31 Janeiro 2017
"Evidentemente que estas três matanças de presos, executadas entre eles mesmos, nos causa perplexidade e indignação sobre a precariedade que se encontra o Sistema Prisional no Brasil. Levantamento feito pela Folha de São Paulo aponta que em 2016 pelos menos 372 detentos foram assassinados dentro das cadeias do país. O número equivale a uma média de mais de um morto por dia, e os dados se referem a todas as mortes consideradas não naturais – o que inclui homicídios e suicídios", escreve Adrimauro Gemaque, analista do IBGE, em artigo publicado em EcoDebate, 30-01-2017.
Eis o artigo.
A população recebeu impactada a notícia na noite do reveillon sobre a rebelião de presos no complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, que terminou com a execução de 56 detentos. Foi uma grande repercussão em todas as mídias da imprensa, nacional e internacional. Na madrugada do dia 06 de janeiro, a matança foi em Roraima. Foram assassinados 33 presos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, localizada a 10 km do centro da capital Boa Vista. E não parou por aí. No dia 14, a rebelião foi na Penitenciária Estadual de Alcaçuz no Rio Grande do Norte pelo menos 26 detentos foram mortos. Há pelo menos onze dias, presos de duas facções disputam o poder nesta unidade prisional. O que chama a atenção é que o governo do RN não sabe o número de presos e onde ocorreram as mortes (Portal G1,
24.01.2016).
Evidentemente que estas três matanças de presos, executadas entre eles mesmos, nos causa perplexidade e indignação sobre a precariedade que se encontra o Sistema Prisional no Brasil. Levantamento feito pela Folha de São Paulo aponta que em 2016 pelos menos 372 detentos foram assassinados dentro das cadeias do país. O número equivale a uma média de mais de um morto por dia, e os dados se referem a todas as mortes consideradas não naturais – o que inclui homicídios e suicídios.
A bem da verdade não existem números oficiais disponibilizados pelo Estado Brasileiro. Portanto, a quantidade de mortes na primeira quinzena de janeiro de 2017 já representa 36% de todo o ano de 2016.
O fato é que a cada ano as penitenciárias do Brasil estão cada vez mais abarrotadas de presos. O relatório denominado de “Visão do Ministério Público Sobre o Sistema Prisional Brasileiro”, que foi elaborado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), e divulgado no último dia 13 de dezembro de 2016, aponta um déficit de 140.2 mil vagas nas penitenciárias em 2016. O Portal G1, após um levantamento feito junto aos dados mais atualizados dos governos dos 26 estados e do Distrito Federal, diz que este déficit é de 273,3 mil vagas. Como estamos vendo, os números são bem diferentes uns dos outros. Informações relativas ao Mapa Interativo do Sistema Prisional Brasileiro, publicado no jornal O GLOBO no dia 03 janeiro com os dados mais recentes, trazem números também diferentes dos aqui já demonstrados. Veja o gráfico:
Fonte: Quadro do sistema prisional brasileiro (Geopresídios/CNJ)
O que se sabe é que no Brasil vem se prendendo mais gente do que as vagas criadas nas penitenciárias. Os dados demonstram também que a população carcerária cresceu proporcionalmente mais do que a população brasileira. Entre 2015 e 2017 a superlotação aumentou de 65,8% para 69,2% nos presídios de todo o Brasil. Em 2016 foram efetivadas 52 mil prisões no país (Portal G1 06.01.16). Veja os gráficos:
Fonte: IBGE, governo dos estados e Ministério da Justiça (Portal G1)
O que estamos constatando é a ausência de uma fonte oficial de dados referente ao Sistema Prisional do país. Não existem estatísticas oficiais, apenas fontes diversas com números desencontrados. Aqui está o “X” do problema. Todos os registros administrativos elaborados sejam eles estudos ou levantamentos que são divulgados, demonstram divergências entre si. Isto nada mais é do que a falta da definição de uma metodologia. Estes registros administrativos que são produzidos por diversas instituições públicas custam caro ao contribuinte, necessitam ser mais bem utilizado e não podem ser desperdiçados.
Porém, para que isto venha a ocorrer será necessárias a definição de um planejamento com uma metodologia e estratégia definidas.
Somente desta forma é que vamos ter uma fotografia de qualidade sobre o Sistema Prisional Brasileiro. É importante conhecer não só o quantitativo, mas também o perfil das pessoas que estão nas cadeias brasileiras. Fica a dúvida: o Governo conhece a fundo esta população segregada de liberdade por violação de princípios legais? Provavelmente não. Daí se falar agora em Censo Prisional.
As estatísticas oficiais são informações produzidas e disseminadas por agências governamentais, em bases regulares, regidas pela legislação em matéria ou regulamentos administrativos, sujeitos ao cumprimento de um sistema padronizado de conceitos, definições, unidades estatísticas, classificações, nomenclaturas e códigos, definições, eventos e ocorrências em diversas áreas do conhecimento que contribuem para: retratar as condições socioeconômicas, sociais e ambientais; fornecer subsídios para o planejamento, execução e acompanhamento das políticas públicas; propiciar suporte técnico para as tomadas de decisões e, por fim, consolidar o exercício da cidadania.
Neste mesmo contexto estão as informações relacionadas à Segurança Pública restringe-se atualmente ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Ele é uma organização sem fins lucrativos que tem por missão atuar como um espaço permanente e inovador de debate, articulação e cooperação técnica para a segurança pública no Brasil. O Anuário Brasileiro da Segurança Pública é uma publicação anual produzida pelo FBSP que compila e analisa dados de registros policiais sobre a criminalidade, como também informações sobre o sistema prisional e gasto com segurança pública e que tem como fonte a base de dados dos governos estaduais, através do Sistema Nacional de Estatística de Segurança Pública e Justiça Criminal (SINESPJC).
O SINESPJC é uma ferramenta que reúne, em um sistema nacional, as estatísticas criminais produzidas pelos sistemas de dados das Unidades da Federação, cuja fonte são os boletins de ocorrências criminais registrados pelas polícias civis e militares. O sistema possui informações sobre o número de ocorrências, natureza do fato registrado, perfil da vítima, perfil do autor, meios empregados, ente outras. Porém, quando o SINESPJC é alimentado de forma inadequada está se produzindo registros administrativos com “baixa qualidade”.
Esta realidade foi constatada no Estado Amapá, no período de 2011 a 2014. As informações do Amapá foram classificadas segundo a metodologia do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de “baixa qualidade e não alimentadas no SINESPJC”. Com isso, o Amapá ficou classificado no último grupo (Grupo 3) pelo baixo nível das informações. Naquela ocasião houve um reconhecimento por parte da Secretaria de Segurança Pública que havia necessidade de capacitação das equipes dos servidores, como também investimentos em equipamentos. As publicações do anuário de 2015 e 2016 mostram que o Estado elevou a qualidade das informações e melhorou sua posição, subindo para o Grupo 2.
Voltando ao contexto nacional, o governo brasileiro necessita otimizar esforços no sentido de que haja uma produção de estatísticas oficiais sobre Segurança Pública no Brasil como um todo. A segurança pública passou a ser considerado um problema de relevância nacional, frequentemente presente nos debates tanto de especialistas como do público em geral, e principal desafio ao Estado de Direito no Brasil.
O aumento das taxas de criminalidade, aumenta a sensação de insegurança, sobretudo nos grandes centros urbanos e que agora vem atingindo também as pequenas cidades, com a degradação do espaço público e a violência policial decorre da ineficiência preventiva de nossas instituições, através do serviço de inteligência, perícias policiais e investigação criminal, adicionado à morosidade judicial. Estas são algumas causas da consequente superpopulação nos presídios e que gerou um verdadeiro caos urbano, com rebeliões, fugas, degradação das condições de internação de jovens e corrupção.
Em síntese, os problemas aqui evidenciados, que expõem uma chaga aberta no que se refere às informações do sistema prisional e da segurança pública, não podem mais ficar restrito apenas a um ou dois gabinetes de Brasília. Passou agora a ser um problema do Estado Brasileiro que deve encontrar soluções e produzir informações que retratem a realidade do que até então conhecemos muito pouco, isto porque as informações que são lançadas nas mídias nem sempre vêm de uma fonte oficial e fidedigna com utilização de metodologia transparente e aplicada corretamente.
Encerro aqui citando uma frase de Darcy Ribeiro, eminente antropólogo, escritor e político brasileiro, que em 1982 já profetizava: “Se os governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Sistema Prisional: quem conhece o tamanho do problema? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU