06 Novembro 2014
Com o objetivo de estudar o que ocorre com a pluma de poluição emitida pela região metropolitana de Manaus (AM) – descobrir para onde vão as partículas, como elas interagem com compostos emitidos pela floresta tropical e como afetam as propriedades das nuvens na região –, dois aviões de pesquisa com instrumentos de última geração estiveram sobrevoando a Amazônia durante quase 200 horas ao longo de 2014.
A reportagem é de Karina Toledo, publicado pela Agência FAPESP e reproduzido pela revista Exame, 05-11-2014.
Foram realizadas, no âmbito da campanha científica Green Ocean Amazon (GOAmazon), duas operações intensivas de coleta de dados: a primeira na estação chuvosa, entre fevereiro e março, e a segunda durante o período de seca, entre setembro e outubro.
Alguns dos resultados preliminares foram apresentados nos dias 28 e 29 de outubro, em Washington (Estados Unidos), durante o simpósio FAPESP-U.S. Collaborative Research on the Amazon.
"São mais de 50 pesquisadores estudando o efeito da poluição e das atividades antrópicas em aspectos como química atmosférica, microfísica de nuvens e funcionamento dos ecossistemas. O objetivo final do GOAmazon é estimar mudanças futuras no balanço radioativo, na distribuição de energia, no clima regional e seus feedbacks para o clima global", explicou Scot Martin, pesquisador da Harvard University, nos Estados Unidos.
O GOAmazon conta com financiamento do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DoE, na sigla em inglês), da FAPESP e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), entre outros parceiros (leia mais em: http://agencia.fapesp.br/forcatarefa_investiga_se_oceano_verde_da_amazonia_esta_em_risco/18691/).
De acordo com Martin, a cidade de Manaus e seu entorno configuram um gigantesco laboratório a céu aberto para esse tipo de investigação. Isso porque a capital amazonense – com várias usinas termelétricas, quase 2 milhões de habitantes e 600 mil carros – está rodeada por 2 mil quilômetros (km) de floresta. Na época das chuvas, a região chega a ter níveis de material particulado tão baixos quanto os existentes na era pré-industrial.
A primeira operação aérea, realizada no período das chuvas e financiada pelo DoE, contou apenas com a participação do avião americano Gulfstream-1 (G1), pertencente ao Pacific Northwest Laboratory (PNNL).
Já a segunda operação, realizada entre setembro e outubro, contou também com a aeronave alemã denominada Halo (High Altitude and Long Range Research Aircraft), capaz de voar até 15 quilômetros de altura e com autonomia de até 7 horas de voo.
O Halo é administrado por um consórcio de pesquisa que inclui o Centro Alemão de Aeronáutica (DLR), o Instituto Max Planck (MPI) e a Associação de Pesquisa da Alemanha (DFG). Sua participação no GOAmazon foi possível graças ao projeto Acridicon-Chuva (Aerosol, Cloud, Precipitation, and Radiation Interactions and Dynamics of Convective Cloud Systems), coordenado por Luiz Augusto Toledo Machado, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Diferenças nas nuvens
As duas aeronaves partiram do aeroporto de Manaus e foram acompanhando a pluma de poluição à medida que ela era levada pelo vento. O planejamento da trajetória de voo foi feito de forma a possibilitar coleta de dados dentro e fora da pluma, para comparar as medidas.
Conforme explicou Jian Wang, pesquisador do Brookhaven National Laboratory, do DoE, foram medidas as concentrações de gases traço, como óxido nítrico, dióxido de nitrogênio, ozônio, dióxido de carbono e metano, e compostos orgânicos voláteis, como isoprenos e terpenos.
Também foram medidas as propriedades dos aerossóis, como composição química, concentração por centímetro cúbico (cm³), tamanho de partículas, propriedades ópticas (absorção ou reflexão de radiação solar). Além disso, houve medição de propriedades de nuvens, como tamanho de gotas, quantidade total de água, porcentagem em estado líquido e na forma de gelo.
"Foi possível observar que, durante a estação chuvosa, a pluma está bem definida. Quando comparamos o número de partículas sólidas dentro e fora da pluma há uma diferença de 100 vezes. São 300 partículas por cm³ fora da pluma e 30 mil em seu interior. Isso significa que a nuvem que vai se formar em cada caso é muito diferente", contou Martin.
O pesquisador de Harvard explicou que as partículas de aerossóis funcionam como núcleos de condensação do vapor de água presente na atmosfera, possibilitando a formação de gotas.
"Há uma quantidade fixa de água que, no caso da pluma, vai se dividir em um número muito maior de núcleos. Portanto, as gotas que formam são menores e a precipitação torna-se mais difícil", explicou Martin.
Segundo o pesquisador, a composição química das partículas também é muito diferente. Dentro da pluma há uma presença maior de sulfatos e nitratos, o que pode causar impacto na saúde pública e na formação das nuvens.
"Essas partículas de sulfato e nitrato atraem mais água que as partículas que têm origem orgânica e isso também altera o desenvolvimento das nuvens", afirmou.
Investigando processos de precipitação
Em sua apresentação, Machado mostrou dados da campanha aérea realizada com o avião Halo. Ao contrário do observado com o G1 durante o período de chuvas, a pluma de Manaus durante a seca é menos definida, pois se mistura com emissões oriundas da queima de biomassa, contou o pesquisador.
"Os dados ainda estão sendo processados. Temos apenas algumas análises rápidas feitas durante a operação para ter certeza de que o instrumento está funcionando e para ajudar no planejamento dos voos. Mas já é possível perceber que o potencial dessa operação é enorme", disse Machado.
Segundo o pesquisador do Inpe, o avião alemão contém instrumentos considerados como "estado da arte", que foram testados pela primeira vez em Manaus. A operação custou cerca de € 4 milhões. O valor da aeronave é estimado em € 90 milhões.
Os objetivos do projeto coordenado por Machado incluem entender a interação entre aerossóis e precipitação em condições poluídas e limpas, estudar a estrutura vertical da química da atmosfera nos dois casos, entender os transportes verticais de aerossóis e compreender as diferenças entre as nuvens em regiões de floresta e desflorestadas.
Alguns dos voos realizados durante a estação seca foram feitos com as duas aeronaves seguindo a mesma trajetória em diferentes alturas, medindo propriedades de microfísica das nuvens, para possibilitar uma comparação, contou Machado.
De acordo com o pesquisador do Inpe, isso não seria possível apenas com um avião voando em diferentes alturas em diferentes momentos, pois o tempo de vida dessas nuvens é curto, de cerca de 20 minutos.
"Algo que já sabíamos e foi claramente confirmado com essas operações é que as regiões poluídas apresentam alta concentração de gotas pequenas e as regiões mais limpas uma concentração menor, mas de gotas maiores. No caso da nuvem limpa, essa concentração de gotas diminui da base para o topo da nuvem, enquanto na nuvem poluída ela é mais homogênea", explicou.
Em entrevista à Agência FAPESP, Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e um dos idealizadores do GOAmazon ao lado de Martin, afirmou que a presença de partículas sólidas de nitrato no interior das chamadas nuvens convectivas profundas, que chegam a 18 quilômetros de altura, foi algo que surpreendeu os pesquisadores.
"O nitrato é um composto altamente solúvel. A grande pergunta é: como ele está presente na forma de aerossol sem ser adsorvido na água das nuvens? Os mecanismos de formação dessas partículas dentro das nuvens convectivas profundas ainda são desconhecidos e serão fruto de intensos estudos ao longo do próximo ano", disse Artaxo.
Uma das hipóteses, acrescentou o pesquisador da USP, é a de que o nitrato tenha relação com um fenômeno conhecido como cloud invigoration, ou fortalecimento de estrutura de nuvens, observado em regiões tropicais do planeta.
"Em condições livres de poluição, as nuvens da Amazônia apresentam altura máxima entre 3 e 4 km. Mas, quando há partículas de aerossóis em grandes quantidades, elas adquirem uma força incomum de crescimento, o que altera todo o balanço de radiação, o ciclo hidrológico e as propriedades termodinâmicas da atmosfera", afirmou Artaxo.
Os dados coletados pelas aeronaves ainda estão começando a ser analisados e vão se somar às medidas que estão sendo feitas nos diversos sítios terrestres de pesquisa do projeto GOAmazon, previstos para operar até dezembro de 2015.
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Aviões sobre Amazônia por quase 200 horas medem poluição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU