30 Junho 2016
O cardeal alemão Reinhard Marx quer que a Igreja vá além do pedido de desculpas aos homossexuais - como afirmou uma declaração do Papa Francisco em 26 de junho. Ele disse que a sociedade deveria criar estruturas para respeitar os seus direitos, como por exemplo a união civil, e que a Igreja não deveria "ser contra essas estruturas".
A reportagem é de Sarah Mac Donald, publicada por National Catholic Reporter, 28-06-2016. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Ele também disse ao NCR que as reformas que o Papa Francisco quer promover no Vaticano dependem claramente de "uma nova relação entre leigos e clérigos" e sugeriu que esta mudança já esteja acontecendo.
Marx falou a jornalistas em Dublin, onde ele fez um discurso na conferência "The Role of the Church in a Pluralist Society: Good Riddance or Good Influence?" (em português, 'O papel da Igreja em uma sociedade plural: livrar-se dela ou influenciá-la?') , organizada pelo Instituto Loyola no Trinity College.
Marx, que é presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha e membro do Conselho dos Nove Cardeais, um conselho consultivo do Papa, convidou não apenas a Igreja a se desculpar aos gays e lésbicas, mas sim a sociedade como um todo, que, segundo ele, estava implicada neste "terrível escândalo".
"A história de homossexuais em nossa sociedade é uma história muito ruim, porque nós fizemos muito para marginalizá-los. Isso aconteceu há pouco tempo, e temos de pedir desculpas como Igreja e como sociedade".
O cardeal de 62 anos, arcebispo de Munique e de Freising, reiterou seu ponto de vista, expresso no primeiro Sínodo dos Bispos sobre a Família em 2014, de que "não se pode dizer que um longo relacionamento entre dois homens fiéis não vale nada. Isso não tem sentido".
Ele admitiu que suas opiniões chocaram alguns participantes do sínodo.
Referindo-se à aprovação de uma lei na Alemanha reconhecendo a união civil, ele pediu que a Igreja "não se posicione de maneira contrária".
Ele disse que o Estado teve de fazer ajustes para que os direitos dos homossexuais fossem igualmente reconhecidos, mas ele também sugeriu que o casamento é diferente. Até agora, não houve nenhum movimento na Alemanha para permitir o casamento de parceiros homossexuais.
"Até agora temos essa diferença - alguns são contra isso, outros são a favor. Houve uma discussão aberta. Nós [a Igreja] temos a nossa clara posição moral [sobre o casamento], mas o Estado laico tem de regular estas uniões [do mesmo sexo] e coloca-las em uma posição justa, e nós, como Igreja, não podemos ser contrários a isso" acrescentou.
Marx destacou que ao longo da história humana, o casamento sempre foi entendido como "uma relação entre um homem e uma mulher que estão abertos a dar a vida". Ele acrescentou: "E essa é uma relação especial, eu acredito".
Em seu discurso de abertura, "A Igreja e o desafio da liberdade", Marx, que é presidente da Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia, disse acreditar que a Igreja pode ser protagonista no desenvolvimento de sociedades plurais.
Ele disse que amigos no Oriente Médio comentam sobre a necessidade de um Estado laico para a sociedade democrática. "O Estado deve ser laico - e não cristão, mas a sociedade não é laica - a sociedade é cristã, religiosa, não-religiosa ou multirreligiosa".
Perguntado sobre que conselhos daria a respeito do futuro da Igreja da Irlanda, Marx disse que o caminho é "não olhar para trás".
"Eu acho que a Igreja Irlandesa - assim como a Igreja alemã e a Igreja Católica Europeia - tem de olhar para o futuro e não para o passado. A maioria ainda não aprendeu isso, e está olhando para trás, pensando que a grande história da Igreja ficou no passado. É impossível se entusiasmar com essa visão".
Ele advertiu contra a tentativa de "defender cada detalhe na última batalha", já que pode ser "uma batalha perdida ou uma falsa batalha".
A imagem da Igreja como um castelo fortificado, ou "cittadella," lutando contra inimigos que querem destruí-la é uma perspectiva de alguns dos fiéis.
Outra imagem é pensar sobre o "futuro do mundo e sobre o futuro dos outros e estar em comunidades como um sinal de esperança, não de desconfiança".
Esta segunda visão alinha-se com a do Concílio Vaticano II (1962-1965), que diz: "Nós somos a comunidade do povo de Deus, onde as pessoas se reúnem. Somos solícitos a você e estamos mostrando-lhe uma vida melhor, mais ampla, mais espiritual e provendo mais incentivo".
Marx sugeriu que alguns da geração mais jovem adotam essa perspectiva, mas muitas pessoas mais velhas ainda estavam "no espírito de olhar para o passado".
Reformas do Vaticano
Marx riu quando a NCR perguntou se as mudanças que o Papa Francisco estava fazendo no Vaticano faziam parte de um processo sério de reforma ou ele estava apenas trocando algumas coisas de lugar.
"É um longo caminho", disse ele. As mudanças do Papa Francisco são um processo permanente, porque "promover uma reforma não é tão fácil" como se pode pensar a respeito da próxima reforma.
Ele expressou preocupação com aqueles que olham para trás com vistas à restauração. "Restauração significa fazer uma cópia - um museu", alertou. "Eu disse a Bento XVI quando ele era Papa que havia uma diferença entre renascimento e restauração."
A respeito da reforma das instituições e da organização da Igreja, Marx destacou que "deve haver uma nova relação entre leigos e clérigos; isso é evidente e já está acontecendo. Eu sempre digo no Vaticano que também deve haver um processo de desclericalização da Cúria e do trabalho conjunto de pessoas competentes. Os recursos humanos não devem se voltar apenas para clérigos".
Com outra risada, ele acrescentou: "Eu não sou contra os clérigos! Há leigos difíceis e padres difíceis - essa não é a questão".
Ao invés disso, ele imagina mulheres e homens trabalhando juntos no futuro e mesmo que esta não seja a resposta para todas as situações, deve ser a norma. "Dá a impressão de que somos uma organização moderna."
"Primeiramente, temos de profissionalizar a organização", disse ele. Então, poderemos ter discussões teológicas sobre o sacerdócio e a Eucaristia, acrescentou.
Transparência financeira
Ele também destacou que a transparência nas questões financeiras é essencial.
Marx, que é coordenador do Secretariado do Vaticano para a Economia, o dicastério com autoridade sobre todas as atividades econômicas do Vaticano, citou sua própria diocese como exemplo.
Na semana passada, a diocese de Munique publicou uma declaração financeira totalizando 6 bilhões de euros em bens, cerca de 6,6 bilhões de dólares.
Ele admitiu que algumas pessoas podem ter ficado chocadas com o número, mas para a maioria o que era importante era a disposição da diocese de ser transparente e tornar públicas essas informações.
"É melhor ser aberto, transparente e trazer especialistas leigos para fazer suas análises - o mesmo vale para o abuso sexual".
Há quem não queira essa transparência ou não queira misturar especialistas leigos, acreditando que "apenas clérigos podem proteger a Igreja", mas "isso não é verdade", ressaltou.
Quanto à reforma de questões de teologia moral, Marx disse que a maioria dos conservadores quer que o Papa afirme claramente o que é proibido e faça uma lista do que não é permitido, sem discussão. Por outro lado, os progressistas querem o oposto - uma lista do que agora é permitido.
"Esse não é o caminho", disse ele. "A maneira do Papa é outra. O mundo é muito complexo e há situações pastorais difíceis. As pessoas veem como a Igreja observa a minha vida, entende e vê que meu casamento está em uma situação difícil ... mas não é apenas uma questão de sim ou não, oito ou oitenta".
Ele acrescentou: "Isso é o que eu vejo como reforma".
Responsabilização dos bispos
Marx também respondeu a perguntas sobre o motu proprio do Papa Francisco, Venha amorevole madre una ( "Como uma mãe amorosa"), que prevê a remoção de bispos que "causaram graves danos a outrem, por negligência, ações ou omissões, em relação a pessoas físicas ou à própria comunidade". Isto inclui os casos de abuso de menores ou de adultos vulneráveis.
A nova lei, tornada pública em junho, entra em vigor em setembro.
Ao designar uma autoridade para avaliar casos de responsabilização dos bispos em quatro escritórios da Cúria, o motu proprio aparentemente substitui o tribunal que julgaria os bispos, uma proposta do Papa no ano passado.
Quando perguntado pelo NCR se o arquivamento do tribunal de responsabilização dos bispos havia sido uma derrota para o Papa Francisco, Marx sugeriu que o próprio Papa tivesse mudado de idéia.
"Ficou claro que não era tão fácil julgar os bispos, somente o Papa pode fazê-lo. Então, havia uma lacuna nas leis. Agora o processo está mais formalizado. Agora sabem que é possível ir a Roma quando o bispo estiver fazendo algo que não é aceitável. Isto não se refere apenas ao abuso sexual, mas também outras falhas dos bispos. Vamos ver como vai funcionar".
Se o Papa cedeu à pressão da Cúria para anular o tribunal, Marx respondeu: "Não, eu penso que não. Tenho a impressão de que ele ouviu os críticos, mas ele mesmo decidiu. Eu acho que ele muda de ideia às vezes. Ele não é um homem que tem medo, essa é a minha impressão".
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Cardeal Marx: A sociedade deve criar estruturas para respeitar os direitos dos homossexuais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU