17 Novembro 2016
A vitória de Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos, na terça-feira (8), prepara o terreno para uma série de políticas radicais que reverberarão por todo o planeta.
Ao assumir, Trump pode reverter algumas das principais realizações do presidente Barack Obama, entre as quais sua política quanto à mudança do clima e o acordo nuclear com o Irã. Uma presidência de Trump também provavelmente traria uma mudança de política externa e uma forte mudança no comércio internacional.
A reportagem é publicada por Financial Times, 11-11-2016. A tradução é de Paulo Migliacci.
Os analistas acautelam que existe uma forte diferença entre promessas de campanhas e políticas oficiais — renegociações de acordos comerciais às vezes se provam menos substantivas do que o prometido.
Mas há quatro áreas que podem ser afetadas quando Trump entrar na Casa Branca.
A política de comércio internacional dos Estados Unidos — e o papel do país em promover maior integração mundial — está a ponto de sofrer sua maior mudança de curso desde os anos 1980, com uma nova era de confronto se aproximando nas relações entre os Estados Unidos e parceiros comerciais como a China.
No espaço de algumas horas, a vitória de Trump na eleição derrubou os planos do governo Obama para obter, no Congresso, a ratificação da Parceria Transpacífico (TPP), um acordo comercial que Washington passou dez anos negociando com o Japão e dez outras economias da região do Pacífico.
A TPP, que abarca cerca de 40% da economia mundial e servia de espinha dorsal para a virada estratégica rumo à Ásia promovida por Obama, agora ameaçada, foi alvo de oposição de Trump e de sua oponente Hillary Clinbton durante toda a campanha presidencial.
Mas Obama, em companhia de poderosos lobbies agrícolas e de negócios e de aliados norte-americanos na região do Pacífico, vinha se preparando há meses para trabalhar com líderes republicanos como Paul Ryan, o presidente da Câmara dos Deputados, para aprovar a TPP no Congresso, antecipando que a oposição a ela se reduziria depois de uma derrota de Trump.
Esse plano foi para o lixo na quarta-feira (9), após a confirmação da vitória de Trump, e representantes do governo e analistas declararam que aquela que seria uma das prioridades legislativas finais do presidente foi destruída pela eleição de Trump.
Abandonar a TPP prejudicaria a influência dos Estados Unidos na região Ásia-Pacífico, onde aliados como Cingapura vêm alertando há meses sobre os custos potenciais do abandono pelos norte-americanos de um acordo que começou a ser discutido ainda na presidência de George W. Bush.
E pode haver custos. O conselho de assessores econômicos da Casa Branca advertiu este mês que setores que empregam cerca de cinco milhões de trabalhadores sofreriam caso a TPP fracasse e a China conquiste sucesso em finalizar um pacto comercial rival que ela está negociando na região.
"Se Trump retirar o apoio dos Estados Unidos [à TPP], haverá um grande desvio de comércio internacional [em direção da China]", disse Adam Posen, presidente do Instituto Peterson de Economia Internacional, uma instituição favorável ao livre comércio.
Trump também prometeu adotar postura muito mais agressiva quanto ao comércio com a China, que muitos analistas temem possa conduzir a uma guerra comercial com Pequim e causar impacto negativo na economia norte-americana. Em estudo publicado meses atrás, os economistas do Instituto Peterson constataram que se Trump cumprisse suas promessas de campanha de impor tarifas punitivas a bens fabricados na China e México, e de adotar outras medidas protecionistas, a economia dos Estados Unidos entraria em recessão.
A vitória de Trump também é um mau presságio para a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), que vem sendo negociada há três anos com a União Europeia, ainda que Trump jamais tenha falado sobre ela na campanha e que seus assessores de comércio internacional digam que ele ainda não tem posição sobre o valor do acordo.
A vitória republicana também despertou questões sobre o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), vigente há duas décadas com o Canadá e México para regulamentar as regras das imensas cadeias de suprimento da região, e que Trump prometeu rasgar e renegociar.
Donald Trump declarou que o histórico acordo entre Barack Obama e o Irã, que busca impedir a república islâmica de obter armas nucleares, seria desmantelado ou ao menos reestruturado.
Durante o terceiro debate da campanha presidencial, Trump descreveu o acordo como "o mais estúpido de todos os tempos". "Um acordo que claramente dará armas nucleares ao Irã. O Irã deveria nos escrever uma carta de agradecimento", ele declarou.
O Irã chegou a acordo com seis potências internacionais em 2015, depois de dois anos de minuciosas negociações. Nos termos do acordo, que foi incorporado às leis internacionais pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, Teerã se comprometeu a reduzir suas atividades nucleares e o Ocidente suspendeu muitas das sanções contra o país.
A despeito de suas críticas ao acordo, Trump e seus assessores também ofereceram respostas ambíguas quanto a realmente buscarem derrubá-lo.
Hassan Rowhani, o presidente centrista do Irã, respondeu à vitória de Trump declarando que "hoje os Estados Unidos já não podem fomentar a fobia ao Irã para criar um consenso mundial anti-iraniano".
Rowhani apostou no acordo que pôs fim ao isolamento internacional de seu país, atraindo investimento estrangeiro muito necessário e revitalizando sua economia combalida. Ele está desesperado por demonstrar os benefícios do acordo nuclear aos iranianos, enquanto busca um segundo mandato na eleição do ano que vem, diante de feroz resistência de opositores linha-dura.
Para Obama, o acordo com o Irã se enquadrava à visão que ele delineou ao assumir — um mundo livre das armas nucleares. Mas Trump declarou que estava aberto a que o Japão e a Coreia do Sul desenvolvessem arsenais nucleares a fim de conter a agressão da Coreia do Norte e reduzir os encargos dos Estados Unidos quanto à defesa dos dois países.
"Haverá um ponto no qual simplesmente não teremos como continuar cuidando dessa questão. Isso quer dizer armas nucleares? Poderia querer dizer armas nucleares", ele disse ao "New York Times" em março. "Se o Japão tivesse uma ameaça nuclear ao seu dispor, não estou certo de que isso seria uma má situação para nós".
Trump disse que a proliferação nuclear era "o maior problema" do planeta, mas acrescentou que "ao mesmo tempo, você sabe, somos um país que não tem dinheiro".
Muitos especialistas temem que se o Japão e a Coreia do Sul adquirirem armas nucleares, isso pode deflagrar uma corrida armamentista nuclear no leste da Ásia. Há preocupações semelhantes no sentido de que, se o Irã acelerar suas atividades nucleares, os rivais regionais do país busquem desenvolver capacidade nuclear própria.
Ao longo de sua campanha eleitoral, Donald Trump repetidamente criticou a aliança militar do ocidente. A Otan (Organização para o Tratado do Atlântico Norte) está "obsoleta", ele disse em abril. Os membros europeus da aliança são "aproveitadores", ele disse aos eleitores dos Estados Unidos; ela defende países de que seus partidários "nunca ouviram falar", ele acrescentou. Os aliados que se recusam a bancar seus custos, argumentou Trump, não deveriam receber proteção sob o princípio de "um por todos e todos por um" da Otan, mas em lugar disso operar sob uma forma modificada do artigo 5 do Tratado da Otan — a cláusula de defesa coletiva da aliança.
Não é surpresa, portanto, que os dirigentes da Otan tenham reagido com alarme à eleição dele. Jens Stoltenberg, secretário geral da Otan, cumprimentou Trump pela vitória mas fez um apelo pela unidade. "Uma Otan forte é importante para a Europa mas também é importante para os Estados Unidos. Temos de recordar que a única vez que invocamos o Artigo 5 foi na ocasião do ataque aos Estados Unidos, depois do 11 de setembro".
Ele também fez um lembrete franco aos Estados Unidos quanto às suas obrigações: "A liderança norte-americana é tão importante quanto sempre foi", disse Stoltenberg. "A garantia de segurança da Otan é um compromisso formal e todos os aliados assumiram o compromisso solene de defenderem uns aos outros — isso é algo absoluto e incondicional".
Algumas pessoas na Otan atribuem as críticas de Trump à aliança a uma simples postura de campanha. A principal queixa do presidente eleito — a falta de gastos com Defesa — é há muito causa de tensão entre Washington e a Europa. Os gastos dos Estados Unidos com a Defesa, equivalentes a 3,6% de seu PIB (Produto Interno Bruto), são consideravelmente mais altos que a meta de 2% adotada pela Otan. Este ano, apenas Reino Unido, Estônia, Grécia e Polônia cumprirão essa meta, entre os demais 27 membros da organização. Pela primeira vez desde a crise financeira de 2008, os gastos da Europa com a defesa crescerão neste ano — em 3%.
Há mais em jogo do que simples compromissos orçamentários. "Este é o primeiro presidente desde o final da Segunda Guerra Mundial a contestar os fundamentos da aliança com a Europa", disse Jonathan Eyal, diretor internacional do RUSI, um instituto de pesquisa britânico."Presidentes já criticaram a aliança, mas jamais mencionaram a possibilidade de abandoná-la".
Em janeiro, o Exército dos Estados Unidos começará a deslocar seis mil soldados para o leste da Europa, e realizará a maior transferência de munição e armas pesadas ao continente dos últimos 20 anos. O general Ben Hodges, comandante do Exército norte-americano na Europa, disse em visita recente à Ucrânia que os Estados Unidos precisavam de segurança na Europa não importa quem seja o presidente e não importa quem controle o Congresso.
O impacto dessas forças dependerá quase inteiramente da linguagem que Trump empregar para definir seu propósito, e da forma de uso que ele estaria preparado a autorizar para elas. Aos olhos das autoridades da Estônia, Letônia e Lituânia — cujas preocupação com os esforços russos para desestabilizar sua segurança vêm crescendo desde a invasão de Moscou à Ucrânia em 2014 —, a ambivalência de Trump quanto à Rússia e sua aparente disposição de adotar uma abordagem mais transacional quanto à diplomacia com o Kremlin continuam a ser preocupantes.
A Rússia será "encorajada" pela vitória de Trump, disse um funcionário de alto posto no setor de defesa estoniano. Muita gente na hierarquia da Otan concorda. "A vantagem da Rússia vem sendo sua capacidade de explorar vantagens graduais onde quer que isso seja possível", disse um importante general britânico. "A eleição [de Trump] é uma grande vantagem [para eles]".
A vitória de Donald Trump trouxe desânimo às negociações da ONU sobre o clima na cidade marroquina de Marrakech na quarta-feira, e os delegados tiveram de absorver a perspectiva de um presidente norte-americano que definiu o aquecimento global como "trapaça" criada na China a fim de enfraquecer o setor industrial dos Estados Unidos.
"A eleição de Trump é um desastre", disse May Boeve, diretora executiva da 350.org, uma organização ativista, ecoando a decepção de muitos ambientalistas em todo o planeta.
Trump prometeu "cancelar" o acordo de Paris sobre a mudança do clima, que foi aprovado por quase todos os países do planeta no ano passado e entrou em vigor em prazo recorde na semana passada, com países correndo para ratificá-lo antes da eleição nos Estados Unidos.
Ele também prometeu, em seus primeiros cem dias de governo, desmantelar a regulamentação adotada por Barack Obama para reduzir as emissões de usinas de energia acionadas a carvão nos Estados Unidos, e usar verbas norte-americanas destinadas a programas de combate ao aquecimento global pela ONU para resolver problemas ambientais dentro do país.
Trump não tem poder para abolir o acordo de Paris por decisão pessoal, e, agora que ele entrou em vigor, tirar os Estados Unidos do pacto poderia demorar até quatro anos. Alguns advogados acreditam que Trump possa adotar a medida mais radical de tentar retirar o país do tratado básico sobre qual o novo acordo é baseado, a Convenção Básica da ONU sobre a Mudança do Clima, assinada em 1992.
Mas mesmo que não o faça, a eleição de Trump desperta questões sobre o futuro de um acordo quanto ao clima baseado em um balanço cuidadoso de compromissos entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.
O acordo requer que os países preparem planos de combate à mudança no clima e os atualizem regularmente.
Em retorno, os países ricos concordaram em destinar bilhões de dólares a nações mais pobres a fim de ajudá-las a combater emissões e a enfrentar o impacto do aquecimento global.
Mas a reunião de Marrakech, a primeira desde a assinatura do acordo de Paris, deve iniciar o trabalho quanto a diversas regras ainda contenciosas sobre a atualização dos compromissos nacionais, e se a maior economia do planeta agora se recusar a cumprir sua parte do acordo, isso pode causar dificuldades nesse importante trabalho de implementação.
"Isso evidentemente preocupa", disse Laurence Tubiana, enviada francesa às negociações da ONU que resultaram no acordo de Paris, em dezembro do ano passado. Tubiana disse que a transição rumo a uma economia de baixas emissões de carbono já estava em curso, e que muita gente nos Estados Unidos desejava que esse avanço continuasse, "até mesmo a General Motors" e outras grandes empresas.
Ainda assim, ela disse esperar que os líderes da China, Índia e outros grandes países em desenvolvimento reafirmem em breve seu apoio ao acordo de Paris. Ativistas chineses dizem acreditar que Pequim vai continuar promovendo medidas que reduzam a dependência do país quanto aos combustíveis fósseis, não importa o que aconteça com o acordo de Paris, porque querem combater a poluição do ar e outros problemas ambientais.
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Veja 4 formas como Donald Trump pode mudar o mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU