Por: Jonas | 24 Fevereiro 2016
Mauricio Macri será recebido pelo papa Francisco no sábado, 27 de fevereiro, no Vaticano, sendo o primeiro encontro desde que o Presidente assumiu. Macri e Bergoglio são velhos conhecidos e se cruzaram várias vezes no tempo em que conviveram em Buenos Ayres, o primeiro como chefe de Governo e o atual pontífice como arcebispo da capital.
A reportagem é de Washington Uranga, publicado por Página/12, 21-02-2016. A tradução é do Cepat.
Ao anunciar a entrevista, a chanceler Susana Malcorra foi precisa ao definir a relação em termos “protocolares”, referindo-se ao Papa como um “chefe de Estado”. A declaração seguiu a linha da PRO (Proposta Republicana), que busca se diferenciar do governo anterior. Cristina Fernández se reuniu sete vezes com o Papa, em pouco mais de dois anos, a última vez em Cuba, em setembro. Todos os encontros foram rodeados de inocultáveis gestos mútuos de proximidade. Ao contrário, estima-se que a reunião do sábado transitará por caminhos muito mais formais, embora não isentos de cordialidade.
Há antecedentes recentes que abonam essa suposição. Na Casa Rosada ainda se vive o receio de que o Papa não tenha saudado com muito entusiasmo a chegada de Macri ao governo e as explicações protocolares oferecidas pela Conferência Episcopal não foram suficientes para acalmar o mau humor oficial. Também não ajudou o fato de Francisco ter designado o núncio apostólico no Paraguai, Eliseo Ariotti, para representá-lo nos atos de ascensão presidencial. Na PRO prefeririam que o delegado fosse uma autoridade mais elevada.
Não obstante, a partir da Chancelaria se deu início a um trabalho imediato em busca de uma audiência oficial. Naquele momento, a chanceler Malcorra continuava apresentando argumentos para explicar as diferenças de tratamento entre a presidente de saída e o novo presidente. “Com o Papa temos uma agenda rica em substância, não em fotos para as revistas do coração”, disse então a ministra. Nessas ocasiões, também foram alçadas vozes do catolicismo para destacar que o Papa “desperdiçou uma oportunidade” de fazer um gesto para Macri. Vários destes ocasionais críticos haviam sido até então firmes defensores de Bergoglio, mas então se mostraram decepcionados pelo que consideraram um “desdém” papal ao novo presidente, optaram pelo lado macrista e escolheram a reprovação ao Pontífice.
Enquanto isso, Macri nomeou Santiago de Estrada para a Secretaria de Culto, um velho conhecido da Igreja, homem de ideias conservadoras e um passado aparelhado com as ditaduras militares, em cujos governos prestou serviços. Ainda que a encarregada pelas relações com a Igreja no país não possa se alistar como uma pessoa próxima ao pensamento recitado por Francisco por todo o mundo, fiel a sua tarefa diplomática, a chanceler Malcorra continuou dizendo que “o Papa fixou uma agenda que está muito, muito próxima a do Presidente” e que, por este motivo, os dois conversarão sobre “pobreza, mudança climática e a crise dos refugiados”.
É certo também que quando a ministra fez estas declarações, Milagro Sala ainda não estava presa em Jujuy e o Papa não havia produzido o significativo gesto de lhe enviar um rosário abençoado, utilizando como mensageiro Enrique Palmeyro, um colaborador próximo ao Pontífice, que trabalhou em Scholas Ocurrentes. “Transmiti ao Papa o pedido de oração pela situação de Milagro Sala e a saudação do movimento, e ele me entregou o rosário abençoado para ela”, explicou Palmeyro. Para arrematar acrescentou que o Papa “está muito preocupado” com a sua prisão.
Jorge Lozano, o bispo presidente da Pastoral Social, embora tenha procurado gerar um fato na mesma linha, no entanto, esmerou-se em negar sua condição de “mediador” para obter a liberdade de Milagro Sala e, a todo momento, apresentou-se apenas como um “facilitador” do diálogo entre o Governo e a organização Tupac Amaru. Lozano, que foi auxiliar de Bergoglio em Buenos Aires, segue o estilo que o próprio Bergoglio tinha no arcebispado portenho e que, sem dúvida, era muito menos audaz e comprometido que o assumido agora por Francisco como pontífice.
Nos corredores da Chancelaria se amaldiçoava até em latim, comentando o presente papal a Milagro Sala. Como é lógico, não houve a partir dali uma reação formal frente ao fato. Porém, a vice-presidente Gabriela Michetti foi a encarregada de sair atravessando Bergoglio: “Calculo que considera Sala uma dirigente social que se dedicou a trabalhar pelas pessoas mais humildes. O que ocorre é que quando se sabe que está cercada de suspeitas por questões mais complicadas, também é preciso pensar que é uma questão mais controvertida”. Elisa Carrió foi mais além: “Não vou a Roma”, disse. Ninguém também confirmou que tivesse sido convidada. E para esclarecer seu conceito arrematou dizendo que “acredito nos bispos da Argentina, já não no Papa”. A esperança de Carrió coincide curiosamente com a opinião que muitos católicos progressistas possuem a respeito da hierarquia eclesiástica e que, desde a senda oposta, sustentam que os bispos argentinos continuam ancorados no passado e sem entender o que hoje, de Roma, Bergoglio está pensando.
O bispo Víctor Manuel Fernández, reitor da Universidade Católica Argentina e talvez o porta-voz extraoficial mais autorizado de Francisco na Argentina, criticou nas páginas de La Nación aqueles que “supõem que tudo o que o Papa diz ou faz possui uma mensagem meticulosamente pensada para a política argentina”. Destacando que o anterior “é o que se manifesta nas furiosas reações diante do gesto do Papa, ao enviar um rosário a Milagro Sala”. Acrescenta como explicação que a líder de Jujuy escreveu uma carta ao Papa e que Francisco, ao invés de lhe responder, “optou por enviar apenas um rosário, que é um instrumento para rezar, sem dizer mais palavras que implicassem em emitir uma opinião ou interferir em um processo judicial que não deixa de ser formalmente duvidoso em sua gestação”.
Em geral, os bispos se empenham em destacar que não fazem política. “Já contamos com várias décadas perdidas, pensando e acreditando que tudo se resolve isolando, afastando, aprisionando, abrindo mão dos problemas, acreditando que estas medidas solucionam verdadeiramente os problemas”, disse o Papa no México, após conhecer as afirmações de Michetti e Carrió. Certamente, os intérpretes vaticanos afirmarão que não existe relação alguma entre uma questão e outra.
Ainda que não se mencione Sala na conversa protocolar entre o Presidente e o Chefe de Estado do Vaticano, a situação da líder estará presente no ambiente da reunião. Para piorar, Macri decidiu politizar o encontro acrescentando em sua comitiva oficial a Roma os governadores peronistas Juan Urtubey (Salta) e Rosana Bertone (Tierra del Fuego), ambos dissidentes da Frente para a Vitória. Os meios de comunicação, hoje da situação e ontem opositores, haviam criticado severamente a ex-presidente Cristina Fernández por “politizar” seus encontros com o Papa integrando em sua comitiva funcionários e militantes de La Cámpora.
A comparação é inevitável. A cordialidade com Cristina Fernández e a austeridade formal com Macri saltam à vista. Da Casa Rosada, insiste-se na “formalidade protocolar” da relação, como modo de dissimular o mal-estar que também cala em muitos bispos argentinos que prefeririam de Bergoglio um tratamento mais próximo a Macri. Ou seja, o mesmo que eles dispensam ao Presidente.
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O encontro entre Macri e Francisco. Questões Protocolares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU