Por: André | 05 Agosto 2016
O Papa auspicia “soluções corajosas e concretas”. Uma delas começa a tomar forma: os ministros ordenados locais.
A reportagem é de Rafael Marcoccia e publicada por Tierras de América, 02-08-2016. A tradução é de André Langer.
A vasta extensão territorial do Brasil representa um enorme desafio para a Igreja. Calcula-se que aproximadamente 70 mil comunidades do país não celebram a Eucaristia de maneira regular. Um exemplo famoso é a diocese do Xingu (no Pará), a maior do mundo, cuja superfície é equivalente ao território da Alemanha e onde 800 comunidades são assistidas por apenas 27 sacerdotes. Nesta diocese, 70% das comunidades podem participar apenas três ou quatro vezes por ano da celebração eucarística.
Já faz tempo que no Brasil estão sendo debatidas possíveis soluções e em 2014 se disse inclusive que o Papa Francisco estava informado sobre a situação e tinha pedido “soluções corajosas e concretas”. Os que se ocupam diretamente do tema entenderam que o Papa estava decidido a ajudar a resolver o problema, não de maneira completa, mas especificamente em algumas regiões. Uma das propostas que foram feitas naquele momento foi tomando forma com mais força: os ministros ordenados locais.
Um dos responsáveis por esta proposta é o padre e teólogo brasileiro Antonio José de Almeida, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Almeida ocupa-se do tema dos ministérios na Igreja a serviço da vida e da missão das comunidades e conhece de perto muitas experiências de ministérios não ordenados na América Latina.
No final de abril passado, por ocasião do 16º Encontro Nacional de Presbíteros, promovido pela Comissão Nacional de Presbíteros e pela Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada, o padre Almeida publicou um artigo intitulado “Presbíteros Comunitários para as Comunidades sem Eucaristia”, no qual apresenta algumas ideias que estão sendo amadurecidas.
A proposta de Almeida, inspirada nas ideias de dom Fritz Lobinger, que esteve quase 50 anos na África do Sul, é “ordenar líderes, solteiros ou casados, profundamente radicados em comunidades eclesiais maduras. As comunidades eclesiais maduras são aquelas que possuem uma história de caminho eclesial e de vida comunitária, que contam com ministros não ordenados no âmbito da Palavra, do culto e da caridade, que sejam acompanhadas por presbíteros dedicados ao seu desenvolvimento e que estejam num processo de formação permanente, em comunhão com a Igreja local”.
Almeida propõe que estes dois tipos de ordenações recebem nomes diferentes: presbíteros e ministros ordenados locais. Os presbíteros continuariam sendo célibes e seriam enviados às paróquias da diocese, ao passo que os ministros ordenados locais serviriam somente à comunidade na qual vivem e poderiam estar inseridos na vida familiar e profissional. No caso de não terem trabalho ou o tivessem perdido, os ministros ordenados locais poderiam ser ajudados e mantidos pela comunidade, do mesmo modo que já mantêm alguns presbíteros. “Ambos são “presbíteros” pelo mesmo sacramento da ordem; ambos proclamam o Evangelho em nome da Igreja; ambos ministram os sacramentos; ambos conduzem a comunidade com e sob o bispo; ambos são ordenados para toda a vida”, explica a proposta. Mas, enquanto “os padres assistem uma vasta área e vivem em uma circunscrição pastoral mais ampla, os “ministros ordenados locais” vivem dentro da sua comunidade.
Dessa maneira, os ministros ordenados seriam eleitos diretamente por sua comunidade e não seria apenas um, mas um pequeno grupo de dois ou três. Por outro lado, o serviço à comunidade seria part-time. “O modelo não é a grande paróquia, territorial, anônima, completamente centralizada no pároco, onde tudo depende dele”. Estes ministros deveriam responder aos seguintes critérios: ser homens de comprovada fé e virtude, competentes e respeitados dentro de uma determinada comunidade.
Almeida considera que “ordenar presbíteros alguns dentre os líderes leigos que estão à frente das comunidades é a decisão mais acertada, pois o que se quer é dotar uma comunidade concreta de um presbítero próprio a partir do que já existe naquela comunidade, garantindo a relação ministro-comunidade. Não é um estranho, que vem de fora, mas um de dentro; não precisa inserir-se, encarnar-se, inculturar-se, pois pertence à comunidade, faz parte da sua história, tem a sua cara, o seu jeito”.
Portanto, o artigo afirma que não fala apenas de “viri probati” – homens casados que podem ser ordenados presbíteros –, mas também de “communitates probatae”, onde o acento está posto na comunidade. “Seria trágico se a Igreja ordenasse ‘viri probati’ sem um forte sentido de comunidade”.
As ideias apresentadas neste artigo encontram uma forte resistência dentro da Igreja brasileira. Mesmo que o problema seja percebido e compartilhado, as soluções que propõe não encontram muito consenso. Há uma forte objeção à ideia dos “viri probati”. Muitos acreditam que seja o começo do fim do celibato. Outros consideram que a proposta em si mesma discrimina os “viri probati”, porque, na sua opinião, haveria duas categorias de presbíteros, de primeira e de segunda classe.
Para dom Erwin Kräutler, bispo emérito do Xingu, “em primeiro plano não está a discussão do celibato, mas as comunidades impossibilitadas de celebrar a Eucaristia dominical”. E Almeida acrescenta: “Entre os presbíteros, sempre houve e sempre vai haver diferenças. Esta seria mais uma, e seria uma belíssima diferença. A Igreja terá que aprender a lidar com essas situações como aprendeu a lidar com outras situações ao longo da sua história”.
Em todo o caso, a CNBB autorizou uma comissão para refletir sobre a questão, constituída por dom Raymundo Damasceno, arcebispo de Aparecida, dom Claudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo, dom Walmor de Oliveira, arcebispo de Belo Horizonte, e dom Sérgio Castriani, arcebispo de Manaus. Já foram realizados alguns encontros, embora ainda não se tenha conseguido nenhum progresso significativo.
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Brasil. Muitas comunidades e poucos sacerdotes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU