14 Outubro 2016
A variabilidade climática se expressa na região latino-americana com cerca de 70 eventos anuais que incluem furacões, erupções, seca, incêndios, deslizamentos de terra e, principalmente, inundações que afetam, em média, aproximadamente cinco milhões de habitantes.
A reportagem é de Orlando Milesi, publicada por Envolverde/IPS, 11-10-2016.
A mudança climática provoca alterações profundas na produção agrícola da América Latina e do Caribe, e, se não forem tomadas medidas urgentes de mitigação e adaptação do sistema produtivo, aumentará o risco para a segurança alimentar dos habitantes da região. Isso poderia reverter os importantes avanços alcançados com os planos para conseguir o objetivo de fome zero, afirmaram especialistas à IPS.
Dois exemplos: para manter os rendimentos nas produções de café da região, estas tiveram que subir de mil metros de altitude para 1.200 e até dois mil metros de altitude, enquanto muitas vinicultoras do Chile deslocaram suas plantações mais ao sul do território buscando sol e chuva. As grandes empresas podem comprar outros terrenos, mas muitos agricultores familiares veem sua atividade ameaçada e se perguntam se está se aproximando o dia de mudar de cultivo ou migrar para outros lugres, inclusive grandes cidades, para poderem subsistir.
“A mudança climática nos coloca nessa posição de insegurança. Se antes podíamos estimar temperaturas ou umidade média para uma área específica, agora vemos reduzida nossa capacidade de previsão com certo nível de probabilidade”, disse à IPS o equatoriano Jorge Meza, do escritório regional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
“Partindo dessa situação, e considerando que dessa forma as estimativas podem ter muitos aspectos tanto positivos quanto negativos, estima-se que o impacto da mudança climática na economia regional poderia chegar,até 2030, à média de 2,2% do PIB (produto interno bruto) em danos”, apontou Meza.“Alguns efeitos poderiam ser benéficos, como o aumento das precipitações, o que significaria mais água para os cultivos”, apontou o funcionário da FAO no escritório regional do organismo em Santiago, capital do Chile.
Em termos gerais, se os danos afetarem 2,2% do PIB, “significa que haverá países que não crescerão economicamente e, além da variável econômica, haverá um impacto social forte de 4% ou 5%.”ressaltou Meza. A FAO busca enfatizar o vínculo entre mitigação e adaptação à mudança climática e segurança alimentar, dedicando o Dia Mundial da Alimentação deste ano, que será celebrado no dia 16, ao tema O Clima Está Mudando, a Alimentação e a Agricultura Também.
Um exemplo é o que prevê para a América Central a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Se não forem tomadas medidas de mitigação ou adaptação à mudança climática, até 2050 poderá haver na região redução de 25% na produção dos grãos básicos, o que significaria perder um quarto da capacidade produtiva, estima a Cepal.
“Isso é preocupante por dois motivos. Primeiro pela falta de disponibilidade de alimentos e, segundo, porque os alimentos que restarem, esses 75% custarão mais caro. As duas situações têm impacto nos mais pobres, porque haverá menos alimentos e porque, sendo mais caros, diminuiriam as possibilidades de eles terem acesso a esses grãos básicos”, explicou Meza.
Viviana Espinosa, uma chilena de 60 anos, cultiva há alguns anos uma variedade de alimentos para consumo familiar. Em sua casa, na região de Cajóndel Maipo, ao pé da cordilheira dos Andes, a 17 quilômetros de Santiago, Espinosa planta e colhe ano a ano produtos que depois serve em sua mesa e divide com seus filhos e netos. “Os alimentos estão cada vez mais caros. Por exemplo, um quilo de tomates chegou a custar 2.500 pesos (US$ 3,7) em setembro. Se eu planto em casa, economizo esse gasto e também consigo um produto natural, sem pesticidas e, talvez, orgânico”, disse à IPS.
Junto aos tomates, esta chilena, casada e com três filhos, planta beterraba, alface, cenoura e cebola. “Agora o desafio é que tudo seja orgânico e que o clima nos acompanhe. Já tivemos chuvas fortes em novembro de 2015, destruíram tudo o que tínhamos plantado”, contou a agricultora.
A variabilidade climática se expressa na região latino-americana com cerca de 70 eventos anuais que incluem furacões, erupções, seca, incêndios, deslizamentos de terra e, principalmente, inundações que afetam, em média, aproximadamente cinco milhões de habitantes. Enquanto isso, um terço dos 625 milhões de latino-americanos, em sua maioria pobres e vulneráveis, vivem em zonas de alto risco e estão expostos a que um evento climático coloque em perigo seus meios de vida.
A mudança climática também tem um aspecto de mais longo prazo, cuja primeira expressão é a redução da produtividade dos cultivos, e a segunda é a crescente relocalização das zonas agrícolas. “Fala-se que, se você não se move e continua produzindo na mesma área, é provável que tenha melhor rendimento, e isso pode exigir maior uso de insumos ou tecnologias com sementes mais resistentes”, pontuou à IPS o economista costarriquenho Adrián Rodríguez, chefe da Unidade de Desenvolvimento Agrícola da Cepal.
“Do ponto de vista da agricultura familiar, ou da agricultura de cultivos vinculados ou relevantes para a segurança alimentar, pode haver impactos para os agricultores e os consumidores pela possibilidade de os preços dos alimentos subirem”, afirmou Rodríguez. Mas há outro efeito que já se vive: a possibilidade de relocalização das atividades produtivas, acrescentou.
“Se o clima para produzir já não é o adequado, mude para outras áreas onde as condições agroecológicas e climáticas são adequadas. Para as grandes empresas não é um problema tão sério, mas é para a agricultura de pequena escala, com menores níveis de tecnologia e investimento ou menos poder de acúmulo”, apontou Rodríguez.
Em 2015, a região latino-americana foi a primeira do mundo a alcançar as duas metas internacionais de redução da fome: a porcentagem de subalimentação caiu para 5,5% e o número total de pessoas subalimentadas chegou a 34,3 milhões. Com isso a região atingiu a meta estabelecida pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, substituídos este ano pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), e também na última Cúpula Mundial sobre Alimentação.
Mas o desafio agora é alcançar a fome zero, meta que poderia ser afetada pela mudança climática, que impacta nos quatro pilares da segurança alimentar e nutricional: a estabilidade da produção de alimentos, sua disponibilidade, acesso físico e econômico, e seu uso adequado. Para Meza, é necessário impulsionar ações de mitigação que considerem uma mudança no setor energético para fontes renováveis e, no setor agropecuário, deve-se avançar para práticas orgânicas que evitem desmatar, levem ao uso dos dejetos dos animais para gerar biogás, e melhorem a dieta animal para reduzir as emissões, entre outras medidas.
Rodríguez destacou que a mitigação deve começar com a melhoria da gestão dos produtores, entregando-lhes informação agrometeorológica adequada e oportuna, e, no plano tecnológico, desenvolvendo variedades mais resistentes à seca, à umidade e às variações na disponibilidade de água e de radiação solar, além de otimizar o uso da água com sistemas adequados de irrigação.
Rodríguez também propõe avançar na pesquisa com base no “conhecimento dos agricultores, sobretudo da agricultura familiar ou indígena, os quais possuem variedades tradicionais que são mais adequadas a determinados climas, altitudes e solos. Esse conhecimento também é muito relevante de se levar em conta”.
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Fome zero depende da adaptação ao clima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU