27 Junho 2016
"Apesar da nossa maravilhosa e preventiva máquina orgânica, sou da ideia que mesmo o melhor aparelho sofre danos importantes se sempre trabalhar em condições adversas ou anômalas", escreve Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA, em artigo publicado por EcoDebate, 24-06-2016.
Eis o artigo.
Em recente entrevista (Tribuna do Norte, 19-06-2016), a doutora em microbiologista pela USP e especialista em saúde pública, Petra Sanchez, opinou sobre a questão das águas minerais consumidas em Natal, que têm, normalmente, pH com média entre 4,5 a 6, estando, portanto, dentro do campo de águas ácidas.
A doutora Sanchez informa que "não significa que uma água com pH ácido seja melhor ou pior que uma água de pH alcalino, pois apenas indica a sua concentração de íons hidrogênio (H+), os quais podem variar com a temperatura e a composição química da água. Cada água tem sua própria digital, e seu pH não representa risco à saúde."
Apesar da notória capacidade científica da microbiologista e da forma categórica de sua argumentação, acredito, modestamente, que o assunto ainda gera dúvidas e polêmicas, que só serão sanadas com uma pesquisa aprofundada e abrangendo as ciências de medicina, hidrogeologia e hidrogeoquímica. Transcrevo, a seguir, algumas observações que acredito devem ser consideradas na discussão sobre essa relevante matéria.
a) A legislação europeia referente à água potável estipula um limite de pH na faixa de 6,5 a 8, enquanto que nos EUA os limiares de pH são de 6,5 a 8 e na Rússia é de 6 a 9 (in Birke et al., 2010). A recomendação é, então, clara no sentido de se ingerir águas neutras a levemente alcalinas.
b) A doutora Petra Sanchez afirma na mencionada entrevista, que “essa recomendação visa apenas garantir a tratabilidade da água e não tem relação com os indicadores de saúde”.
c) Diferente do proposto pela doutora Sanchez, Birke et al. (2010) comentam que a acidez na água diminui a flora intestinal necessárias para a digestão e a absorção de nutrientes e pode levar a uma elevada acidificação do corpo. Isso não só baixa o pH, mas também reduz a capacidade de formar colóides aquosos que são importantes para o metabolismo do organismo.
d) A bioquímica Nathalia Maíra (com. Pers.) indica que o nosso organismo utiliza três mecanismos para controlar o equilíbrio ácido-base do sangue: 1) o excesso de ácido é excretado pelos rins, principalmente sob a forma de amônia; 2) o corpo utiliza soluções tampão do sangue para se defender contra alterações súbitas da acidez. O tampão mais importante é o bicarbonato que se encontra em equilíbrio com o dióxido de carbono; 3) o terceiro mecanismo de controle do pH do sangue envolve a excreção do dióxido de carbono.
e) Apesar da nossa maravilhosa e preventiva máquina orgânica, sou da ideia que mesmo o melhor aparelho sofre danos importantes se sempre trabalhar em condições adversas ou anômalas. Selinus et al (2005) indicam que enquanto a água mineral é consumida em quantidades limitadas ou por curtos períodos de tempo, isto pode não constituir um problema, mas isto pode não ser o caso se as taxas de consumo forem elevadas. Em outras palavras, o cidadão que consome uma água levemente ácida, como a nossa, durante todo o tempo deve, diariamente, forçar a atuação sem descanso dos nossos mecanismos de controle descritos no item anterior. Corda muito esticada tem uma hora que arrebenta. E essa corda, acredito, pode mais rapidamente estragar se associarmos a ingestão da água mineral de moderada acidez com a prática de se beber refrigerantes que apresentam pH muito ácido, variando de 1,78 a 2,62 (Skupien et al., 2009).
f) Bityukova & Petersell (2010) estudando a composição química das águas minerais na Estônia, comentam que valores de pH observados, nessa pesquisa, de 4,7 a 5,3 podem causar corrosão de tubos de metal, resultando na liberação de metais, incluindo os tóxicos, tais como Cd, Cu, Pb, Zn, etc., que podem representar um impacto negativo de saúde.
g) Valores ácidos da água podem ser produtos tanto de causas natural (geogênicas) como pode ser reflexo de processo de contaminação antrópica, como de nitrato, por exemplo.
Existe, sem dúvida, um longo campo de pesquisa científica no sentido de responder, com segurança, todas as dúvidas e questionamentos. A ausência de uma comprovação de malefícios à saúde devida ingestão, por longos períodos, de águas ácidas não pode ser justificativa para uma posição passiva e de não incentivo a discussão e a investigação científica. Lembro, como narra Salsburg (2013), que durante quase três décadas, muitos estatísticos e as indústrias de cigarro, alegavam a inexistência de comprovação científica de que o fumo provocasse qualquer tipo de câncer e isso era motivo para uma propagando e expansão do hábito de fumar.
Referência Bibliográfica:
Bike, M.; Rauch, U.; Horazin, B.; Lorenz, H.; Wolgang, G. 2010. Major and Trace Elements in Germany Bottled Water, Their Regional Distribution, and Accordance with National and
International Standards. Journal Geochemical Exploration. 107. 245-271.
Bityukova, L. & Petersell, V. 2010. Chemical composition of bottled mineral waters in Estonia. Journal of Geochemical Exploration 107 (2010) 238–244.
Salsburg, D. 2013. Uma Senhora Toma Chá. Jorge Zahar Editor, 288p.
Selinus, O., Alloway, B., Centeno, J.A., Finkelman, R.B., Fuge, R., Lindh, U., Smedley, P. (Eds.), 2005. Essentials of Medical Geology. Impacts of the Natural Environment on Public Health. Elsevier, Amsterdam, p. 812.
Skupien, J.A.; Bergoli, C.D.; Pozzobon, R.T.; Brandão, L. 2009. Avaliação do pH de Refrigerantes do Tipo Normal e Light. Saúde, Santa Maria, vol. 3, n 2, pp 33-36.
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Águas minerais consumidas em Natal: um assunto ácido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU