Por: André | 20 Junho 2016
Nas comunidades católicas chinesas, dentro e fora de Xangai, não se fala de outra coisa: não caiu em saco furado o quinto artigo que Thaddeus Ma Daqin (foto), bispo católico da metrópole chinesa desde 2012, dedicou ao seu conhecido predecessor, o bispo jesuíta Aloysius Jin Luxian, no seu terceiro ano de falecimento e na iminência dos 100 anos de seu nascimento. Trata-se de uma espécie de longo ensaio em capítulos, difundido e publicado desde março deste ano, e seu “capítulo” mais recente apareceu na rede em 12 de junho passado. O bispo Ma volta a enfrentar seu caso pessoal, com palavras e argumentos que provocarão uma longa sucessão de perguntas e discussões animadas.
Fonte: http://bit.ly/1PzUYlo |
A reportagem é de Gianni Valente e publicada por Vatican Insider, 17-06-2016. A tradução é de André Langer.
Os aparelhos chineses impediram que Thaddeus Ma Daqin (de 47 anos) exercesse de maneira apropriada seu ministério pastoral, desde que ele, apenas eleito bispo auxiliar em 07 de julho de 2012 com o consenso “paralelo” da Santa Sé e do governo de Pequim, declarou publicamente, ao final de sua ordenação episcopal, a intenção de abandonar as responsabilidades que até aquele momento tinha nos organismos “patrióticos” dos quais se serve a política religiosa governamental, para dedicar-se exclusivamente ao seu ministério pastoral.
Essa declaração foi interpretada pelos funcionários que se ocupam das políticas religiosas na China como uma bofetada e uma traição. A partir deste momento, ele se viu obrigado a viver em um estado de residência “vigiada” no seminário de Sheshan; desde então o bispo Ma não celebrou missas em público. O Colégio dos bispos chineses (organismo também dirigido pelo poder civil e não reconhecido pela Santa Sé) castigou-o cassando-lhe a autorização para desempenhar seu ministério episcopal e com uma suspensão de dois anos do exercício público do sacerdócio. Esta medida punitiva terminou em junho de 2014.
Desde então, não houve nenhuma mudança importante na condição de Ma Daqin, ao passo que a diocese de Xangai, sem um guia episcopal, viu piorar sua condição de “impasse”, caracterizada por divisões no clero diocesano: os seminários e os noviciados estão parados, assim como a editora diocesana, não foram feitas novas ordenações sacerdotais e há dificuldades para a administração das confirmações.
Nestes anos, o único instrumento de que Thaddeus Ma Daqin dispôs para entrar em contato com os fiéis foi seu blog, muito seguido nos setores eclesiais chamados “clandestinos”, isto é, aqueles que tratam de manter distância da política religiosa governamental e que até há alguns dias consideravam o doloroso caso do bispo de Xangai como emblema de “resistência” frente às condições impostas pelos aparelhos políticos à vida da Igreja.
Agora, justamente o blog de Ma Daqin parece ter-se convertido em uma pedra no sapato e em sinal de contradição para alguns setores da comunidade chinesa. Neste púlpito digital, o bispo de Xangai contou, em setembro do ano passado, o seu sonho de um aperto de mãos entre o Papa Francisco e o presidente Xi Jinping (quando ambos se encontravam nos Estados Unidos). Em seu blog, em março deste ano, Ma Daqin escreveu uma série de longas e densas reflexões sobre a figura de seu predecessor, o bispo jesuíta de Xangai Aloysius Jin Luxian (1916-2013).
Em seu conjunto, este longo texto escrito em cinco partes também é uma espécie de manifesto: recordando o seu predecessor, Thaddeus retomou as intuições mais fecundas expressadas pelo grande bispo jesuíta sobre os critérios que conviria ter presente nas relações entre a Igreja católica e a sociedade chinesa. E, seguindo os passos de seu predecessor Jin, também descobriu no grande tesouro da Tradição e da história eclesial critérios para orientar o caminho do catolicismo chinês no presente, enquanto estão em processo de reformulação suas relações com a atual liderança político-cultural do ex-Império Celeste.
Em algumas passagens destes textos, as reflexões que o bispo Thaddeus publicou na internet para recordar Jin propõem um olhar além do horizonte das dialéticas simplistas nas quais normalmente se restringe o catolicismo chinês. Como quando o bispo, que não pode desempenhar suas funções, indica como modelo para o desejado encontro entre o Vaticano e a cultura chinesa os Padres da Igreja Ambrósio, Justino e Agostinho, que encontraram caminhos eficazes e fecundos para propor o anúncio cristão no contexto cultural e político do império romano e de sua decadência. Mas depois, o que mais chamou a atenção e o que desencadeou muitas reações foi o último post da série, publicada em 12 de junho passado.
Nela, ao referir-se particularmente a Xangai, Ma Daqin avalia os resultados que Jin obteve na direção da diocese, inclusive em virtude do seu “modus operandi” de colaboração com a Associação Patriótica. E recordou também a complicada e dolorosa situação em que ele mesmo se encontra. Entre outras coisas, disse que era “pouco sábia” a decisão de renunciar à Associação Patriótica justamente no dia da sua ordenação episcopal. E dá a entender que esse gesto foi fruto de algumas pressões “externas”, que o levaram a dizer palavras e a fazer gestos “incorretos” para com a Associação Patriótica, cujo papel seria, segundo sua própria definição, “imprescindível” no atual status da Igreja na China. Por isso, o bispo Ma se disse “interiormente inquieto” por ter prejudicado “o excelente processo de desenvolvimento da Igreja em Xangai, que o bispo Jin construiu em um longo período”. E indicou também o desejo de poder fazer gestos concretos para “corrigir os erros”.
Essas passagens do texto em que o bispo Ma se refere aos “erros” que cometeu em sua relação com a Associação Patriótica provocaram diversas perguntas nos ambientes eclesiais dentro e fora da China. Há quem se pergunte qual poderia ser o eventual objetivo de uma postura tão clara. Enquanto isso, setores e analistas da blogosfera católica que antes exaltavam Ma Daqin, como se fosse um herói da resistência às políticas religiosas chinesas, começam a entoar sentenças para condenar o suposto novo “traidor” que se vendeu ao inimigo.
Ao não contar com informações confiáveis, convém levar em conta alguns elementos e fatores objetivos que podem desenhar o seu caso desde o seu início até as últimas notícias.
Antes de ser ordenado bispo, Thaddeus estudou no seminário diocesano de Sheshan e costumava tratar com o poder político em virtude dos encargos que tinha em uma diocese que, sob a direção “oficial” do bispo Jin (consagrado em 1985 sem o consenso da Santa Sé, que o “legitimou” em 2004), sempre privilegiou o diálogo com as autoridades civis, em vez do confronto. Durante os anos do episcopado de Jin, a local Associação Patriótica dos católicos chineses em Xangai sempre esteve em boa sintonia com o bispo. A própria eleição do jovem Thaddeus como sucessor ‘in pectore’ de Jin como bispo da diocese foi feita com o consenso dos órgãos patrióticos e em absoluta comunhão com o Bispo de Roma.
No post publicado no dia 12 de junho, o próprio Ma Daqin lembra ter participado de pequenas e grandes iniciativas em colaboração com a Associação Patriótica. Durante a sua ordenação, sua intenção de querer abandonar sua colaboração direta com os organismos patrióticos foi, talvez, interpretada de maneira exagerada tanto pelos aparelhos governamentais como por aqueles que a exaltaram imediatamente como um gesto com o qual recusava as políticas religiosas chinesas.
Outro dado objetivo, reconhecido implicitamente no texto de Ma, é a situação de sofrimento geral no qual a diocese de Xangai caiu após a morte de Jin Luxian e as duras medidas punitivas aplicadas ao seu sucessor. O artigo de Ma poderia representar uma tentativa – mais ou menos feliz, mais ou menos “sugerido” ou “acordado” – de sair da paralisia e criar as condições para que a Igreja de Xangai possa retomar seu caminho ordinário; às vezes, o ótimo (ideal que não leva em conta a realidade histórica) pode ser inimigo do bem possível no presente.
Seja como for, os sofrimentos apostólicos vividos pelo jovem bispo merecem todo o respeito, toda a compreensão e toda a proximidade daqueles que se preocupam em anunciar o Evangelho na China. Os post e as reflexões publicados durante estes anos em seu blog muitas vezes deram a impressão de uma espiritualidade amadurecida, mais acesa durante o tempo do isolamento. Da sua casa no seminário de Sheshan, “postando” orações e comentários na rede, Ma Daqin deu consolo a muitos fiéis, e assim, do jeito que podia, também guiou a sua diocese. A missão que Cristo encomendou à Sua Igreja, às vezes, pode proceder no mundo mediante caminhos semelhantes, paradoxais e misteriosos.
Em primeiro lugar, para compreender o caso de Ma Daqin, devemos ter isso em conta. E devemos reconhecer que somente um olhar agudo que saiba descobrir e seguir o dinamismo próprio da vida apostólica por seus caminhos sempre novos poderia fazer com que amadureçam bons frutos para a vida dos cristãos chineses, mediante o renovado diálogo entre a Santa Sé e o governo de Pequim.
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O blog do bispo chinês de Ma Daqin e o mistério da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU