23 Setembro 2016
"Ninguém sabe realmente aquilo que nomeia quando diz Deus, mas crer na existência de uma realidade mais original, da qual o mundo provém e para a qual vai, significa sentir que a vida tem uma direção, um sentido de marcha, uma meta. Crer em Deus, portanto, significa dizer sim à vida e à sua razoabilidade: significa crer que a vida provém do bem e procede para o bem, e que, por isso, agir bem é a melhor modalidade de viver."
A opinião é do teólogo italiano Vito Mancuso, professor da Universidade de Pádua, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 17-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Comumente, considera-se que fé e dúvida são opostos, no sentido de que quem tem fé não teria dúvidas, e de que quem tem dúvidas não teria fé. Mas não é assim. O oposto da dúvida não é fé, é o saber: de fato, quem sabe com certeza como estão as coisas não tem dúvidas e, obviamente, também não precisa ter fé.
Assim, por exemplo, afirmava Carl Gustav Jung a propósito do objeto por excelência sobre o qual se tem ou não fé: "Eu não acredito na existência de Deus por fé: eu sei que Deus existe" (de Jung parla, Ed. Adelphi, 1995 ). Aqueles que, em vez disso, não chegaram a esse saber duvidam sobre como efetivamente estão as coisas, não só sobre Deus, mas também sobre as outras questões decisivas: esta vida terá um sentido e, se sim, qual? A natureza busca um efetivo aumento da sua organização? Quando dizemos "alma" nomeamos um fenômeno real ou apenas um arcaico conceito metafísico? O bem, a justiça, a beleza existem como algo objetivo ou são apenas convenções provisórias? E, depois da morte, a viagem continua ou termina para sempre?
Dado que a maioria, sobre tais questões, não tem um saber certo, geralmente se responde "sim" em nome da fé ou "não" em nome do ceticismo, em ambos os casos privados de saber, no máximo com alguns indícios interpretados de um modo ou de outro, dependendo da orientação prévia assumida. Assim, tanto aqueles que têm fé em Deus quanto aqueles que não a têm fundamentam o seu pensamento na dúvida, isto é, na impossibilidade de alcançar um saber incontestável sobre o sentido último do mundo e da nossa existência.
A fé, em outros termos, positiva ou negativa que seja, para existir, precisa da dúvida. A doutrina católica tradicional, porém, não pensa assim. Para ela, a fé não se fundamenta na dúvida, mas no saber que brota de uma precisa revelação divina mediante a qual Deus comunicou a si mesmo e uma série de outras verdades chamadas de "artigos de fé".
Tal revelação constitui o depositum fidei, isto é, o patrimônio doutrinal conservado e transmitido pela Igreja. Ele confere um saber denominado de doutrina que ilumina aqueles que o recebem na sua origem, identidade, destino e moral a serem seguidos. Não só; a partir de tal doutrina, também se configura uma precisa visão do mundo: a obra especulativa das Summae theologiae medievais, das quais a mais conhecida é a de Tomás de Aquino, vive dessa ambição de possuir um saber certo sobre física, metafísica e ética, de ser, portanto, geradora de filosofia.
Tal configuração reinou durante toda a Idade Média, mas foi combatida pela filosofia moderna e pela revolução científica. O fim não era negar a fé em Deus, mas sim o saber filosófico e científico que se considerava como decorrente dela, para colocar a fé em um fundamento diferente, sem mais a presunção de que fosse objetivo: Kant, por exemplo, escreve que teve que "suspender o saber para dar espaço para a fé" (Crítica da razão pura, Prefácio à segunda edição, 1787), enquanto, mais de um século e meio antes, Galileu tinha declarado que "a intenção do Espírito Santo é de nos ensinar como se vai para o céu, e não como vai o céu" (Carta a Cristina de Lorena de 1615).
Os maiores protagonistas da modernidade não foram em nada ateus, incluindo filósofos como Bruno, Descartes, Spinoza, Lessing, Voltaire, Rousseau, Kant, Fichte, Schelling, Hegel, ou cientistas como Copérnico, Galileu, Kepler, Newton. O objetivo deles, em vez disso, era de recolocar a religiosidade sobre o seu autêntico fundamento: não mais um suposto saber objetivo, mas a subjetiva experiência espiritual.
A tal modelo de fé não interessa o saber e, portanto, o poder que dele decorre, mas, em vez disso, o sentir e, portanto, a experiência pessoal. Não é mais a obediência a uma doutrina dogmática indiscutível que representa a fonte da fé, mas é o sentimento de simpatia para com a vida e os viventes.
Nessa perspectiva, bem antes de crença, fé significa confiança. Quando dizemos que uma pessoa é "digna de fé", o que queremos dizer? Quando, no fim das nossas cartas, escrevemos "em fé", o que queremos dizer? Quando um homem põe o anel nupcial na sua mulher, e quando uma mulher faz o mesmo com o seu homem, o que querem se dizer? Há uma dimensão de confiança que é constitutiva das relações humanas e que, sozinha, explica esses verdadeiros pactos de honra que são a amizade e o amor. Se ela não existisse, surgiriam apenas relações interessadas e calculadas: nada de mal, ao contrário, tudo normal, mas também tudo ordinário e previsível.
Só se houver confiança-fé na outra pessoa pode surgir uma relação sob o sinal da gratuidade, criatividade, extraordinariedade, e pode se desencadear aquela condição que chamamos de humanidade.
E a fé em Deus? Quando se tem confiança-entrega na vida como um todo, percebida como dotada de sentido e de propósito, cumpre-se o sentido da fé em Deus (independentemente de como, depois, as tradições religiosas individuais concebem o divino).
Ninguém sabe realmente aquilo que nomeia quando diz Deus, mas crer na existência de uma realidade mais original, da qual o mundo provém e para a qual vai, significa sentir que a vida tem uma direção, um sentido de marcha, uma meta.
Crer em Deus, portanto, significa dizer sim à vida e à sua razoabilidade: significa crer que a vida provém do bem e procede para o bem, e que, por isso, agir bem é a melhor modalidade de viver.
Mas essa convicção pode ser racionalmente fundamentada? Não. Basta considerar a vida em todos os seus aspectos para perceber, frequentemente, a sombra da negação, com a consequência de que a mente é inevitavelmente entregue à dúvida. Em todas as línguas de origem latina, como também em grego e em alemão, o termo "dúvida" tem como raiz "dois". Dúbio, portanto, é estar no cruzamento, outro termo que remete ao dois: é ver dois caminhos sem saber qual deles escolher, consciente, porém, de que não podemos parar nem voltar atrás, mas que estamos diante do dilema da escolha.
O cardeal Carlo Maria Martini afirmou: "Eu considero que cada um de nós tem em si mesmo um não crente e um crente, que se falam dentro de cada um, que se interrogam reciprocamente, que se fazem continuamente perguntas pungentes e inquietantes um ao outro. O não crente que está em mim inquieta o crente que está em mim, e vice-versa" (do discurso introdutório à Cátedra dos Não Crentes).
Pensando, encontram-se elementos em favor da tese e da antítese, e quem não é ideologicamente determinado é inevitavelmente entregue à lógica do dois que gera a dúvida. A dúvida, porém, paralisa, enquanto, na vida, é preciso prosseguir e agir responsavelmente. Daí a necessidade de superar a dúvida.
A superação, porém, não pode acontecer com base na razão que está na origem da dúvida, mas com base em algo mais radical e mais vital do que a razão, isto é, o sentimento que gera a confiança que se explicita como coragem de existir e de escolher o bem e a justiça. Mas por que alguns percebem em si esse sentimento de confiança em relação à vida e outros não continua sendo, para mim, um mistério inexplicável.
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