26 Abril 2016
O Vaticano suspendeu uma auditoria sobre suas contas a ser feita por uma importante empresa contábil num movimento que levantou dúvidas sobre o compromisso da Igreja em organizar as suas finanças. Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, disse que se interrompeu a auditoria da PricewaterhouseCoopers por causa de pendência em “certos aspectos” do acordo auditorial.
A reportagem é de Stephanie Kirchgaessner, publicada por The Guardian, 21-04-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Esta decisão surpresa expôs um racha profundo entre a velha guarda da Igreja – burocracia italiana poderosa resistente a uma maior transparência – e os apoiadores das reformas financeiras, liderados pelo cardeal australiano George Pell. Pell, figura polêmica do alto escalão, foi escolhido pelo Papa Francisco para conduzir as reformas da Igreja neste setor.
Há muito tempo as finanças da Santa Sé são vistas como um mistério, com o próprio Pell reconhecendo em 2014 que “centenas de milhões de euros” foram descobertos e que não apareciam nos balancetes da cidade-Estado.
Em 2014, quando o australiano foi escolhido para ser secretário da Economia, uma nova função no Vaticano, Francisco defendeu um plano de adoção dos padrões mundialmente aceites de contabilidade bem como melhores controles internos, uma maior transparência e governança das amplas finanças da Igreja. Isso incluía uma decisão de autorizar “especialistas importantes e experientes” no campo da administração financeira a ajudar na gestão e supervisão.
Mas aquilo que foi visto como a primeira reforma estrutural importante do papado de Francisco está enfrentando ventos contrários, apesar de uma recente onda de revelações embaraçosas sobre a suposta má gestão dos fundos religiosos por parte de algumas autoridades vaticanas, incluindo alegações publicadas em dois livros também recentes que descrevem padrões de vida luxuosos por membros do clero em Roma.
Na semana passada, o Vaticano se viu forçado a confirmar que a auditoria fora suspensa depois que vazou a notícia de que um arcebispo chamado Angelo Becciu escrevera, em 12 de abril, uma carta a cada uma das entidades vaticanas a serem auditadas anunciando uma pausa nos procedimentos. A carta de Becciu instruía que a empresa de auditoria PricewaterhouseCoopers (ou PwC) havia recebido uma autorização para coletar informações financeiras, porém tal autorização, dada por Pell, havia sido revogada.
O departamento de Pell disse que este ficou um pouco surpreso com a carta de Becciu e que esperava que em breve a auditoria fosse retomada tão logo se esclarecessem alguns pontos.
Uma pessoa familiarizada com o tema no Vaticano, que pediu para não ser identificada, disse que a luta em torno da auditoria da PwC apontava para uma luta de poder mais ampla entre as altas autoridades vaticanas que queriam garantir que os detalhes das finanças da Igreja não fossem expostos à análise externa e aos que buscam implementar reformas. A carta foi enviada a pedido do cardeal italiano Pietro Parolin, secretário de Estado.
Os que se opuseram à auditoria supostamente estariam preocupados com que o Vaticano fosse se expor demais a uma tal análise externa, levantando também dúvidas sobre se empresa contábil manteria sob sigilo sobre as informações coletadas.
Esta situação também reflete dúvidas e especulações a respeito do futuro de Pell dentro da hierarquia. O prelado australiano foi nomeado para ser a principal autoridade financeira da Igreja pelo Papa Francisco na sequência de sua eleição em 2013. Em Roma, Pell é visto pela burocracia italiana como uma figura indelicada e invasora.
Mas uma polêmica em separado relacionada com a história de Pell na Austrália e acusações de que ele ignorou abusos sexuais generalizados de menores em sua cidade natal Ballarat nas décadas de 1970 e 1980 abriram as portas para que os seus críticos na Itália pusessem em dúvida se ele, Pell, vai (ou não) manter-se no cargo.
Em 8 de junho, o cardeal completará 75 anos, quando, segundo as regras da Igreja, deverá submeter o pedido de renúncia. Não se sabe se a sua renúncia será aceita pelo papa. O período à frente da secretaria que ele coordena deveria ser de cinco anos, o que manteria Pell no posto até 2019, porém um artigo no jornal Italia Oggi desta semana sugeriu que Pell vá sair do cargo, e que a sua saída também conduziria à saída de Jean Baptiste de Franssu, executivo francês trazido por Pell para supervisionar o Banco Vaticano.
O Papa Francisco se reuniu com Pell na quinta-feira, dia 21-04-2016. Nenhum detalhe do encontro foi informado.
Em uma Igreja onde movimentos políticos podem ser de difícil interpretação, a decisão de cancelar a auditoria em curso poderia ser vista como uma tentativa de sinalizar que Pell está de saída. Acrescentando à intriga, o experiente analista do John Allen Jr. disse, em reportagem publicada no sítio católico eletrônico Crux, que Parolin discutiu as suas preocupações com a auditoria da PwC com o Papa Francisco e que Francisco, muito provavelmente, aprovou a carta de Becciu.
Edward Pentin, jornalista que cobre o Vaticano para o sítio conservador National Catholic Register, que apoia os esforços reformistas de Pell, disse: “Está ficando claro que o rigor da auditoria, numa tentativa de elevar a transparência financeira aos níveis internacionais, está enervando alguns no Vaticano”.
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Suspensão de importante auditoria no Vaticano expõe racha interno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU