Por: Jonas | 23 Fevereiro 2016
Sem rodeios, direto e à cabeça, o Papa Francisco (foto) foi incomumente duro em seus discursos. Falou de corrupção e desigualdade, de falta de oportunidades e dor, de abandono e crimes contra os mais fracos. Deu nome aos culpados por tanto abuso, negligência e exploração: são as elites. São os políticos, os empresários, os narcotraficantes e criminosos e, também, a Igreja, sua própria Igreja. No entanto, deixou uma dívida: não oportunizou um encontro com os pais dos 43 [estudantes desaparecidos].
Fonte: http://goo.gl/hV8aXt |
A reportagem é publicada por Sin Embargo, 18-02-2016. A tradução é do Cepat.
Em seus cinco dias no México, o Papa Francisco criticou a elite mexicana pela falta de justiça e paz que o país padece, exigiu que os bispos façam mais para aliviar o sofrimento dos fiéis nas mãos dos traficantes e da corrupção e, explicitamente, evitou os luxos da capital para visitar lugares muito mais modestos.
Embora os papas costumem fazer críticas sutis em suas visitas pelo mundo, Francisco parece ter ido além em suas apreciações ao país anfitrião. Para alguns observadores, o Pontífice claramente sente que tanto a Igreja, como o governo, falharam com os mexicanos.
“O Papa literalmente acredita que o demônio anda solto no México, semeando a morte, a miséria e a sujeição, e acredita que Estado, Igreja e narcotraficantes foram cúmplices nisto”, disse Andrew Chesnut, diretor de estudos católicos da Universidade Virginia Commonwealth, a The Associated Press. “Acredita que o México, com a segunda população católica do mundo, vive uma aguda crise moral e política, e que a Igreja precisa se tornar agente ativo (para) construir um México mais justo”.
Francisco é um jesuíta que com frequência pede para fazer “exames de consciência” diante de Deus.
Nos dias de sua visita, iniciada em 12 de fevereiro, o Pontífice teve mensagens para diferentes setores sociais, incluindo políticos, religiosos, indígenas, jovens e imigrantes.
Durante a mesma cerimônia de acolhida que lhe foi oferecida pelo presidente Enrique Peña Nieto, no dia 13 de fevereiro, no Palácio Nacional, o Papa lançou alguns afiados dardos contra políticos e servidores públicos.
“Toda vez que buscamos o caminho de privilégio e benefício a uns poucos em detrimento ao bem de todos, cedo ou tarde, a vida em sociedade se torna terreno fértil para a corrupção, o narcotráfico, a exclusão das diferentes culturas, a violência e, inclusive, o tráfico de pessoas, o sequestro e a morte”, afirmou.
CONTRASTES: Quando chegou ao aeroporto de Ciudad de México, foi recebido por seletos convidados. Francisco caminhou por um imponente tapete vermelho, mas não demorou a se desviar dali para se aproximar das pessoas que lhe pediam a bênção. Foi a pauta de sua viagem: ir ao encontro dos que estão fora do tapete vermelho.
PERIFERIAS: Foi às regiões que são um espelho das penúrias do México. Esteve no populoso e deprimido subúrbio de Ecatepec, no Chiapas dos indígenas pobres e marginalizados, na cidade de Morelia, capital de um estado submetido às redes do narcotráfico e onde os jovens são sua carne de canhão, em Ciudad Juárez, símbolo da violência e do drama dos imigrantes. Também visitou presos, anciãos e enfermos.
REPREENSÃO AOS PODEROSOS: Os políticos, líderes econômicos e os bispos tiveram que ouvir várias críticas. À classe dirigente, Francisco advertiu que o benefício de uns poucos, excluindo as maiorias, cria um terreno fértil para a corrupção e o narcotráfico. E pediu aos bispos para não se comportarem como “príncipes” envolvidos em intrigas e distantes de seu povo.
O MÉXICO DESPIDO: Sorridente, amável e próximo, Francisco foi também uma aplanadora com suas palavras. Suas mensagens despiram um México de privilégios e falta de oportunidades, de pais e mães que choram por seus filhos levados pela violência, de indígenas desprezados, de uma natureza degradada, de jovens utilizados como mercenários pelo narcotráfico. Contudo, também deixou uma mensagem de esperança: “Nem tudo está perdido”, disse. “Atrevam-se a sonhar”.
PENDÊNCIA: Apesar de o assunto ter gerado expectativas no México, não houve reunião particular com os pais dos 43 estudantes desaparecidos no sul do país, que haviam pedido uma audiência. Só foram convidados para uma missa em Ciudad Juárez, onde lhes reservaram três lugares, mas eles decidiram não ir. “Não há condições para participar”, disse Melitón Ortega, porta-voz das famílias.
O PAPA IRRITADO: O Papa não foi só sorriso. Uma pessoa o desequilibrou ao final de um ato com jovens, em Morelia, enquanto cumprimentava as pessoas, e quase fez com que caísse sobre outra pessoa. Francisco endureceu o rosto e balançando a mão reclamou duas vezes: “Não seja egoísta”. O México também arrancou uma reprimenda do Papa da misericórdia.
NINGUÉM SE SALVA: No sábado, seu discurso diante da hierarquia católica foi limitado quanto a elogios. Francisco reconheceu sua contribuição para enfrentar o fenômeno da imigração, mas lhes pediu para ser verdadeiros pastores e não apenas fazer condenações genéricas.
“Não se necessita de príncipes, mas, sim, de uma comunidade de testemunhas do Senhor”, disse Francisco aos bispos. “Convido-lhes a se cansar sem medo na tarefa de evangelizar”, pediu.
A maioria dos bispos foi nomeada por João Paulo II, que para alguns preferiu favorecer a religiosos menos dispostos a desafiar a ordem estabelecida que a sacerdotes com um perfil mais ativista.
Francisco conhece bem a Igreja Mexicana: ele presidiu a Conferência Episcopal Latino-Americana quando foi arcebispo de Buenos Aires. E as falhas que encontrou aqui, uma afinidade com o poder e um respeito excessivo ao clero, são os mesmos problemas que criticou em seu próprio governo: a cúria do Vaticano.
Em um passado evento de natal, Francisco listou os sofrimentos do Vaticano, com o “Alzheimer espiritual” e o “terrorismo da fofoca”.
Em sua visita ao México, deixou sua posição inscrita no livro de visitantes de um seminário: os sacerdotes devem ser pastores de Deus, não “clérigos de Estado”, uma referência aos laços de proximidade entre vários hierarcas católicos com o governo.
Ao contrário, em seu discurso aos bispos dos Estados Unidos, em 2015, fez elogios pelo que fizeram contra os escândalos de abusos sexuais, algo que desatou duras críticas de grupos representantes de vítimas.
“Este decurso contrasta com suas viagens aos vizinhos Cuba e Estados Unidos, onde foi mais pastor e diplomata”, disse Andrew Chesnut. “Mais que um latino-americano se perguntará por que foi tão aberto no México e tão cauteloso em Cuba, onde a Igreja é relativamente reprimida e o governo é autoritário”.
Nesse momento, as mensagens do Papa começaram a ser acolhidas pelas pessoas.
No dia 15 de fevereiro, ao celebrar missa com comunidades indígenas em San Cristóbal de las Casas, Chiapas, Francisco lhes disse que “de modo sistemático e estrutural, seus povos foram incompreendidos e excluídos da sociedade”.
“Que tristeza! Que bem faria a todos nós fazer um exame de consciência e aprender a dizer: Perdão! O mundo de hoje, despojado pela cultura do descarte, precisa de vocês”, acrescentou.
A ESPERANÇA SÃO VOCÊS
Uma das mensagens da visita com maior ressonância foi a dirigida aos jovens, ontem, em um estádio de Morelia, capital de Michoacán.
A eles, o líder católico afirmou que “é mentira que a única forma de viver, de poder ser jovem, é deixando a vida nas mãos do narcotráfico ou de todos aqueles que a única coisa que fazem é semear destruição e morte”.
“Vocês são a riqueza deste país; quando duvidarem disso, olhem para Jesus Cristo, aquele que desmente todas as tentativas de torná-los inúteis ou meros mercenários de ambições alheias”, manifestou.
Com o clamor: “Não mais morte, nem exploração!, durante uma missa dedicada a imigrantes e vítimas de violência, o Papa encerrou, ontem à tarde, uma visita cheia de conteúdo ao México.
Durante a missa, celebrada em Ciudad Juárez, diante de centenas de milhares de pessoas, a apenas 80 metros da fronteira com os Estados Unidos, o líder da Igreja católica denunciou a “tragédia humana” daqueles que se veem obrigados a se deslocar, “expulsos pela pobreza e a violência”.
O Papa deixou um gesto para a história: rezou na fronteira entre o México e os Estados Unidos pelos imigrantes mortos. Frente a uma cruz colocada em uma plataforma que mirava para o norte, abençoou centenas de pessoas que o viam do lado estadunidense. Também abençoou três cruzes pequenas, sendo que em uma delas havia alguns tênis desgastados na base. O gesto aconteceu antes da última missa de sua visita de cinco dias ao México.
Em seu caminho na busca de melhores condições e oportunidades, encontram “terríveis injustiças: escravizados, sequestrados, extorquidos, muitos irmãos nossos são fruto do negócio do tráfico humano”, disse Francisco, já na missa.
“E o que dizer de tantas mulheres a quem retiraram injustamente a vida!”, acrescentou o Pontífice, mencionando a onda de assassinatos que deram triste fama a Ciudad Juárez, nas últimas duas décadas.
Após expressar sua veemente rejeição à morte e a exploração associadas com a criminalidade, afirmou que “sempre há tempo para mudar, sempre há uma saída e uma oportunidade, sempre há tempo para implorar a misericórdia do Pai”.
“NÃO SÃO APENAS AS PRISÕES”
Previamente, ao visitar uma prisão na mesma cidade, disse diante de cerca de 700 detidos que “o problema da segurança não se esgota apenas aprisionando, mas, ao contrário, é um chamado a intervir enfrentando as causas estruturais e culturais da insegurança, que atingem todo o tecido social”.
Além disso, exortou-lhes a lutar de sua prisão para reverter as situações que geram exclusão. “Falem com os seus, contem sua experiência, ajudem a frear o círculo da violência e da exclusão”, disse.
Ao concluir a visita à prisão e antes de presidir a missa, o Papa teve um encontro com organizações de trabalhadores e representantes de câmaras e associações empresariais. Disse a eles que estão unidos pela responsabilidade de criar espaços de trabalho digno, “especialmente para os jovens desta terra”.
Destacou que “um dos maiores flagelos” aos quais os jovens estão expostos é a falta de oportunidades de estudo e de trabalho, “o que em muitos casos gera situações de pobreza”, que “é o melhor caldo de cultivo para que caiam no círculo do narcotráfico e da violência”.
Citando sua encíclica “Laudato Si’”, sobre a defesa do meio ambiente, Francisco clamou contra a mentalidade que coloca as pessoas “a serviço do fluxo de capitais, provocando, em muitos casos, a exploração dos empregados como se fossem objetos para usar e jogar”.
“Deus pedirá conta aos escravistas de nossos dias”, advertiu o Papa, e acrescentou que “é preciso fazer tudo o que for possível para que estas situações não ocorram mais”, exclamou.
Já em sua mensagem de despedida, nesta quarta-feira, em Ciudad Juárez, Francisco agradeceu “o carinho, a festa e a esperança” com que foi acolhido pelos mexicanos, e finalizou com uma mensagem de ânimo ao país, assediado pela marginalização de amplos setores e pela violência do crime organizado.
“A noite pode nos parecer enorme e muito obscura, mas nestes dias pude constatar que neste povo existem muitas luzes que anunciam esperança”, apontou.
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Agitando o México em cinco dias: o Papa repreende as elites - Instituto Humanitas Unisinos - IHU