01 Setembro 2016
O grito da capa é realmente contundente: "Break the cross" [Quebrem a cruz]. Há a foto de um jihadista do autointitulado Estado Islâmico, que tem nas costas a bandeira do Califado, enquanto está envolvido em quebrar, no telhado de uma igreja, o símbolo da cristandade. E há a imagem, no artigo principal, no meio da revista, do Papa Francisco. Sob um título muito explicativo: "Nas palavras do inimigo".
A reportagem é de Marco Ansaldo, publicada no jornal La Repubblica, 30-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Esse é o número 15 da Dabiq, a revista oficial da "guerra santa", publicada todos os meses também em inglês. A ameaça ao Ocidente é expressada com linguagem bombástica e um pouco complicada: "Entre esta publicação da Dabiq e o próximo massacre que será executado contra eles pelos soldados escondidos do Califado – aos quais é ordenado que ataquem sem demora –, os cruzados podem ler por que os muçulmanos os odeiam e os combatem".
Mas, no artigo, chama a atenção, sobretudo, a veemência do ataque ao pontífice. Nenhum grupo jihadista jamais tinha feito algo parecido, nem a Al-Qaeda nem outras alas salafistas que, há 15 anos, lançaram uma guerra total contra o Ocidente. O confronto nunca tinha se focado contra o Vaticano, muito menos tinha se personalizado contra a figura do papa.
Agora, com o território do Califado sitiado, o Daesh levanta o tiro. E o faz com uma invectiva publicada poucos dias depois do assassinato do padre Jacques Hamel, o pároco de 86 anos, degolado na França por dois jovens, homicídio descrito nas páginas próprias.
A mensagem parece destinada principalmente às jovens levas europeias do IS. São sobretudo dois os filões: a sua defesa dos gays, tema que pode facilmente impressionar os aspirantes mártires do IS. E, acima de tudo, o incessante diálogo com o mundo muçulmano moderado. Veja-se, por exemplo, a iniciativa em relação aos líderes religiosos de Bangui, na África Central, onde, abrindo a Porta Santa ainda antes de Roma, no ano passado, o papa conseguiu trazer ao país novamente uma paz que parecia ser uma esperança perdida. E a trégua, hoje, continua mantida.
No artigo, Francisco é acusado de ter rezado pelas vítimas de Orlando, na Flórida, onde, na noite entre os dias 11 e 12 de junho, Omar Saddiqui Mateen, 30 anos, massacrou 49 pessoas dentro de uma discoteca frequentada por muitos homossexuais.
A linha do pontífice, segundo a revista, está "completamente em desacordo com a doutrina da sua Igreja". Para a Dabiq, se o papa reza por aqueles que foram mortos pelo agressor da Flórida, isso significa que o maior expoente dos "infiéis" se desloca para territórios ainda mais à deriva em relação à secularização em curso. "A homossexualidade é imoral", afirma-se. Encontramo-nos diante de "um ato de sodomia perversa".
Na imagem publicada, além disso, o bispo de Roma é retratado junto com Ahmed al-Tayeb, o imã da célebre universidade islâmica Al-Azhar, no Cairo. Ele também é rotulado como "um apóstata". Motivo: ter definido a religião cristã como "uma fé de amor e de paz". O artigo reforça o esquema proposto no ano passado, em setembro de 2015, pouco antes da visita de Francisco aos EUA. Aqui também a referência era à viagem de Bergoglio em novembro de 2014 à Turquia e ao seu encontro em Istambul com o Grande Mufti da Mesquita Azul. A legenda, naquele caso, dizia: "O apóstata e o chefe da Igreja cruzada". Portanto, não há espaço para os imãs moderados e dispostos ao diálogo. Porque são precisamente as aberturas de Bergoglio que assustam o Daesh, quase obrigado a elevar o nível do confronto e indicar novos inimigos.
Há ataques aos sufis moderados ("que imitam os cristãos"). Mas, em todo o número, paira o fantasma daquele convite inicial: "Quebrem a cruz, como disse o profeta Maomé". Depois, imagens dos massacres em Nice e nos Estados Unidos.
O editorial abre elogiando os "soldados mártires do Califado em Dhaka, na França e na Alemanha". Depois, fotos de um jihadista barbudo que segura um gato nos seus braços. Um sol nascente no meio dos campos de trigo. Uma árvore que se ergue no azul do deserto. Abelhas que voam ao redor do mel. A timidez das meninas muçulmanas ("que falta nas mulheres ocidentais").
Em seguida, na página 30, o título: "Por que os odeiam e por que os atacamos". Eis: "Odiamos vocês, em primeiro lugar e sobretudo, porque vocês são incrédulos: rejeitam a unicidade de Alá. Odiamos vocês porque as suas sociedades seculares e liberais permitem as coisas que Alá proibiu".
Segue-se um amplo artigo, intitulado: "Operações do Estado Islâmico", complementado com imagens sangrentas de carnificinas e massacres, com o número das vítimas e onde o Califado atacou, entre Filipinas, Bengala, Somália, Egito.
Depois, chega-se à seção reservada às entrevistas. Um testemunho é dedicado a Umm Khalid al-Finlandiyyah, proveniente de Helsinque, e que entrou para o Estado Islâmico.
As páginas finais se anunciam repletas de exclusividade. Há o "Top 10 dos melhores vídeos do Estado Islâmico", com a classificação das execuções de pobres presos, com o macacão laranja. E a coluna "Pela espada", com a cimitarra da justiça em ação e pessoas apedrejadas. Depois, crianças com menos de 10 anos que desfilam em uniforme militar, prontas para combater e matar ("a geração das batalhas épicas").
A última página é a imagem de uma cruz efetivamente quebrada. Objetivo alcançado. A Dabiq não é nova nesse tipo de exibição, embora este número (82 páginas) seja particularmente abominável. O lançamento da revista ocorreu em julho de 2014. A revista traz o nome da localidade ao norte da Síria considerada como o lugar em que vai acontecer o confronto final "entre muçulmanos e bizantinos". E que deverá levar, segundo os auspícios da revista, ao triunfo do Islã, abatendo o "inimigo" Francisco.
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"Quebrem a cruz": revista do IS ataca o papa, "um infiel" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU