Por: André | 25 Fevereiro 2016
“Deus pedirá contas aos escravistas dos nossos dias e nós devemos fazer todo o possível para que estas situações não se repitam mais”. Estas são palavras do Papa Francisco e ditas em sua recente visita ao México, pronunciadas perante milhares de empresários e operários da fronteira. Fez isso em Ciudad Juárez, Chihuahua, um dos grandes epicentros de violência e discriminação do mundo.
Fonte: bit.ly/21fV5gp |
É precisamente aqui, em Ciudad Juárez, onde desenvolve o seu trabalho Nixa Nieto (foto), venezuelana de 47 anos, 27 anos dos quais como irmã oblata do Santíssimo Redentor. Cada semana, tanto de dia como de noite, Nixa, junto com duas irmãs de sua comunidade e um grupo de 16 voluntários e voluntárias, sai às ruas para oferecer saídas para todas as mulheres que se prostituem nesta cidade mexicana.
Não é a primeira vez que ela o faz. Antes de chegar ao México, Nixa já percorria as ruas de diferentes localidades da Venezuela e da Colômbia para encontrar-se com as mulheres da prostituição e oferecer-lhes um novo horizonte.
Durante a sua passagem pela Espanha, por ocasião da ordenação de seu irmão como sacerdote em Huesca, ela nos dá a oportunidade de conhecer como é a vida de alguém que, como disse Francisco, “faz o possível para que estas situações não se repitam mais”.
A entrevista é de Alejandro Palacios e publicada por Religión Digital, 23-02-2016. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Desde quando a Congregação das Oblatas do Santíssimo Redentor tem este projeto em Ciudad Juárez?
A congregação começou em Ciudad Juárez o projeto 'Libertação da mulher em situação de prostituição' em 2008. Mas, nesse mesmo ano, a situação tornou-se crítica e tivemos que deixar a cidade. Em 2010, voltamos e formamos a comunidade atual.
Vocês trabalham com as mulheres em situação de prostituição e com seus filhos. Como é o trabalho com as crianças em um ambiente de violência?
Ajudamos cerca de 35 crianças, filhos de mulheres em situação de prostituição, com diferentes programas de alfabetização e tarefas educativas. Além disso, fomentamos atividades esportivas, oferecemos apoio psicológico e também os educamos para valores e na fé.
São meninos e meninas que vivenciaram situações muito complicadas. Em muitos casos foram vítimas de violações por parte de seus padrastos ou de “clientes” de suas mães. Há, inclusive, casos de crianças violadas por membros de sua própria família. Procuramos educá-las para que no futuro consigam um trabalho digno, em outro ambiente diferente daquele em que viveram.
Em relação às mulheres, como é o processo de entrar neste mundo e encontrar-se com elas?
Em primeiro lugar, as irmãs, junto com os voluntários e voluntárias, percorremos as ruas do centro de Juárez para entrar em contato com as mulheres. Falamos com elas e as convidamos para venham um dia para a casa para conhecer o projeto. A decisão de vir nasce delas.
Uma vez na casa, explicamos para elas o nosso projeto. Desde planos de alfabetização, pois muitas não sabem ler nem escrever, até a possibilidade de formar-se em artes e ofícios para conseguir um emprego que lhes proporcione uma alternativa à prostituição. Algumas até conseguiram fazer um curso universitário.
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A maior alegria é ouvi-las dizer, quando saem do projeto: “Sim, irmã, posso fazer outra coisa”. E isso que muitas acabam trabalhando nas “maquilas” (fábricas norte-americanas de manufaturas), onde trabalham o dia inteiro para ganhar uma miséria, mas compreendem que é melhor do que esse modo de vida.
Para que nos façamos uma ideia de como são estas mulheres: qual é o seu perfil?
Atualmente, trabalhamos com 30 mulheres de diversas idades. Mulheres que exercem a prostituição porque não lhes resta outra opção; outras o fazem porque sua avó e sua mãe antes o faziam e não conhecem outra realidade; algumas são obrigadas por seu próprio parceiro... Há de tudo.
Quais são as principais dificuldades que vocês encontram no trabalho com elas?
Temos desde os donos de alguns hotéis que nos impedem de nos aproximar delas, pois representamos uma ameaça para o seu negócio, até a falta de constância em continuar com o projeto de algumas mulheres. A falta de motivação das mulheres é o mais duro. Muitas acreditam que não prestam para fazer outra coisa e inclusive há alguns casos em que é o próprio parceiro que diz que elas não servem para nada. A falta de auto-estima e motivação que elas têm é uma das grandes barreiras que devem superar.
Neste ambiente, como você vive a sua vocação como irmã oblata?
Lembro que quando fiz a profissão dos meus primeiros votos e saí ao campo de trabalho na Venezuela foi como um segundo batismo. Tomando consciência do trabalho da congregação e vendo nesta realidade a Deus, você tira força para o trabalho, pois sabe que tudo o que faz é para Deus.
É possível ver Deus em um ambiente tão extremo?
Claro! Deus está naquele que sofre. Elas têm um Deus libertador do seu lado, que as acompanha em sua vida e quer oferecer-lhes uma saída. Estamos diante de um Deus que escuta as mulheres, convida-as para uma vida melhor e não as deixa sozinhas...
E elas veem assim a Deus?
Sim. Para as mulheres, ao falar, Deus sempre vem em primeiro lugar. Elas sempre repetem: “Deus não falha comigo”. E a maioria se encomenda a Deus antes de sair para a rua. Para que tenha uma ideia, havia uma mulher em nosso projeto que tinha sete filhos. No dia em que seus filhos quiseram se batizar foi o dia mais feliz para ela, pois, com suas palavras, “havia conseguido aproximar seus filhos de Deus”.
Como vê o futuro da prostituição em Ciudad Juárez?
Difícil. Cada ano há mais mulheres que se prostituem e cada vez são mais jovens. Algumas, menores de idade, se pintam para parecerem mais velhas. A raiz está na pobreza, essa é a principal razão. E, evidentemente, o consumo de drogas, pois prostituição e drogas andam juntas em muitos casos.
Para finalizar, de onde você tira a força para continuar neste ambiente tão complicado e difícil?
Nos momentos difíceis eu gosto de recordar a passagem da Bíblia em que Moisés é chamado por Deus para libertar o seu povo, porque somos chamadas para caminhar com este povo, com estas mulheres e acompanhá-las. Ser as transmissoras da mensagem de Deus às mulheres em situação de prostituição e guiá-las para a Terra Prometida de sua própria libertação.
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“Deus pedirá contas aos escravistas dos nossos dias” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU