29 Junho 2015
Comentários de algumas testemunhas oculares da visita do Papa Francisco aos valdenses são publicados pela agência Notizie Evangeliche - NEV, 25-06-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
“Da parte da Igreja católica vos peço perdão pelas condutas e os comportamentos não cristãos e até não humanos que, na história, temos tido contra vós. Em nome do Senhor Jesus Cristo nos perdoem”. Disse-o na segunda-feira de manhã, dia 22 de junho, o Papa Francisco no Templo valdense de Turim, repleto para este evento histórico nas relações entre a Igreja católica romana e aquela que é a mais antiga minoria cristã do país, por séculos perseguida pelos poderes eclesiásticos e institucionais.
“Vossa solicitação de perdão nos tocou profundamente e a acolhemos com alegria – declarou à agência NEW o moderador da Távola valdense, o pastor Eugenio Bernardini -. Naturalmente, não se pode mudar o passado, mas há palavras que a certa altura é preciso dizer, e o Papa teve a coragem e a sensibilidade para dizer a palavra certa”. Sob convite da Igreja valdense (União das igrejas metodistas e valdenses), o Papa cruzou na segunda-feira passada um limiar antigo 800 anos: jamais antes de agora um Pontífice se dirigira a um templo valdense.
Além de toda reflexão ulterior que este evento gerará sem mais no interior das igrejas evangélicas, o moderador Bernardini se disse muito satisfeito e contente, além de toda expectativa, da breve mais intensa e autêntica visita do Papa Bergoglio, “irmão em Cristo”, como o chamou.
Todo o encontro se desenvolveu na insígnia da fraternidade, palavra que ecoou repetidas vezes no templo. No seu discurso, que precedeu aquele do Papa, o moderador Bernardini citou a Evangelii Gaudium de Francisco, onde define a visão da unidade entre os cristãos “como diversidade reconciliada”. E ao Papa solicitou em particular duas coisas: de serem chamados “igreja” e não “comunidade eclesial”, e de fazer um esforço em relação à hospitalidade eucarística.
Além disso Bernardini falou também da urgência de intensificar o testemunho a favor dos prófugos que batem à nossa porta", aos quais Francisco anuiu convicto: “Obrigado por aquilo que você disse sobre os migrantes”.
E no tema de hospitalidade eucarística, no seu discurso o Papa – que jamais fez uso da expressão “comunidade eclesial” – acenou à “troca ecumênica de dons realizada, por ocasião da Páscoa, em Pinerolo, pela igreja valdense de Pinerolo e pela diocese. “A igreja valdense ofereceu aos católicos o vinho para a celebração da Vigília Pascoal e a diocese católica ofereceu aos irmãos valdenses o pão para a Santa Ceia do Domingo de Páscoa”.
No final se abraçaram e beijaram nas faces, recitaram todos juntos o Pai nosso na versão ecumênica de 1999. Significativo também o presente que a Igreja valdense quis oferecer ao Papa Francisco: uma cópia anastática da “Bíblia do Olivetano” de 1535, desejada e financiada pelos valdenses, documento fundamental da primeira teologia protestante, e primeira tradução do texto sacro em francês, expressão “daquela Palavra que une”, como sublinhou o moderador.
Na dedicação ao Papa se lê: “Sinal da comum fonte da fé / e do comum empenho no testemunho / ‘afim de que o mundo creia’ (João 17,21)”. A visita do Papa Francisco ao templo concluiu com a bênção aos cuidados de Alessandra Trotta, presidente da Obra para as igrejas evangélicas metodistas na Itália (OPCEMI): “Ao Papa Francisco dirigimos as palavras finais de bênção de um belo hino que nas igrejas frequentemente cantamos no final de uma reunião que uniu irmãos e irmãs provenientes de lugares diversos, às vezes muito distantes e que, portanto, se encontram só poucas vezes ao ano ou em ocasiões especiais: caro irmão, até nos revermos, te sustente o Senhor no teu camin”. (Para aprofundamentos ver a edição especial de NEW: “Visita do Papa Francisco à Igreja valdense no Templo de Turim”).
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A agência NEV recolheu os comentários de algumas testemunhas oculares da visita do Papa Francisco aos valdenses, ocorrida aos 22 de junho no templo valdense de Turim.
Paolo Ribet (pastor da igreja valdense de Turim): O encontro no templo valdense de Turim entre os representantes da Igreja valdense e o Papa Francisco tem sido, como todos nós esperávamos, jubiloso, sóbrio e profundo – não só os presentes têm participado com intensidade e comoção, mas também as muitas pessoas que tem seguido o evento em televisão, como atestam os tantos e-mails e sms que me estão chegando nestes dois dias.
As mensagens que temos escutado, a do moderador Bernardini e aquela do Papa Francisco, têm mostrado como a gente se pode sentir irmãos e irmãs, embora partindo de histórias e espiritualidades diversas, e como se pode colaborar no testemunho, sobretudo naquele dirigido aos mais débeis. No seu discurso, o pastor Bernardini colocou com espontaneidade sobre o tapete alguns dos problemas abertos no diálogo entre as duas Igrejas – e com igual franqueza o Papa respondeu não escondendo as dificuldades, mas formulando o auspício de sua superação. Isto é, a meu ver, o modo correto de interpretar o ecumenismo, como sinfonia de vozes diversas.
Certamente, muito forte tem sido a passagem do discurso na qual o Papa Francisco pediu perdão pelas condutas “realmente não humanas” do passado. Trata-se de expressões que também fazem esperar pelo diálogo em tempo futuro.
Como pastor de Turim, estou contente que este evento, belo e importante, se tenha desenrolado na minha cidade e que a comunidade valdense de Turim tenha respondido com entusiasmo.
Alessandra Trota (presidente da Obra para as igrejas evangélicas metodistas na Itália – OPCEMI) se expressou deste modo:
“Me despertaram particularmente profunda comoção, em primeira linha, alguns anciãos expoentes do mundo católico e evangélico que mais se empenharam em sua vida num caminho ecumênico que vivenciou estações de grandes sonhos e amplas visões, mas também de tépida “ordinária administração” e de verdadeiras e próprias esfriadas; e o valor de alguns gestos, novos e significativos, executados numa natural simplicidade que talvez tenham um poder transformador que vai além dos conteúdos (mais ou menos inovadores) das declarações oficiais".
Massimo Aquilante (presidente da Federação das igrejas evangélicas na Itália – FCEI):
"Não hesito definir 22 de junho uma jornada de valor histórico, não só pelo fato que após séculos um Papa da igreja de Roma cruzou o limiar de um templo valdense – evento de grandíssimo relevo-, mas pela intensidade, a espiritualidade daquela hora transcorrida conjuntamente e que vai muito além de qualquer evento de natureza diplomática ou de trocas de conhecimento. Foi realmente um evento vivenciado na luz de Cristo, à luz da palavra de Deus, na consolação e na bênção do espírito de Deus.
Este é o ponto essencial. Gostaria também de sublinhar com força que o Papa por duas vezes pediu perdão em nome da igreja de Roma, certamente ao povo e à igreja valdense, mas de fato a todo o protestantismo italiano".
Paolo Ricca (teólogo valdense):
"A impressão é certamente muito positiva. Tratou-se de um fato histórico em sentido absoluto, direi um prelúdio a uma história que deve começar. Uma história diversa daquela passada e as premissas me parecem boas, e até mesmo excelentes. A atmosfera era muito bela, fraterna, amigável, não diplomática, com sentimentos de fraternidade cristã muito marcados, muito evidentes, e certamente muito sinceros. Foi uma bela página, repito. Um prelúdio prometedor que obviamente se trata agora de construir. A solicitação do perdão significa algo extraordinário e não se pode deixar de escrever este fato histórico. O encontro de ontem foi seguramente positivo, construtivo: pode autorizar belas esperanças".
Heiner Bludau (decano da Igreja evangélica luterana na Itália – CELI) expressou com estas palavras:
"Com grande alegria participei da visita do Papa Francisco junto ao templo valdense de Turim. Estamos ligados aos valdenses por meio da concórdia de Leuenberg, o que significa que vivemos com eles a comunhão eclesial como “diversidade reconciliada” – um conceito que o Papa já mencionou algumas vezes e que o moderador Bernardini recordou durante o encontro. Esperamos que ao momento realmente histórico de segunda-feira passada sigam ulteriores passos para a unidade de todos os cristãos".
Emanuele Paschetto (pastor da União cristã evangélica batista da Itália – UCEBI) se expressou assim:
"Um encontro belo e emocionante. Belo pela simplicidade e genuinidade, sem obséquios formais, nem palavras supérfluas. Como requer o momento histórico que vivemos: as urgências da humanidade impelem os cristãos à concretude e à essencialidade. Emocionante pela simpatia do Papa Francisco, suas palavras sem retórica, seus gestos humildes e profundos, como a solicitação de perdão pelas violências do passado. As questões colocadas pelo moderador Bernardini sobre o reconhecimento dos protestantes como Igrejas e a hospitalidade eucarística encontrarão por certo resposta".
Segundo dom Cristiano Bettega (diretor do Centro nacional para o Ecumenismo da CEI):
"Muitas vozes se encontraram de acordo no definir a visita do Papa Francisco ao templo valdense de Turim como um evento de alcance histórico. E é realmente assim: estava no ar já há tempo que não se trataria de uma visita de cortesia, como aquelas que se tornam ocasião (sempre uma bela ocasião, aliás) para trocar duas palavras. Não, aqui houve muito mais: a sobriedade do discurso e das indicações para um caminho propositivo e a fazer juntos, a espontaneidade e o calor dos gestos, a solene simplicidade da prece comum, o sorriso da festa e a vontade de uma recíproca acolhida reconciliada, tudo me parece que possa e deva ser resumido num apelativo que não pode mais ser dado por descontado: irmãos. Expressamente pronunciada nas saudações e discursos oficiais, profundamente respirada sob as volutas do templo oitocentista, claramente reconhecida entre os olhares dos presentes, me parece que precisamente esta palavra tenha sido a “dona da casa”: irmãos.
Como tais nos sentimos, e como tais nos encontramos, testemunhando o fato de que é possível viver como irmãos, no respeito, ou melhor: na acolhida das respectivas diversidades. Aquela admoestação do Cristo, “sejam um para que o mundo creia”, na segunda-feira de manhã se tornou realidade; agora o empenho de todos os discípulos do Senhor Jesus – não só, portanto, das Igrejas que se encontraram em Turim – é aquele de não arquivá-lo como se fosse uma foto recordação aquela que, ao invés, foi uma real experiência de fé: experiência de Deus Trindade, daquele Deus que une em si o singular e o plural".
Davide Romano (diretor do Departamento de Negócios públicos e liberdade religiosa da União adventista – UICCA):
"Em eventos como este se tem sempre que o realce midiático da iniciativa e o óbvio floreio litúrgico, não deixem espaço a um autêntico encontro entre pessoas de fé cristã. Apesar deste preconceito, a ocasião se revelou, ao invés, propícia também aos fins de um discurso sincero sobre o estado das relações ecumênicas entre os valdenses, mas poder-se-ia dizer entre os evangélicos e o catolicismo romano. O Papa fez um gesto de grande sensibilidade no plano histórico e ético, pedindo perdão pelo modo “não cristão e muitas vezes desumano” pelo qual a igreja de Roma tratou os valdenses em oito séculos de história.
Permanecem, todavia, uma série de interrogativos que provavelmente muitos evangélicos, e também nós adventistas, levamos para casa. Indico dois: a definição da parte católica das igrejas evangélicas como meras “comunidades eclesiais” e a questão da laicidade e da liberdade religiosa na Itália.
Sobre estas questões, a nós evangélicos, e no que se refere a nós adventistas, diz respeito ao ônus da prova de querer ser interlocutores fraternos e operosos deste grande mundo católico e das tantas almas que o habitam e o interpretam, incluída aquela do Papa Francisco".
Piergiorgio Debernardi (bispo de Pinerolo):
"Foi um evento rico de emoções, pleno de surpresa e maravilha que nos encheu de alegria. Não hesito em falar de um divisor de águas da história que assinala um modo diverso de viver o ecumenismo: um evento preparado por décadas das nossas duas igrejas, através de um lento e fatigoso caminho. Para mim é um sonho que se concretiza. Um sonho que, no entanto, tem raízes profundas no terreno da nossa história comum.
Comovi-me realmente quando ocorreu o abraço entre o moderador Bernardini e o Papa Francisco, após aquela histórica solicitação de perdão, repetida por duas vezes. O abraço: este gesto que nos faz fechar definitivamente páginas obscuras. Por certo não se pode esquecer a história. Mas aquele abraço nos ajuda a retomar um caminho como igrejas reconciliadas na diversidade.
E fiquei sinceramente surpreso quando o Papa Francisco citou a troca do pão e do vinho ocorrido por ocasião da Páscoa passada entre as nossas duas igrejas de Pinerolo. Uma troca de dons que reforça a fraternidade e que nos ajuda a sermos mais críveis no anúncio do Evangelho. Por sugestão de Sergio Rostagno (ndr: professor emérito de teologia sistemática na Faculdade valdense de teologia), tínhamos começado a trabalhar juntos há mais de dois anos. O ecumenismo pode ser definido de tantos modos. Desde o passado dia 22 de junho eu o defino como abraço no tempo que prenuncia a unidade perfeita e indestrutível que existirá nos novos céus.
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Pela primeira vez um Papa cruzou o limiar de um templo valdense - Instituto Humanitas Unisinos - IHU