18 Outubro 2016
Neste livro as emoções são narradas com simplicidade: "Era o momento da comunhão. O arcebispo tomou um pedaço de pão branco tibetano e o colocou na boca do Dalai Lama". Aconteceu, de fato, que numa manhã o Dalai Lama convidasse o arcebispo Desmond Tutu à sua meditação privada e aconteceu que o arcebispo retribuiu, dando a comunhão ao hóspede.
O comentário é de Luigi Accattoli, publicado por Corriere della Sera, 13-10-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
Os dois se encontraram em abril de 2015, em Dharamsala, na Índia, para os 80 anos de monge (o arcebispo tem quatro anos a mais), e passaram uma semana falando sobre a alegria, “que é mais do que a felicidade" e que "vem de dentro". O título "The Book of Joy" (O Livro da Alegria”) deve ser entendido como "manual" da alegria. A segunda parte propõe práticas para ganhá-la, fortalecê-la, comunicá-la. Porque a felicidade é "contagiosa", dizem eles, como o amor.
O tratado combina budismo e cristianismo, e o “combinador” - o editor do volume Douglas Abrams - é judeu. A abordagem é, antes de tudo, linguística, e já iminente na abertura do volume, "Que este livro seja uma bênção para todos os seres sencientes, para todos os filhos de Deus, para todos vós. Tenzin Gyatso, Sua Santidade o Dalai Lama / Desmond Tutu, arcebispo emérito da África do Sul".
O pensamento do leitor vai para Gandhi que assim respondia a quem lhe perguntasse se era Hindu: "Sim. Mas também sou cristão, muçulmano, budista e judeu”. Talvez o Dalai Lama aproxime o budismo ao cristianismo, como Gandhi fez com o hinduísmo.
Como Gandhi, o Dalai Lama também admira os Evangelhos: "Quando olho para esta estátua de Jesus Cristo, realmente fico tocado. Penso que este mestre foi uma fonte de grande inspiração para milhões de pessoas". Da discussão com o Arcebispo diz: "Um budista e um cristão, dois irmãos. Frequentemente encontro representantes de outras tradições religiosas. Às vezes é preciso uma calamidade para unir os seguidores de todas as religiões e fazê-los compreender que somos todos irmãos e irmãs".
O Budismo não é um teísmo, repete o Dalai Lama, nestas páginas, e o Arcebispo, de brincadeira avisa: "Você é bom, uma pena que seja cristão: terá que ir para o inferno".
Na conferência sobre a lenda de Buda, o poeta Borges, apaixonado, disse que "o budismo é uma doutrina ateísta em que não há culpa, arrependimento e perdão". Culpa e arrependimento, de fato, não ocorrem na boca do Dalai Lama, mas perdão sim, comparece: neste o dialogante Dalai Lama vê uma forma de "compaixão", com o qual tratar cada ser senciente. Chega até mesmo a falar de "perdão que não é esquecimento” para a China que o obriga ao exílio. O Arcebispo propões a esperança do céu, o Dalai Lama, a fé na reencarnação.
O arcebispo fala de Jesus que enfrenta a morte e liberta-se dela pela ressurreição, o Dalai Lama empenha-se em descrever "a iluminação que produz a meditação sobre a morte" e convida a "treinar nossa mente em preparação a ela".
Os dois parecem prontos a alegria, tendo, ambos, sofrido muito: um, com a fuga do Tibete e um exílio interminável, o outro, com a luta contra o apartheid e com um câncer de próstata incurável a estas alturas. Ambos foram agraciados com o Prêmio Nobel da Paz. Nestas páginas, os dois amigos, “pertencentes a mundos completamente diferentes”, dizem o que aprenderam na batalha da vida. O debate é prazeroso. Cada um considera o outro "como seu provocante irmão espiritual".
Concordam que precisamos de um “amor incondicional para toda a humanidade, independentemente da atitude das pessoas em relação a nós". Dizem, em uníssono, que "nossos inimigos ainda são irmãos e irmãs, e também merecem nosso afeto: você terá que resistir as ações de seus inimigos, mas poderá amá-los como irmãos e irmãs".
Para alcançar a alegria - avisa o monge - não basta “treinar a mente", mas é preciso torná-la imune": a imunidade mental torna-nos menos suscetíveis a pensamentos e sentimentos negativos". O Arcebispo convida a "confiar no amor de Deus que te rodeia e te quer cheio de alegria". A pesquisa a dois culmina na apresentação dos "oito pilares da alegria", realizados em capítulos separados: perspectiva, humildade, humor e aceitação, indulgência, gratidão, compaixão, generosidade.
"Ver as tragédias como oportunidades", resume o budista. Olhar com o "olho de Deus" ecoa o cristão. O livreto é didático. Se o lermos lentamente, alguma coisa aprenderemos com aqueles que muito viram e apreciaram.
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Mestres da felicidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU