Nós, Daniéis Blakes

Imagem: Papo de Cinema (Divulgação)

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19 Janeiro 2017

Impossível não chorar vendo Eu, Daniel Blake, o novo filme do cineasta britânico Ken Loach. A questão é: você chora por você mesmo, chora por causa de seu humanismo incontornável ou chora porque sabe que tentar deter planos de extermínio dos mais vulneráveis é como enxugar gelo em Ipanema?

O comentário é de Jotabê Medeiros, publicado por CartaCapital, 19-01-2017.

O discurso da inexorabilidade da tecnologia vai criando uma legião incômoda de deserdados. É desse mundo que vem Daniel Blake, que trabalhou a vida toda como carpinteiro em Newcastle.

Incapaz de manusear um mouse de computador, aos 59 anos, Blake (Dave Johns) recupera-se de um ataque cardíaco e pela primeira vez na vida precisa do Estado para sobreviver.

Vai ser jogado no inferno das repartições e guias. Médicos sem coração, burocracia sem fundo, indiferença sem limites: o que Blake colherá é uma fórmula que vem sendo cuidadosamente universalizada.

Os filmes de Loach são forjados em um ritmo de naturalismo desconcertante, o que faz ranger dentes de críticos viciados em arquiteturas cênicas engenhosas. Ele apenas faz, aparentemente sem esforço, o gesto de aproximar mundos que se roçam todo dia, mas nunca se tocam, como no caso do motorista de ônibus que, apaixonado, vai parar na Nicarágua revolucionária (Uma Canção para Carla).

O filme está a serviço de uma mensagem mais do que a mensagem a serviço do cinema. Há questionamentos acerca de determinadas cenas de pobreza, consideradas “inverossímeis” nas regiões de onde elas provêm. Mas o recado de Blake é universal: não somos apenas clientes, consumidores ou usuários de serviços. Somos gente com diferenças.

É preciso que o Estado, como representante do povo, saiba tratar diferenças.  Blake é frágil diante das engrenagens do sistema, mas conhece alguém ainda mais frágil: uma mãe. Há sempre uma hierarquia mais baixa no desabrigo. Ele recebe em casa Katie (Hayley Squires), que conhece no momento em que ela é enxotada de uma entrevista de emprego com os filhos, Daisy e Dylan.

O filme pode ser lido de duas maneiras. Para uma Inglaterra pós-Brexit, tem algum ingrediente de confusão, até algum toque de xenofobia. Para o Brasil da PEC 241, é uma sirena para nós, Daniéis Blakes.

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