10 Novembro 2015
"Gehring faz um belo trabalho ao traçar, brevemente, a história da ascensão da direita religiosa e da aliança, em geral com tendência de esquerda, da Igreja com uma variedade de causas mais progressistas que a precedeu", escreve Michael Sean Winters, jornalista, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 06-11-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Escrever uma resenha de uma obra escrita por um amigo é sempre uma tarefa preocupante. Os que se põem a fazer isto possuem uma tática, dispondo dela para encontrar algo a ser criticado, e mesmo o melhor dos amigos nem sempre aceita críticas construtivas, especialmente quando elas envolvem a crítica a um livro. Conforme lhe dirão a maioria dos autores, escrever um livro se parece um pouco com criar um filho: você investe todo o seu coração, alma e tempo nele. John Gehring, quem publicou o novo livro intitulado “The Francis Effect: A Radical Pope’s Challenge to the American Catholic Church” [O Efeito Francisco: Um desafio do papa radical à Igreja Católica americana, em trad. livre], é um amigo e, além disso, navegamos nas mesmas águas, temos preocupações e predisposições semelhantes, partilhamos muitas aspirações por este pontificado e pela Igreja que o Papa Francisco conduz. Numa tal circunstância, o narcisismo de pequenas diferenças é uma tentação adicional.
Feitas estas ressalvas, recomendo a leitura deste livro, especialmente aos que leem este sítio eletrônico. Muitos dos temas que abordo em meus artigos recebem um tratamento atencioso nesta obra em particular. Muitos dos novos itens que tenho pesquisado são considerados por Gehring em seu livro e recebem uma contextualização histórica, algo que um blog assume como pressuposto. Na medida em que lia o livro de Gehring, me vi dizendo várias vezes: “Me esqueci disso”. O autor também fornece materiais totalmente novos baseados em entrevistas feitas especialmente para o livro.
Após um breve capítulo introdutório, destacando algumas das maneiras em que Francisco tem se mostrado ser um tipo diferente de pontífice, Gehring discute a “produção de uma Igreja guerreira cultural”. Os suspeitos de sempre se fazem presentes: George Weigel, Tom Monahan, Bill Donohue, os líderes dos Cavaleiros de Colombo. É fácil esquecer o quanto de dinheiro e organização foi empregado na construção de uma guerra cultural, mas a pesquisa de Gehring nos faz lembrar... Nós, da esquerda, não temos nada parecido com os recursos e organização que a direita tem posto em prática para avançar em sua agenda. A interação de interesses religiosos e políticos, que também vai aparecer nos capítulos subsequentes, é apresentada aqui, o que é feito com uma ênfase maior no aspecto político, ênfase que é, no mínimo, discutível.
Gehring faz um belo trabalho ao traçar, brevemente, a história da ascensão da direita religiosa e da aliança, em geral com tendência de esquerda, da Igreja com uma variedade de causas mais progressistas que a precedeu. Ele cobre grande parte dos mesmos assuntos que eu tratei em meus dois livros, “Left at the Altar” and “God’s Right Hand”, e, apesar da necessidade de limitar a narrativa a um capítulo, o autor captura as características essenciais. Gehring escreve sobre até que ponto o papado de João Paulo II fora visto, nos EUA, pela narrativa que Weigel e Richard John Neuhaus ofereceram e discorre sobre a maneira como esta narrativa acabou se tornando mais estreita do que aquele papado fora na realidade. Eis uma crítica que tenho a muitos católicos com tendências à esquerda: João Paulo II não era um neoconservador americano, não importa o quanto os seus admiradores no país digam que ele foi. Todos nós da esquerda precisamos recuperar os muitos ensinamentos maravilhosos desse papado, e não deixar os neoconservadores continuarem definindo-o. Isto ficou claro no Sínodo, quanto aqueles que se opuseram a quaisquer mudanças ficaram chocados ao ouvir o que alguns bispos disseram a respeito da consciência, para em seguida serem surpreendidos quando perceberam que estes bispos estavam citando o Catecismo que João Paulo II aprovou. Gehring aponta para algumas das coisas maravilhosas que tanto João Paulo II como Bento XVI disseram e fizeram. Precisamos mais disso.
O ponto forte deste livro, e o que o distingue daquilo que se lê alhures, é a parte em que o autor se pôs a avaliar o efeito que Francisco começou a causar na Igreja americana. Achei especialmente iluminadora a parte em que relata a sua experiência tida num determinado seminário. O Pe. Brian Doerr, vice-reitor à época, hoje falecido, fala positivamente a Gehring sobre a postura rígida do Cardeal Raymond Burke no primeiro Sínodo dos Bispos sobre a família em 2014. Doerr se identifica com João Paulo II, quem, diz ele a Gehring, “não tinha medo da verdade”. Será que ele pensa que o Papa Francisco tem medo da verdade? O sacerdote se preocupa com aqueles nos bancos das igrejas: “Somos católicos porque nos comprometemos com um conjunto de crenças que nem sempre são fáceis de ser defendidas em nossa cultura. Há pessoas que vêm sendo fiéis e que, agora, estão se perguntando: ‘Será que o papa está dizendo que nós estamos errados?’” Esta observação é, ao mesmo tempo, triste e patética. Vivem as pessoas de uma certa forma seguindo os ensinamentos da Igreja porque a elas foi assim dito, ou porque elas pensam serem estes ensinamentos verdades, independentemente do que algum papa venha a dizer? E é de se perguntar se os ensinamentos católicos a respeito do sexo são as únicas coisas que o Pe. Doerr acha difícil defender em nossa cultura. E quanto aos ensinamentos católicos sobre a pobreza e o bem comum? Felizmente, Gehring também entrevista pessoas animadas com o Papa Francisco, de forma que este capítulo não é um infortúnio absolutamente.
O livro contém os seus problemas. Alguns são pequenos, como nos equívocos que ocorrem nas páginas 1 e 2 do texto: os bispos americanos não reúnem no hotel Hyatt, em Baltimore, mas sim no Marriott, e, quando os cardeais adentram a Capela Sistina para dar início ao Conclave, eles cantam “Veni Creator Spiritus”, e não “Veni Sancte Spiritu”. São detalhes. E, conforme observado acima, penso que Gehring, assim como eu, precisa tentar dar mais atenção às preocupações dos nossos parceiros mais conservadores.
A obra de Gehring é de leitura rápida e um ponto de referência útil, especialmente quando nos aproximamos do encontro, em Baltimore, dos bispos católicos, a acontecer nas próximas semanas. (Aliás, um outro ponto forte deste livro é o seu detalhamento cuidadoso da política da conferência dos bispos deste país, onde Gehring trabalhou anteriormente.) É uma obra bem escrita e perspicaz, jamais se tornando enfadonha, e, por fim, coloca a questão que os bispos precisarão responder em breve: A Igreja Católica dos Estados Unidos vai ficar ao lado do Papa Francisco ou não? Se sim, que mudanças podemos nos antecipar e acolher? São perguntas importantes e que não serão respondidas fácil e rapidamente, mas Gehring nos deu um belo quadro para nos apropriarmos das questões em jogo.
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Resenha do livro 'O Efeito Francisco' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU