24 Agosto 2016
Acusado de matar Sebastião Camargo com um tiro na cabeça, o ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Marcos Prochet, irá a júri popular em Curitiba no próximo dia 25.
A informação é publicada por Terra de Direitos, 23-08-2016.
O assassinato de Sebastião Camargo, em 1998 , não foi um caso isolado. O crime se dá num contexto de intensificação da repressão aos movimentos sociais de luta pela terra no Paraná, endossada pelo então governador Jaime Lerner, o “Arquiteto da Violência’’. Entre os anos de 1994 e 2002 – primeiro e segundo mandatos de Lerner – 16 trabalhadores rurais sem terra foram assassinados no Paraná.
Esse foi o primeiro de uma série de homicídios praticados com o envolvimento de milícias armadas. Acusado de matar Sebastião Camargo com um tiro na cabeça, o ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Marcos Prochet, irá a júri popular em Curitiba no próximo dia 25. O julgamento do latifundiário é emblemático: essa será a segunda vez que um ruralista vai ao banco dos réus pela morte de um trabalhador sem terra.
No período em que o Paraná foi governado por Jaime Lerner, o estado registrou, além dos 16 assassinatos de sem terra, 516 prisões arbitrárias, 31 tentativas de homicídio, 49 ameaças de morte, 325 feridos em 134 ações de despejo e 7 casos de tortura, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Uma característica em comum nestes casos é a demora injustificada e falta de isenção nas investigações e processos judiciais. Exemplo disso, o Inquérito Policial que investigou o assassinato de Camargo demorou mais de dois anos para ser concluído e o primeiro júri no caso foi realizado 14 anos depois do crime.
Em apenas dois, dos 16 casos, houve condenação: em 2011, Jair Firmino Borracha foi condenado pelo assassinato de Eduardo Anghinoni; em 2012, 2013 e 2014, respectivamente, Teissin Tina, Osnir Sanches, Marcos Prochet e Augusto Barbosa foram condenados pela morte de Sebastião Camargo. Até o momento, porém, nenhum deles foi preso. Prochet conseguiu anular, em 2014, o júri que o condenou e deve ir novamente a julgamento na quinta-feira próxima.
A ação de milícias armadas aparece como uma constante nas investigações dos despejos violentos e assassinatos por conflitos de terra no estado. Valmir Motta de Oliveira, conhecido como Keno, foi morto por pistoleiros em 2007, quando o MST ocupou a área da empresa Syngenta, em Santa Tereza do Oeste, para denunciar a transnacional pela realização de testes ilegais com transgênicos nas proximidades do Parque Nacional do Iguaçu. No Boletim de Ocorrência feito pela Polícia Militar, os pistoleiros informaram que foram contratados pelo Movimento de Produtores Rurais e a Sociedade Rural de Cascavel.
A condenação de Borracha foi a primeira relacionada a milícias armadas no Paraná, apesar do acusado ter negado em juízo a participação em grupos ilegais. Marcos Prochet esteve presente no julgamento, ao lado da família de Borracha, e na época declarou ao jornal Folha de S. Paulo que acreditava na inocência do pistoleiro.
A UDR também está diretamente relacionada a diversos assassinatos de trabalhadores sem terra no Paraná durante a década de noventa. Estima-se que quase cem pessoas – entre pistoleiros e autoridades da região – tenham participação no assassinato de Sebastião Camargo, apesar de não terem sido denunciadas.
Somente no Paraná, a UDR já respondeu oito ações perante a Justiça do Trabalho, movidas por “seguranças”, antes pistoleiros de milícias privadas, reivindicando pagamentos por serviços de “proteção” prestados a membros da entidade. A existência de provas contra os ruralistas do estado, entretanto, nunca garantiu justiça para os trabalhadores do campo. Os mandantes dos crimes raramente constam nos processos, o que evidencia de modo inconteste a seletividade do sistema penal brasileiro.
Caminhonete onde estavam trabalhadores sem terra foi alvejada de tiros pela Polícia Militar do Paraná (Foto: Júlio Carignano)
Além da falta de solução para os casos ocorridos na década de 1990, trabalhadores rurais sem terra continuam sendo assassinados.
Em abril deste ano, a Polícia Militar do governo Beto Richa matou dois trabalhadores sem terra do acampamento Dom Tomás Balduíno, em Quedas do Iguaçu (PR). O massacre que vitimou Vilmar Bordim e Leonir Orback foi protagonizado por agentes de grupos especiais da PM e seguranças privados da empresa Araupel.
Os assassinatos foram denunciados pela Terra de Direitos à Organização das Nações Unidas (ONU) em documento onde pede que se transmita ao governo brasileiro o pedido de investigações imparciais e medidas para evitar novas violações. O caso segue na justiça com possibilidade de ser investigado pela própria Polícia Militar, violando disposição expressa da Constituição Federal, que assegura a competência do júri para julgar os crimes praticados por militares contras civis.
O assassinato de Sebastião Camargo foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2000, pela demora injustificada no andamento do processo. Apesar do amplo material levantado acerca do assassinato, o processo criminal permaneceu em fase de instrução inicial e vários crimes prescreveram pela demora da investigação.
Em 2009, a CIDH apresentou na Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) o relatório de mérito do caso do assassinato do trabalhador rural Sebastião Camargo. A CIDH apontou a necessidade de uma investigação imparcial e efetiva do crime e acusou o Estado brasileiro de não cumprir disposições da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Outros casos que tramitam na CIDH são os de assassinato de Antonio Tavares Pereira (2003) e Sétimo Garibaldi (1998). Em 2009, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenou o Estado Brasileiro pela morte de Garibaldi. Mesmo assim, o caso segue com o inquérito policial arquivado.
Imagem: Terra de Direitos.
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Em 8 anos, 16 trabalhadores rurais foram assassinados no Paraná - Instituto Humanitas Unisinos - IHU