessoas, a maioria das quais católicas, estão aterrorizadas, que as famílias de refugiados estão sendo rompidas, que o financiamento, incluindo o financiamento para a rede de organizações caritativas “Catholic Charities”, será eliminado em cidades-santuário. Aquilo com que realmente eles se preocupam é que uma instituição católica possa comprar cobertura para uso de métodos contraceptivos em seus planos de saúde.
Essa situação é irônica, sobretudo porque a ordem executiva do presidente Trump relativa aos refugiados passa em frente a qualquer preocupação com a liberdade religiosa, e põe em perigo populações cristãs no Oriente Médio que a conferência, por repetidas vezes, vem buscando defender. A ordem alveja os muçulmanos, como ficou claro quando o presidente pediu um status prioritário a “minorias religiosas” de países majoritariamente muçulmanos. Ao retratar os muçulmanos como uma ameaça, até mesmo como um inimigo, Trump habilmente ajudou na iniciativa do ISIS de retratar os EUA como o inimigo dos muçulmanos. Em nada isso fará mais fácil a vida dos cristãos no Oriente Médio.
Não precisamos de ironia. O país está enfrentando uma crise moral em nível inimaginável até poucos meses atrás. Precisamos de uma liderança moral. Alguns bispos encontraram o tom. Além de um esplêndido tuíte no dia que as ordens executivas foram assinadas – “Uma nação temerosa fala sobre construir muros e é vulnerável a vigaristas. Devemos desafiar o medo antes que sejamos levados à escuridão” –, o Cardeal Joe Tobin, de Newark, emitiu uma nota com mais detalhes. “As Ações Executivas não mostram que os Estados Unidos são uma nação aberta e acolhedora”, disse Tobin. “São o oposto do que significa ser americano”. O Cardeal Blase Cupich publicou uma nota em que afirma: “O mundo está assistindo enquanto abandonamos os nossos compromissos com os valores americanos. Essas ações ajudam e confortam os que destruiriam o nosso modo de vida. Elas reduzem a nossa estima aos olhos dos muitos povos que querem conhecer a América como a defensora dos direitos humanos e da liberdade religiosa, não como um país que alveja populações religiosas e, em seguida, fecha suas portas a elas”.
É preciso dizer que a conferência emitiu um terceiro comunicado sobre as ordens executivas, especificamente sobre a proibição aos refugiados, e este foi melhor do que os dois anteriores, porém ainda faltou a força e o poder das declarações dos nossos novos cardeais. Reconhecia que os bispos “discordam frontalmente” da proibição aos refugiados advindos de vários países muçulmanos.
Esta será uma semana definidora na vida do país e também na vida da Igreja. Domingo de manhã, o Departamento de Segurança Nacional anunciou que não iria obedecer uma ordem judicial que impunha uma suspensão temporária à ordem executiva do presidente de proibir certos refugiados. No Aeroporto de Dulles, em Washington, DC., houve um confronto entre quem queria fazer valer a ordem judicial e os agentes federais que desejavam impor a ordem executiva. Nos aeroportos ao redor do país, romperam protestos espontâneos. Resta saber se outros republicanos irão condenar as ordens executivas do governo Trump. Até agora, o silêncio tem sido marcante, exceto para umas poucas almas como a do deputado republicano da Pensilvânia Charlie Dent.
Estamos vivendo um momento definidor de um modo diferente para os líderes da nossa Igreja. Os latinos já são a maioria dos católicos nos EUA com menos de 18 anos. Eles têm o direito de esperar que a instituição faça todo o possível para protegê-los. Da mesma forma como a Igreja Católica se posicionou em favor dos nascituros nos bons e maus momentos, devemos também ficar ao lado dos imigrantes indocumentados, antes que o debate torne-se normalizado em torno dos termos estabelecidos pelo presidente Trump. Suspeito que o Sr. Trump tenha um maior respeito pela força do que pela acomodação. Em todo caso, o nosso ensino nos impele a se pôr ao lado deles. O fato de os imigrantes serem o nosso povo obriga-nos a ficar junto deles. Deixemos as fichas políticas caírem onde for. Se os bispos católicos não se posicionarem nessa frente criticamente por pensar que o atual governo vai conceder-lhes um favor futuro no tocante à contracepção, eles perderão mais uma geração de católicos.
A Marcha pela Vida na sexta-feira atraiu um grande número de prelados e uma grande atenção por parte da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA – USCCB. E deveria ser assim. Uma igreja que para de defender o nascituro deixa de defender o Evangelho de Jesus Cristo. Mas, será que a nossa Igreja não deveria ser incisiva na defesa dos nossos imigrantes indocumentados e refugiados que desejam vir a esta terra? Eis um programa político para a USCCB: Defender o nascituro e os indocumentados, contra todos os chegados, em todos os tempos, de todos os modos, com vigor e determinação e, se necessário, com resistência. E se o topo da conferência episcopal só deseja focar-se no aborto, no casamento gay e na contracepção, apesar do encorajamento explícito do Papa Francisco a não só centrar-se sobre esses temas, e se eles minimizarem ou se afastarem do tema da imigração, é chegada a hora de algumas cabeças rolarem na sede nacional do organismo ou de os bispos pararem de enviar seus impostos que financiam este ambiente.
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Onde está o sentimento de indignação entre os bispos dos EUA? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU