07 Outubro 2016
Bispo Auxiliar Robert Barron, de Los Angeles, diz que o que tira do curso de formação para novos bispos organizado pelo Vaticano é um sentido mais forte sobre sua ordenação, não se restringindo somente à diocese mas estendendo-se a toda a Igreja, além de uma nova apreciação para a incrível variedade de desafios que a Igreja enfrenta no mundo todo.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 05-10-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Provavelmente a maioria dos católicos dos EUA conhece melhor o Dom Robert Barron, bispo auxiliar de Los Angeles, depois que ele participou de uma série televisiva intitulada “Catholicism”, transmitida pelo canal PBS, em que fez uma apresentação da religião, da cultura e da história católicas.
Desde setembro, no entanto, ele é conhecido pelas pessoas de Santa Barbara, na Califórnia, como o seu pastor, líder da área pastoral em nome do Arcebispo de Los Angeles, Dom José Gomez. Como tal, Barron está neste local fazendo visitas a paróquias, rezando missas, encontrando-se com o povo que quer se fazer ouvir e fazendo todas as coisas que um bispo geralmente faz.
No mês passado, Barron foi chamado a Roma para um curso de formação para novos bispos de todo o mundo.
Na segunda-feira passada, Barron falou com o sítio Crux sobre a sua experiência em Roma, dizendo ter trazido para casa a natureza incrivelmente global da Igreja Católica.
Eis a entrevista.
Que ordens ele recebeu do papa?
“Ele também nos lembrou que todos fomos escolhidos ao episcopado durante o Ano Santo da Misericórdia. Ele achou que isso era uma coisa importante a nos dizer”, disse Barron. “Foram essas as ordens do papa: ser um apóstolo da divina misericórdia”.
Confira a entrevista.
Como foi o curso para os novos bispos?
Foi uma experiência incrível. Lembra um pouco o acampamento de verão dos bispos, porque ficamos na casa dos Legionários de Cristo, o Regina Apostolorum, a cerca de 8 quilômetros da Praça de São Pedro. É um seminário, e portanto a sala era como as dos seminários. A experiência me lembrou dos dias em que fui seminarista.
O senhor não ficaria no hotel Hilton, de Roma?
Não, onde fiquei era um ambiente bem espartano, muito ao estilo do Papa Francisco. As camas eram pequenas, e todos comentávamos que, nas primeiras noites, poderíamos a qualquer hora da noite cair delas! As refeições eram boas, devo dizer, bem ao estilo italiano.
O melhor disso tudo foi que eu estava com outros 157 bispos do mundo inteiro. Ao sair para as refeições podíamos nos sentar com alguém do Equador, da Índia, da Síria, de Boston... Isso permitiu um intercâmbio muito sadio.
Que idiomas o senhor falou?
Vários. Às vezes eu ficava com falantes de inglês. Falo bem francês, e lá havia um monte de canadenses, uma série de franceses e africanos falantes de francês. O meu espanhol é bom, então falei também um pouco nesse idioma. O meu italiano é básico, tentei usá-lo de vez em quando.
Foi um processo muito esclarecedor, e essa foi, na verdade, a melhor parte. Havia uma série de palestras, proferidas por algumas autoridades curiais do alto escalão. Mas a melhor parte, francamente, foi conhecer todos estes bispos, do mundo todo.
Quanto tempo durou o curso para os novos bispos?
No total, durou oito dias. O dia começava com uma bela oração cantada pela manhã e uma missa, geralmente conduzida por um dos cardeais da Cúria ou arcebispos. Em geral, era feita uma homilia em italiano. Depois disso vinha um intervalo, onde tínhamos um intercâmbio realmente muito sadio.
Em seguida, começavam as palestras. Nós nos reuníamos num auditório, e aí haveria um palestrante. As falas eram em diferentes idiomas, assim uma era feita em francês, outra em italiano, uma outra em espanhol. Mas sempre havia interpretação simultânea, então todos tínhamos fones de ouvido para entender. As falas chagavam a durar uma hora inteira. Depois, fazíamos um intervalo seguido de uma sessão de perguntas e respostas de aproximadamente meia hora.
À Tarde, ao estilo italiano, podíamos fazer uma siesta depois do almoço.
Como diriam os italianos, um “riposo”.
Acho que essa prática deveria ser adotada imediatamente em nosso país! Ela corresponde ao ritmo do corpo. Eu gostei bastante do “riposo”.
Os trabalhos eram exigentes, no entanto, porque, logo depois do “riposo” havia mais uma apresentação, seguida de perguntas e respostas. Depois, fazíamos o que os italianos chamam “circoli minori”, trabalhos em pequenos grupos. Aqui, nós nos dividíamos em grupos linguísticos, assim os falantes de inglês, por exemplo, iam para um canto e tentariam processar o que ouviram naquela manhã.
Tenho de dizer que os “circoli minori” eram divertidos. No meu caso, os meus companheiros seriam os bispos dos EUA, do Canadá, de alguns países africanos, da Austrália, da Oceania, lugares diferentes. Trabalhávamos sobre os temas apresentados e nos divertíamos muito.
Ficávamos nestes grupos até certa tempo, e depois havia, por volta das 17h, um coquetel, salgados, um momento mais social. Por fim, fazíamos uma oração à noite e então o jantar.
Depois do jantar, havia mais uma sessão que geralmente começava às 21h15min, que duraria até as 22h40, ou 22h45min.
Portanto vocês se levantavam às 7h da manhã e iam até as 23h, durante oito dias seguidos?
Sim, eram dias realmente longos. E mais: estávamos longe de Roma, então não podíamos simplesmente sair e passear pelos museus e restaurantes. Ficávamos realmente concentrados no encontro.
Pode nos dizer algumas das impressões que tirou do curso, seja da programação oficial, seja das conversas informais?
Uma coisa que me impressionou profundamente foram as conversas informais, embora uma delas foi mais formal. Numa das manhãs, foi anunciado que iriam escolher oito bispos do mundo todo para falar sobre a Igreja de suas regiões. Lembro de ter pensado: “Ó, pobre de quem for escolhido, agora terá de inventar uma palestra”. Honestamente, o que me passava pela cabeça era: “Talvez eu não vá para essa sessão”.
Para mostrar como Deus tem senso de humor, o Cardeal Marc Ouellet [do Canadá, prefeito da Congregação para os Bispos], que estava organizando o evento, se aproximou de mim num coquetel das 17h e pediu que eu falasse sobre a Igreja americana. Portanto, não só tinha de ir ao encontro, mas também me preparar para falar!
Isso acabou sendo um dos destaques daqueles dias, porque havia oito companheiros de todos os cantos da terra, incluindo um bispo de Aleppo, na Síria, um bispo de Reykjavík, na Islândia, um bispo de Sydney... Eles articularam aspectos diferentes da vida da Igreja.
Eu falei sobre o tema da liberdade religiosa em nosso país, e de como percebemos que a sociedade laica está, até certo ponto, ameaçando-a. Mas daí você ouve que isso não é nada se comparado com a maneira como a Igreja está sitiada em outras partes do mundo, onde há uma perseguição feroz aos cristãos. Foi bastante comovente ouvir testemunhos em primeira mão. Uma experiência marcante.
Eu também fui interpelado pelo Cardeal Jean-Pierre Ricard, de Bordeaux, que palestrou sobre o bispo como um padre, irmão e amigo. Foi esclarecedor. Em certo sentido, o bispo é um pai, então ele tem de desempenhar o papel de pastor, mas também um bispo é um irmão e amigo dos padres. Para mim, esta apresentação foi uma das mais marcantes.
O senhor teve também a oportunidade de encontrar o Papa Francisco, e nessa ocasião sei que o senhor não tinha certeza de que o papa lhe reconheceria. Mas, assim que se encontraram, ficou claro que Francisco conhece perfeitamente bem quem é Dom Robert Barron is. O que aconteceu?
Foi um grande momento. Estávamos lá, entre 157 bispos, e o papa nos falou por 35 minutos. Não foi uma fala curta. Na sequência, ele cumprimentou cada um de nós. Achei que iria cumprimentar alguns só, mas cumprimentou a todos. Isso levou uma hora inteira! Era um homem de 80 anos demonstrando um vigor impressionante!
Três de nós, que havíamos sido recentemente nomeados para Los Angeles (Dom Joe Brennan, Dom Dave O’Connell e eu) estávamos juntos na fila. No passado, o Papa Francisco se referiu a nós como os “trigêmeos” de Dom Jose Gomez [de Los Angeles], perguntando: “Como vão os teus trigêmeos?” Então, quando Dom Brennan chegou a ele, disse: “Sou um dos trigêmeos de Los Angeles”. Eu era o segundo atrás dele e vi o rosto do papa se levantar e dizer: “Oh, e onde estão os outros dois?” Estávamos bem ali, então nos reunimos ao seu redor. Ele falou a Joe por alguns instantes, e então a Dom O’Connell.
O papa se virou para mim, e eu disse: “Olá, Santo Padre, sou Dom Barron”. Ele falou: “Ah, El Gran Predicador!”, “O Grande Pregador” e depois algo como: “Aquele que faz tremer as ondas do ar”. Eu interpreto isso de uma maneira positiva!
Fique bastante emocionado aqui, porque, honestamente, não sabia que ele me conhecia ou sabia do que eu estava fazendo. Foi bastante comovente.
Ter o papa olhando para nós e ouvi-lo dizer “o grande pregador” deve ser muito bom.
É mesmo. E ainda me emociono com o que aconteceu. Foi muito marcante estar com ele. Ele é supergracioso, e foi maravilhoso.
Uma das finalidades do curso para os novos bispos é a de o papa e o Vaticano poderem comunicar suas prioridades aos bispos do mundo. Qual a mensagem que vocês ouviram?
Em uma palavra, a mensagem é: “O bispo como um Apóstolo da Misericórdia”. Acho que esta mensagem se fez presente claramente em todas as apresentações, este que é um importante tema franciscano de misericórdia. O papa ressaltou isso também em sua fala, dizendo de como somos todos “pescados” pela misericórdia divina, com alguém sendo tirado do mar. Ele nos falou: “Lembrem daquele momento em que foram fisgados pela misericórdia divina, agora vão e façam o mesmo com outras pessoas”.
É um tema clássico do Papa Francisco, falar da misericórdia. Ele também nos lembrou que todos fomos escolhidos ao episcopado durante o Ano Santo da Misericórdia. Ele achou que isso era uma coisa importante a nos dizer. Foram essas as ordens, ser um apóstolo da misericórdia divina.
Concretamente falando, o que significa para o senhor, como bispo auxiliar de Santa Barbara, ser um apóstolo da misericórdia?
Significa que, nessa parte do mundo, sou eu o portador deste grande atributo divino às pessoas. O meu trabalho é transmitir-lhes, da maneira mais palpável possível, que Deus é amor, que Deus cuida delas e que Deus está interessado, sobretudo, em perdoar os pecados.
Acho isso essencial. Sou o portador do perdão. Eis a minha primeira tarefa como bispo. Todas as demais questões administrativas assumem um segundo lugar diante deste trabalho, que é fundamental.
O que de Roma o impressionou?
Roma é uma espécie de encruzilhada, um ponto de intercâmbio, onde a universalidade da Igreja Católica fica bem clara. É difícil não perceber esta característica quando se está lá. Fiquei muito impressionado com o povo do Vaticano que encarna esse traço internacional.
Essa lição é especialmente importante para os americanos, não é?
Sim, algumas vezes nós nos isolamos muito. Algumas vezes somos muito paroquianos. Uma das oportunidades que tive através de um amigo foi conhecer o Monsenhor Mark Miles, o tradutor de inglês para o papa.
Que é de Gibraltar, a propósito...
Sim, exato. Ele é fantástico. Sabe todas as línguas, estudou na Accademia, que é a base de formação para os diplomatas vaticanos, e agora se vê acompanhando o papa em suas viagens.
Eu também conheci Dom Paul Gallagher, arcebispo inglês, que é na prática o ministro do Exterior vaticano. Saíamos juntos e começos um prato de “amatriciana”, que é a refeição romana favorita dele. Ao falar com ele, que já foi embaixador papal na África, na Austrália, na América Latina e que agora se vê trabalhando como o ministro do Exterior do Vaticano, alguém que se reúne semanalmente com o papa para informá-los das últimas notícias, não podemos deixar de perceber esse traço internacional.
Tivemos também a oportunidade de ir ao Vaticano e tomar uma bebida antes de voltar, o que é um costume romano. Gallagher casualmente me mostrou que uma das salas foi onde o Papa Júlio II morreu! [Apelidado de “o papa guerreiro”, Júlio II morreu em 1513].
Há algo surpreendente aí... ao longo do tempo e do espaço, podemos ter uma experiência da amplitude da vida da Igreja quando estamos em Roma.
Em suma, depois deste curso de oito dias, como o seu ministério vai ser diferente?
Diria que é no sentido mais amplo da vida da Igreja. Sim, sou o bispo regional de Santa Barbara, mas também sou um bispo da Igreja Católica. Eu já sabia disso, obviamente, mas essa sensibilidade está mais forte em mim agora.
Sou também um sucessor dos apóstolos e um bispo da Igreja Católica. Sou ordenado bispo não só para Los Angeles, mas para toda a Igreja.
Isso pode parecer grandioso, mas não quero que soe assim. A verdade é que ficamos com essa responsabilidade verdadeiramente internacional. Mais importante que a minha condição de americano é a minha condição de católico, e como um bispo católico estou, de alguma forma, conectado a todos os bispos do mundo. Isso me impactou, creio eu, e mudou a minha consciência.
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As ordens do papa para os novos bispos: “Sejam apóstolos da misericórdia” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU