29 Outubro 2016
“Uma coisa que a Igreja precisa entender é que devemos respeitar as pessoas gays e lésbicas”. Em pleno debate sobre o casamento homossexual no México, o reitor da Universidade Ibero-Americana, David Fernández SJ, defende que a ferrenha oposição a semelhante relação por parte da hierarquia católica do país não é “cristã”.
A reportagem é de Cameron Doody e publicada por Religión Digital, 27-10-2016. A tradução é de André Langer.
O Conselho Nacional para a Prevenção da Discriminação (Conapred) acaba de lhe conceder o Reconhecimento Nacional pela Igualdade e a Não Discriminação 2016, como reconhecimento da sua defesa dos direitos de todos e do seu compromisso para apagar qualquer rastro de discriminação das instituições e da sociedade em geral. E não é difícil ver em que medida merece o prêmio.
Escrevendo, em agosto passado, um artigo para o jornal Reforma, Fernández toma o exemplo do Papa Francisco e propõe que o que falta no debate nacional sobre o casamento homossexual é que se dê “menos importância às normas e mais à misericórdia”. E, se porventura houver alguma dúvida sobre no que consiste tal postura, Fernández deixa bem claro: “Mais misericórdia quer dizer um tratamento respeitoso, afetuoso, carinhoso, com todas as pessoas, inclusive aquelas cuja sexualidade é diversa da maioria”.
Na oposição do catolicismo oficial ao casamento homossexual, explica Fernández, há um grave paradoxo: o de que a Igreja obriga pessoas com atração por outras do mesmo sexo à castidade, ao mesmo tempo que prega que o celibato é um dom de Deus. Se a abstinência é um dom, afirma, não pode ser obrigatória: a uns é dada e a outros não. “Todas as lésbicas e pessoas transgênero ou homossexuais têm o dom da castidade?”, pergunta-se Fernández, antes de assumir que “provavelmente uma das duas posturas que a Igreja defende deve esta equivocada”.
Na opinião do jesuíta, é impossível imaginar que o nosso “bom Deus Pai” – cheio de bondade e benevolência – obrigue os homossexuais a não ter um cônjuge com quem possam expressar seu amor. E conclui, além disso, dizendo que a Igreja tem que estar aberta para o que diz a ciência sobre esse tema.
A conclusão a que Fernández chega é que tanto as pesquisas científicas como sua experiência pastoral mostram que, embora a orientação homossexual seja minoritária, não quer dizer que seja algo anormal. Afirma que a maior parte dos homossexuais com quem tratou “são excelentes seres humanos, sensíveis, afetuosos, comprometidos, devotos do serviço e da compaixão”. Até se arrisca a dizer, na sua idade, que “Deus não apenas ama” os gays, lésbicas e pessoas transgênero, “senão que simpatiza com eles”.
Se o celibato é, para muitos padres e religiosos, algo que “dá muito trabalho”, pior deve ser para os homossexuais obrigados a viver com essa disciplina, conclui o reitor da Ibero. Discriminá-los não pode ser a resposta, dado que isso não é algo “autenticamente humano” nem “digno de um Deus fiel (e) cheio de misericórdia”. O que importa é que a acolhida que Deus nos dá é incondicional para todos. “O Deus de Jesus Cristo é, em primeiro lugar, misericórdia, amor, perdão, proximidade, compreensão, ternura. E não faz acepção de pessoas, não tem preferência entre seus filhos e filhas”.
Na sequência, o texto completo do artigo.
Uma das frases mais citadas do Papa Francisco é aquela que externou quando, na volta do Rio de Janeiro, os jornalistas lhe perguntaram sobre as pessoas homossexuais. “Quem sou eu para julgar?”, disse. Com essa expressão, colocava em prática o que disse em Roma no começo do seu pontificado: “devemos dar menos importância às normas e mais à misericórdia”.
De fato, em um documento de trabalho divulgado no mês de junho de 2014, o Papa jesuíta assinalava, em alusão às pessoas homossexuais, que “os católicos do mundo inteiro devem ser menos excludentes e mais humildes”. Mais recentemente, também afirmou que a Igreja deveria pedir perdão aos e às homossexuais. No documento preparatório do Sínodo dos Bispos de outubro de 2014 o Papa afirmou que, embora os hierarcas continuem a se opor às uniões entre pessoas do mesmo sexo, “a Igreja católica deve ter uma atitude respeitosa”. E um tom semelhante, comedido, teve o documento oficial publicado nessa ocasião.
Mais misericórdia quer dizer um tratamento respeitoso, afetuoso, carinhoso, com todas as pessoas, inclusive aquelas cuja sexualidade é diversa da maioria. Uma coisa que a Igreja a que pertenço precisa entender é que, enquanto quisermos continuar a ser cristãos seguidores de Jesus, devemos respeitar as pessoas gays e lésbicas.
Infelizmente, não é exatamente isso que estamos vendo nestes dias de debate sobre a iniciativa do Executivo sobre o casamento igualitário.
Muitos sacerdotes e dignitários eclesiásticos, seguindo a postura oficial da Igreja, afirmam que ser homossexual não é pecado; mas, ao mesmo tempo, preconizam que os homossexuais não devem praticar sua homossexualidade, e os exortam a abster-se. Isto, para mim, é muito difícil de entender.
Essa mesma Igreja que chama à abstinência postula que o celibato e a castidade são dons de Deus. Ou seja, que a adesão a eles não pode ser forçado: a uns Deus os dá a outros não. Todas as lésbicas e pessoas trangênero ou homossexuais têm o dom da castidade? Provavelmente, uma das duas posturas que a Igreja defende deve estar equivocada. É possível obrigar a algo que é um dom?
Muitas vezes, na presença de Deus, me fiz esta e outras perguntas e admito que me sinto confuso. Poderá o Deus revelado por Jesus, o Deus da misericórdia, da ternura, da libertação, da solidariedade, o nosso bom Deus Pai, exigir obrigatoriamente a um jovem que nasceu homossexual ou lésbica que guarde um celibato imposto até o dia da sua morte?
E depois me pergunto novamente. Poderia esse Deus que é Pai e Mãe bons, esse Deus bondoso e benevolente, exigir a um jovem ou uma jovem que nasceu diferente, que nunca, em toda a sua vida, tenha um parceiro ou parceira e manifeste a ele ou ela seu amor?
Há muitas hipóteses e teorias sobre a origem destas sexualidades minoritárias. A discussão continua e me confesso aberto ao que a ciência diz. Mas, o que posso afirmar com toda certeza é que, na minha experiência pastoral e educativa, a grande maioria das pessoas que se consideram homossexuais o descobriram ainda pequenas, e se assumem assim desde o seu nascimento. Sua sexualidade não é majoritária, certamente, mas também não é anormal: exatamente igual aos canhotos.
Em todas as culturas, mesmo as mais homofóbicas, naquelas em que a homossexualidade é penalizada com a morte, sempre há uma porcentagem constante de pessoas com estas orientações, que oscila entre 6% e 10%. De maneira que o que realmente importa para nós cristãos é que acreditemos que todos e todas foram criados por Deus. Assim como são. E depois de tratar com muitos durante muito tempo posso afirmar que boa parte deles são excelentes seres humanos, sensíveis, afetuosos, comprometidos, devotos ao serviço e à compaixão. Atrevo-me a dizer que Deus não apenas os ama, senão que simpatiza com eles.
Pode a Igreja privar estas pessoas do direito ao exercício genital de sua sexualidade?
Quando a Carta aos Romanos fala em condenar “mudar o uso natural por outro contra a natureza”, o autor não tinha nem ideia das realidades que nós conhecemos hoje de maneira mais científica sobre a sexualidade, e pensavam que só eram costumes de pagãos e idólatras.
No atual debate, uma pergunta central é se a união de pessoas do mesmo sexo é casamento ou outra coisa. Não sei. Mas me pergunto novamente: discriminá-los é autenticamente humano, digno de um Deus fiel ao que criou e cheio de misericórdia? Sinto-me confuso.
Se para nós, sacerdotes católicos que abraçamos livremente o celibato, dá muito trabalho ser fiéis até a morte, como será para as pessoas homossexuais, lésbicas, transgênero ou transexuais, carregar esse fardo imposto contra a sua vontade pelos anos sem fim que precisam viver depois de confessarem a si mesmos e a si mesmas sua condição?
O Deus de Jesus Cristo é, sobretudo, misericórdia, amor, perdão, proximidade, compreensão, ternura. E não faz acepção de pessoas, não tem preferência entre seus filhos e filhas.
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“Deus não apenas ama os homossexuais, senão que simpatiza com eles”, afirma jesuíta, reitor de universidade mexicana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU