06 Setembro 2016
O primeiro censo continental retrata os brutais efeitos dos adornos de marfim na China.
A reportagem é de Manuel Ansede, publicada por El País, 03-09-2016.
A conservação da natureza africana é uma guerra de morte. E não é uma metáfora. Diretores de parques nacionais, como o espanhol Luis Arranz, que dirigiu o de Garamba, na República Democrática do Congo, reconhecem que armam seus guarda florestais no mercado negro. Os inimigos da fauna africana são caçadores clandestinos que empunham fuzis Kalashnikov, mas também grupos armados como os extremistas cristãos do Exército de Resistência do Senhor, em Uganda, ou os fundamentalistas islâmicos do Boko Haram, na Nigéria, que se financiam com a venda do marfim dos elefantes. Somente no Parque Nacional de Virunga, vizinho de Garamba, morreram assassinados 150 patrulheiros na última década. Os últimos, Fidèle Mulonga Mulegalega, de 25 anos, e Venant Mumbere Muvesevese, de 35, mortos a tiros em março pelas milícias Mai Mai.
A cada 15 minutos morre um elefante na África. “A vaidade, para exibir colares e pulseiras de marfim, está provocando uma demanda que faz disparar a matança de elefantes”, lamentou neste sábado Anthony Banbury, um antigo alto funcionário das Nações Unidas que agora dirige os projetos de filantropia do multimilionário Paul Allen, cofundador da Microsoft. Banbury apresentou neste sábado os resultados do esperado primeiro censo continental de elefantes, durante o Congresso Mundial da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), que se realiza até 10 de setembro em Honolulu (EUA).
Os números são dramáticos. A população de elefantes africanos de savana caiu 30% entre 2007 e 2014 por causa da caça clandestina e a destruição de seu habitat. O crescente declínio já chega a 8% por ano, principalmente em razão das matanças ilegais. O censo, realizado em 18 países, contou exatamente 352.271 sobreviventes. Desde 2007, portanto, a humanidade matou cerca de 144.000 elefantes. Nesse ritmo, seriam eliminados da face da Terra em pouco mais de 15 anos. O elefante da floresta, diferente do da savana e não incluído no censo, também desaparece a uma velocidade alarmante.
Há um ano o presidente norte-americano, Barack Obama, e seu homólogo chinês, Xi Jinping, anunciaram um acordo para a proibição “quase completa” da importação e exportação de marfim, com exceções como os troféus de caça esportiva devidamente documentados. A China é o grande mercado negro do marfim, considerado um símbolo de status social. “É preciso proibir também o comércio de marfim dentro dos países. Se conseguirmos que todo o comércio de marfim seja ilegal, veremos recuperações muito importantes das populações de elefantes”, declarou em Honolulu o ecologista norte-americano James Deutsch, vice-presidente da Wildlife Conservation Society.
Um elefante mutilado para obter seus caninos, em Botsuana. (Foto: Gran Censo de Elefantes)
“É preciso conseguir valorizar economicamente os elefantes vivos para que as comunidades locais ganhem dinheiro com eles e os defendam. Uma forma óbvia é o turismo, mas é preciso desenvolver outras”, afirmou Deutsch. Calcula-se que um elefante que morra de velhice gere ao longo de sua vida mais dinheiro que 76 congêneres mortos. Os caninos de cada exemplar são vendidos por cerca de 22.000 euros (cerca de 80.000 reais).
O ecologista reconhece que as soluções não são simples. O rei Juan Carlos de Bourbon suscitou um debate internacional quando se soube que tinha quebrado o quadril em abril de 2012 enquanto participava de uma caça secreta de elefantes e outros animais em Botsuana. “É um tema muito complexo e prefiro não opinar”, afirma Deutsch sobre a possibilidade de financiar a conservação com os lucros de uma caça teoricamente controlada pelos governos.
“Chegamos à decisão de impedir a caça comercial de vida selvagem nas zonas públicas a partir de 2014 porque disparar nos animais puramente por esporte e troféus já não é compatível com nosso compromisso de preservar a fauna local como um tesouro nacional”, disse o presidente de Botsuana e comandante geral das forças do país, Ian Kharma, no final de 2012.
Seu país é hoje, segundo o censo, o grande bastião dos elefantes na África, com uma população de 130.000 exemplares, que se mantém estável. O segundo país é o Zimbábue, com 83.000 indivíduos e uma queda de apenas 10% desde 2005. No entanto, a ameaça paira sobre esses dois redutos da fauna africana. As regiões que mais têm sofrido os ataques dos caçadores clandestinos estão do outro lado de suas fronteiras com os vizinhos do norte, Angola e Zâmbia.
“Perdemos 96 elefantes por dia, entre 25.000 e 30.000 todo ano. Se não formos capazes de salvar o maior mamífero terrestre, o prognóstico para a conservação da fauna selvagem é deprimente”, lamentou em um vídeo Mike Chase, autor principal do censo e fundador da organização Elefantes Sem Fronteiras. Sua pesquisa, realizada com 81 aviões, foi financiada com mais de seis milhões de euros pelo cofundador da Microsoft.
O Congresso Mundial da Natureza, em Honolulu, congrega 9.000 participantes de mais de 190 países, organizados pela UICN, que pagou a viagem de EL PAÍS à capital havaiana. A UICN é a principal rede ambientalista do mundo e tem 1.300 membros, desde Estados soberanos a ONGs. Durante o evento, seus membros votarão uma moção para promover o fechamento dos mercados domésticos de marfim de elefante. “Toda oferta de marfim, incluídos os mercados nacionais legais, cria oportunidades para a lavagem do marfim ilegal sob uma aparência de legalidade”, denuncia a moção.
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Humanidade matou 144.000 elefantes em sete anos, 30% dos que restavam - Instituto Humanitas Unisinos - IHU