17 Dezembro 2016
“Tinha condições de fazer várias coisas ao mesmo tempo e fazê-las bem. Mais de uma vez contou que em certa ocasião precisou escrever uma carta a um amigo bispo enquanto colocava roupa na máquina de lavar antes de concentrar todo seu pensamento na direção espiritual”.
O padre jesuíta Juan Carlos Scannone, talvez o teólogo argentino mais conhecido no exterior, foi um dos professores de Francisco. Em 1957 ensinava grego e literatura no seminário de Villa Devoto, onde Bergoglio deu seus primeiros passos para o sacerdócio. O maior expoente em vida da “teologia do povo”, Scannone relembra a sua amizade com o Papa por ocasião do aniversário de 80 anos deste, dia 17.
A entrevista é de Paolo Rodari, publicada por La Repubblica, 16-12-2016. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quando se conheceram?
Conheci Bergoglio quando era seminarista diocesano e eu – entre os meus estudos de filosofia e teologia – ensinei-lhe grego clássico e literatura no seminário menor da arquidiocese de Buenos Aires. Mas, os anos mais importantes foram aqueles em que vivemos juntos na mesma comunidade como padres jesuítas. Foi meu reitor e provincial. Tinha o hábito de ler e defender meus textos sempre que alguém lhe pedia opinião. Colaborei com ele na organização do primeiro Congresso internacional teológico que aconteceu na América Latina sobre a evangelização da cultura e inculturação do Evangelho. Essas duas problemáticas sempre o cativaram”.
Em seu livro “O Papa do povo” publicado pela Lev, lembrou do episódio em que teve que percorrer quatrocentos quilômetros para visitar um padre doente...
Falou-se muito, principalmente entre os padres mais jovens, deste episódio. Quando era bispo auxiliar de Buenos Aires, falaram-lhe que um padre do vicariato episcopal estava doente e internado sozinho num hospital de Mar del Plata. Então ele viajou, para ficar ao seu lado, antes que fosse removido para Buenos Aires.
Como era visto pelos jesuítas na Argentina?
Como toda pessoa de personalidade forte, suscitou grande admiração de alguns, mas também certa rejeição de outros. Isso aconteceu também quando era superior. Ele mesmo reconheceu que eventualmente foi um tanto autoritário. Não só foi um grande mérito tê-lo reconhecido, mas penso que isso o tenha ajudado a crescer na virtude e na competência para governar.
Protegia as pessoas ameaçadas pelo regime? Como fazia?
Teve que recorrer a vários meios para salvá-las. Sei que em várias ocasiões serviu de intermediário entre as autoridades militares e os capelães, e no caso dos padres jesuítas Yorio e Jalics, que tinham “desaparecido”, se envolveu para saber quem os detinha e onde e, depois, para sua soltura. Isso me foi contado diretamente por ele, dada minha amizade e colaboração intelectual com Yorio. Após ter sido eleito Papa, os padres testemunharam que o seu bispo, Enrique Angelelli, os havia enviado para ficar entre os jesuítas quando Bergoglio era superior, para protegê-los. E ainda, havia pessoas que, sendo descendentes de italianos ou de outra nacionalidade onde está em vigor o ius sanguinis, eram salvas por meio de seus consulados. Os casos de pessoas inocentes que poderiam ser justiçadas por terem visto o rosto dos torturadores.
Francisco está procurando reformar a Igreja. O senhor acredita que ele chegará até onde?
Muitas vezes ele afirma que é melhor dar início aos processos, mais que ocupar espaços de poder. Acredito que esteja iniciando uma série de processos de reforma que não pode controlar, mas que encoraja, com a fé e a esperança que estão em Deus. Já conseguiu avanços que são historicamente irreversíveis.
É verdade que Begoglio foi um líder desde sua juventude?
Acredito que ele seja um líder nato, no sentido de uma liderança evangélica, pois possui a autoridade de quem vive aquilo que prega, o espírito e critérios de discernimento para governar e guiar, a coragem, a parresia e, ao mesmo tempo, a prudência no agir, a percepção política – que usa como pastor – de transmitir a alegria do Evangelho.
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“Eu, que ensinei ao Papa literatura e grego clássico, vi crescer um líder” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU