16 Junho 2016
A discussão sobre mudanças climáticas foi o foco do encontro no qual jovens coletores apresentaram as pesquisas realizadas em suas comunidades sobre os efeitos do clima na região do Xingu Araguaia (MT)
A reportagem é de Isabel Harari, publicada por ISA, 15-06-2016.
Jovens indígenas, agricultores familiares e residentes urbanos da região Xingu Araguaia, no Mato Grosso, participaram de encontro para articular conhecimentos sobre os efeitos das mudanças climáticas sobre o ambiente e a vida em suas comunidades. O 2º módulo do curso Sementes Socioambientais, realizado pela Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX), aconteceu entre os dias 3 e 5 junho em Nova Xavantina (MT) e teve como tema norteador a produção e qualidade das sementes florestais e como essa atividade tem sido afetada pelas mudanças do clima. Para isso, os jovens levantaram informações junto aos mais velhos de suas comunidades.
Calendário feito por Katuma Ewoera mostra os ciclos da natureza |Guaíra Maia
No primeiro módulo, que aconteceu em abril deste ano , os jovens pesquisadores, que hoje são 14, buscaram entender o funcionamento da floresta e como os ciclos fenológicos (que dizem respeito à reprodução das plantas) têm se modificado ao longo do tempo por conta das alterações do clima. A percepção dessas mudanças é um tema recorrente no universo de trabalho do coletor, que tem sentido os efeitos em diversos níveis – no planejamento da coleta de sementes, que se tornou mais difícil com as mudanças dos períodos de floração, frutificação e maturação dos frutos, por exemplo.
“Nós coletores vivemos da natureza, da floresta. Então a gente tá, sim, preocupado com as mudanças climáticas. Se uma árvore parar de produzir, ou produzir frutos que não têm muita qualidade, vai prejudicar diretamente o nosso trabalho, que é mais que um trabalho, é um modo de vida”, explica Milene Alves, jovem coletora e responsável pela Casa de Sementes de Nova Xavantina.
O engajamento dos jovens no trabalho da Rede de Sementes do Xingu, que hoje conta com 420 coletores e atua em 17 municípios, vem no sentido de buscar novas alternativas para se adaptar às mudanças provocadas pela alteração no clima e que são agravadas pelo desmatamento e impactos do agronegócio na região. “Os jovens têm um olhar diferenciado, eles conseguem relacionar com mais facilidade os conhecimentos da cultura local e tradicional com a perspectiva de inovações, tecnologias, novos conhecimentos, o que é essencial pra conseguirmos buscar alternativas frente as mudanças climáticas”, avalia Danilo Ignacio de Urzedo, responsável técnico da ARSX.
Percepções das mudanças
Em conjunto com as comunidades, os pesquisadores preencheram o calendário socioecológico da comunidade e fenológico para registrar o ciclo de produção dos sementes e identificar os sinais do tempo que caracterizam essas diferentes etapas. Anderson Righi, que vive no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Bordolândia, se surpreendeu com o engajamento dos coletores mais velhos, que foram consultados pelos jovens: “Eles foram falando e eu também me animei, comecei a me soltar e perguntar mais! E isso fortaleceu toda a comunidade. É interessante que eles mesmos falaram que precisava dessa observação, não fui em quem falou pra eles. Despertou isso neles, em mim também”.
A partir do olhar sobre os calendários, os jovens identificaram mudanças nos padrões dos frutos e indicadores de tempo – como chuva, seca, manifestações de insetos e outros animais. Essas mudanças interferem na delicada cadeia de produção: o aumento do calor, por exemplo, facilita a perda de controle nas queimadas de roça (agravado pela falta de chuva), altera os horários de coleta e o tempo de maturação dos frutos, além de dificultar o manejo das sementes que podem estar mais infestadas com a proliferação de fungos e insetos. “É uma cadeia, um ciclo, se quebrar em alguma parte vai interferir em todo o resto”, diz Milene.
Oreme Ikpeng, da aldeia Moygu, no Parque Indígena do Xingu, conta que a produção de mandioca, alimento essencial para seu povo, sofreu alterações por conta do aumento do calor. Tradicionalmente plantada no mês de setembro, no ano anterior a roça só vingou em outubro, atrasando a produção do polvilho. “E por que se produz polvilho nesse mês? Porque é quando tem a flor da mamoninha, ela tem néctar que atrai um monte de insetos. Então quando for produzir polvilho ele não vai ser atacado pelas abelhas, que vão estar concentradas no néctar da mamoninha. Mas se você fizer o polvilho depois, as abelhas não têm o que comer e vão atacar o seu polvilho. Sem polvilho a gente tem que comprar na cidade, que é caro e a gente não sabe o que tem dentro…”.
Restauração
As sementes coletadas pela Rede de Sementes do Xingu já possibilitaram a restauração de mais de 3.500 hectares de áreas degradadas na região Xingu Araguaia, recuperando centenas de nascentes e matas de beira de rio da região. Ainda assim, o desmatamento é uma realidade na região, trazendo inúmeras consequências para o meio ambiente e aumentando a intensidade das mudanças no clima. “As pessoas se dizem preocupadas com as mudanças climáticas, mas se estivessem tão preocupadas não desmatavam, é como sentir dor e não tomar remédio”, alerta Milene.
Anderson Righi levou os conhecimentos adquiridos no curso, centrados no manejo com as sementes florestais, para o assentamento em que vive e aplicou-os no trato com as sementes agrícolas para promover a restauração: “O reflorestamento é o nosso foco. A muvuca [técnica que mistura diversas sementes para o plantio] é algo diferenciado, ajuda muito! Hoje plantamos feijão de porco, caju, tudo que ajuda na recuperação do solo. E eu me pergunto, pra que tanto desmatamento? O que vai ser do nosso mundo? A gente é assentado, sofremos pra ganhar a terra, agora estamos tentando ajudar”. Essas questões permearam a maioria das falas dos jovens coletores.
Agentes multiplicadores
Para o próximo módulo os jovens vão aprofundar a pesquisa sobre as percepções das mudanças climáticas, focando nas experiências comunitárias de produção e qualidade das sementes, envolvendo os problemas na coleta, beneficiamento e armazenamento. Mais do que coletar informações com os mais velhos para continuar o trabalho, os jovens têm a importante tarefa de passar o conhecimento adquirido no curso e envolver mais pessoas das comunidades no tema das mudanças climáticas.
Até o fim deste ano está previsto mais um módulo do curso, abordando temas relacionados com a gestão, a restauração e o manejo florestal no cenário de mudanças do clima. Em novembro acontecerá a II Gincana Cultural da Rede, onde os jovens pesquisadores poderão apresentar os resultados finais de sua pesquisa para outros jovens de suas comunidades. Todo o material será incluído em uma página especial interativa, disponível em breve no site da Rede de Sementes e no site do ISA.
O projeto com os jovens da Rede conta com o apoio do Instituto Bacuri, da Manos Unidas, do Environmental Development Fund (EDF), da Fundação Moore, do Fundo Vale e do Fundo Amazônia.
Saiba mais sobre a Rede de Sementes do Xingu.
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‘O que vai ser do nosso mundo?’, querem saber os jovens da Rede de Sementes do Xingu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU