13 Setembro 2016
A partir do Código de Minas, de 1934, e do Código de Águas Minerais, de 1945, as águas minerais, termais, gasosas e potáveis de mesa no Brasil passaram a ser consideradas como minério, não mais como recurso hídrico. O Código de Mineração de 1967 manteve essa classificação e, atualmente, o projeto de lei que prevê um novo código não trata das mudanças na institucionalidade das águas minerais, mantendo a classificação de minério.
A reportagem é de Isabel Gardenal, publicada por Jornal da UNICAMP, 12-09-2016.
Um estudo de doutorado do Instituto de Economia (IE), de autoria do economista Pedro dos Santos Portugal Júnior, analisou o arranjo institucional que rege o aproveitamento comercial das águas minerais no país e concluiu que ele provoca desarticulação normativa e conflitos que culminam com a exploração insustentável desses recursos. “Por isso é preciso mudar essa institucionalidade, considerando as águas minerais como recursos hídricos, e fortalecer os órgãos gestores e reguladores desse segmento”, afirmou.
Segundo o pesquisador, a sua tese faz uma proposta diferenciada de integração das águas minerais na gestão dos recursos hídricos dentro da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). “Nesse âmbito, deverá prevalecer uma boa estrutura técnica e liberdade de ação e fiscalização dos órgãos.”
Na literatura, Pedro buscou informações sobre a gestão da água mineral nos Estados Unidos, Portugal, Espanha, França, Alemanha, Argentina e Colômbia. Desses, informou ele, somente Portugal e Espanha consideram institucionalmente as águas minerais como minério. Todos os demais a consideram como recurso hídrico e alimento, inclusive a França, que possui uma das melhores legislações sobre gestão de águas no mundo.
Na Espanha, há um debate no momento, assim como no Brasil, para a mudança dessa institucionalidade e para que as águas minerais passem a integrar finalmente a gestão de recursos hídricos.
Desde o mestrado, o pesquisador se interessou pelo tema das águas minerais e discutiu a gestão ambiental em empresas que exploram esse recurso. Viu o grave problema que há nesse segmento pois, no Brasil, a água subterrânea pode ser classificada de duas formas pelas suas características. Se for tida como recurso hídrico, segue a Política Nacional de Recursos Hídricos, e seu domínio e gestão ficam a cargo dos Estados. Se classificada como água mineral, segue os códigos de mineração e águas minerais, e seu domínio e gestão ficam a cargo da União, especialmente do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Agora no doutorado, orientado pelo professor do IE Bastiaan Philip Reydon, o autor continuou a observar que muitos problemas na exploração e uso desse recurso ocorriam pela confusão institucional que existe e pela falta de articulação entre as leis que regem esse mesmo recurso: a água.
Foi por essa razão que resolveu propor uma mudança na institucionalidade das águas minerais no Brasil. A ideia foi integrá-la com a Política Nacional de Recursos Hídricos e com ampla participação social, via Comitês de Bacia Hidrográfica.
Para verificar a receptividade de sua proposta, Pedro fez uma pesquisa em 2015 com estudiosos e pessoas que trabalham com esse tema. Usou um método denominado painel de especialistas. A partir dessa consulta, ficou claro que a maioria deles era contrária à manutenção da atual institucionalidade que considera as águas como minério.
Essas pessoas indicaram alterações relevantes no documento, enfatizando a necessidade de um papel central das secretarias estaduais de recursos hídricos (que fazem a gestão das águas subterrâneas conforme a PNRH) e uma mais forte integração com os Comitês de Bacia Hidrográfica.
Ele sugeriu que as águas minerais, termais, gasosas e potáveis de mesa passem a ser reputadas como alimento no Brasil e que, no que se refere à sua classificação como recurso hídrico, ela siga a Política Nacional de Recursos Hídricos. Quanto à sua classificação como alimento, deverá seguir os parâmetros da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como já acontece atualmente.
Outro ponto saliente na proposta é a imediata reclassificação das águas, determinando como minerais apenas aquelas que apresentem ação medicamentosa, e elas deverão ter um tratamento diferenciado na PNRH. Já as águas potáveis de mesa (comercializadas por meio de garrafas, garrafões e copos) deverão ser enquadradas como águas para consumo comum e seguir os padrões de gestão e fiscalização já instituídos pela Política Nacional de Recursos Hídricos.
Pedro propôs ainda políticas públicas como a instituição de instrumentos econômicos por meio da cobrança pelo uso da água, no lugar da Contribuição Financeira sobre a Exploração Mineral (CFEM). “Assim, as arrecadações por meio de cobrança pelo uso da água devem ser aplicadas na região da bacia hidrográfica onde se explorou o recurso, com vistas a melhorias e preservação do meio ambiente e das águas.”
O economista abordou a aplicação efetiva da gestão de resíduos sólidos nas empresas de águas minerais no Brasil, por conta da grande quantidade de embalagens plásticas usadas. Isso está em pauta no Grupo de Coalização Empresarial, Setor de Embalagens. “Mas agora precisa ser ampliado”, opinou o estudioso, que é mestre em desenvolvimento econômico e professor e pesquisador do Centro Universitário do Sul de Minas, em Varginha.
O país é o quarto maior produtor mundial de águas minerais, empatado com a Indonésia e atrás da China, Estados Unidos e México. O total produzido no Brasil em 2013 foi de 11 bilhões de litros. Isso incluiu água engarrafada, uso como insumo para produção de sucos prontos, cervejas, refrigerantes e chás prontos, e consumo direto em balneários e parques.
A produção de água engarrafada sozinha totalizou 7,1 bilhões de litros, ou seja, 65% da produção nacional. O crescimento da produção total no Brasil entre 2008 e 2013 foi de 93,74%, muito acima da média de crescimento mundial – que foi de 32,60% no mesmo período.
“Nesse sentido, os principais gargalos são o aumento vertiginoso do consumo de água mineral engarrafada e a superexploração desse recurso, que pode provocar sérios danos ambientais, como rebaixamento do terreno no entorno da fonte e falta de água para abastecimento urbano, caso a fonte de água subterrânea seja um tributário dos mananciais de abastecimento”, contextualizou o economista.
A poluição causada pela produção e pelas embalagens empregadas na comercialização também é outro gargalo, juntamente com o enfraquecimento do ecoturismo, a favor apenas da exploração industrial e comercial. Isso tudo ainda vem somado à confusão institucional, que provoca problemas e conflitos, e à falta de fiscalização, que faz com que muitas empresas explorem a água acima do máximo permitido.
Mas, de acordo com Pedro, os problemas não terminam por aí. Tem o aumento da exploração desse recurso por grandes empresas nacionais e multinacionais, o que pode levar a uma oligopolização desse mercado e ao domínio das fontes desse recurso nas mãos de poucas empresas, advertiu. “É necessário fazer melhorias na Política Nacional de Recursos Hídricos, que ainda possui alguns pontos passíveis de alteração, e o fortalecimento dos órgãos gestores e reguladores, diminuindo a ingerência política e primando pela liberdade de atuação.”
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Tese propõe mudanças na classificação de águas, considerando as águas minerais como recursos hídricos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU