12 Setembro 2014
"Como tudo mundo sabe, o PSOL nasceu de uma dissidência à esquerda do PT, sobretudo aqueles parlamentares que foram expulsos do partido por votar contrariamente à reforma da Previdência Social. Encarada como medida tipicamente neoliberal, a reforma era vista como símbolo de um recuo inaceitável e ingresso do partido no establishment político", escreve Moysés Pinto Neto, graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e doutorando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, em artigo publicado em seu blog, 11-09-2014.
Eis o artigo.
Não havia mais espaço para o pensamento radical dentro do PT e o próprio partido, ao expulsar esses parlamentares, estava sinalizando isso. A partir do mensalão, o PSOL passou a ocupar uma posição de controle moral do governo em casos de corrupção muito parecida com o que o próprio PT representou enquanto estava na oposição.
Apesar de contar com alguns quadros da melhor qualidade, o PSOL não conseguira, até então, crescer em termos de militância. O discurso radicalmente anticapitalista do partido não conseguia se sintonizar com as ruas na medida em que o país vivia em uma bonança econômica e transformação social a partir dos programas sociais do PT que pouca gente tinha a coragem de enfrentar (tanto à esquerda quanto à direita). Mesmo com a polaridade PT/PSDB um pouco cansada e desgastada, o PSOL não conseguiu se oferecer como alternativa com a figura divertida de Plínio em 2010, preferindo ocupar a posição de quem desmascara as mentiras do debate a efetivamente figurar como competidor no pleito.
Mas a partir de 2011 o cenário muda um pouco. Os movimentos da Primavera Árabe gradualmente começam a se mundializar, ganhando consistência à medida que cruzavam os oceanos até chegar aos EUA, centro do capitalismo mundial, com o Occupy Wall Street. O 15-M espanhol mobiliza grandes massas e consegue transformar suas pautas em pautas mundiais, gerando diversos aglomerados em vários pontos, inclusive no Brasil. Pouca gente hoje comenta, mas já em 2011 houve ajuntamentos protestando contra o sistema político e econômico em diversas cidades do Brasil, por exemplo Rio de Janeiro e Porto Alegre. O PSOL lançou um grupo independente, o Juntos, para figurar no contexto dos movimentos sem levar consigo a sigla. Lembro que na Praça da Matriz, em 2011, ouvi os tradicionais discursos marxistas por vários nomes que hoje concorrem nas eleições.
Mais tarde, em 2013, esses mesmos movimentos explodiram com a luta contra o aumento das passagens iniciada em diversas capitais e vitoriosa em Porto Alegre, antes mesmo de ganhar massa em São Paulo, com a interferência do próprio PSOL junto ao Tribunal de Contas do Estado (que obrigou a Prefeitura a revisar o aumento, terminando por reduzir o valor da passagem; em termos práticos, em vez de subir para R$ 3,20, como previsto e dito “inevitável”, a passagem caiu de R$ 2,80 para R$ 2,70). O PSOL também teve papel ativo na Ocupação da Câmara dos Vereadores em Porto Alegre, apoiando os ocupantes, e o Juntos volta e meia aparecia como um dos principais pontos de organização dos novos movimentos de junho de 2013. Era visivelmente o kairos que aparecia para que o PSOL desse um salto de qualidade, passando de partido radical com representação minoritária para o patamar de player na política nacional, sobretudo com a pressão aos partidos de centro-esquerda para a esquerda e fortalecimento da articulação entre instituições políticas e novos movimentos sociais. Papel que ninguém senão o próprio PSOL poderia ocupar, uma vez que a Rede de Marina, apesar de identificada com as ruas também, não tinha o perfil de extrema esquerda, estando mais para um real “partido verde” de centro-esquerda.
Perdi a conta da quantidade de vezes que já votei em Luciana Genro. Votei nela várias vezes para deputada (desde a primeira oportunidade em 1998) e inclusive para Prefeita nas eleições de 2008 (e também tive meu voto maltratado pela Justiça Eleitoral quando considerou nepotismo que a candidata mais votada para deputada federal de 2010 assumisse seu mandato na Câmara porque seu pai, Tarso Genro, era governador). Também assinei a Carta de Apoio a Luciana Genro quando o cenário estava dividido entre Dilma e Aécio sobretudo porque acreditava que, qualquer que fosse a candidatura, era necessário haver alguém que enfraquecesse a polaridade PT/PSDB. uma vez que não era mais representativa do atual cenário político brasileiro. A eleição iria girar em torno das falsas questões que o esgoto da blogosfera alimenta diariamente.
Disse isso para explicar que nada tenho contra Luciana. Mas acho que o PSOL desperdiçou uma chance gigantesca de se transformar em real força política nacional. O espaço à esquerda existia e o PSOL não soube o ocupar. E pior: não foi por erro casual, mas deliberado. O PSOL não quer jogar o jogo da política. Em vez disso, prefere se resguardar na aura de pureza de quem não se contamina com alianças e estratégias. Para além da dimensão política radical que é excelente, o PSOL prefere lançar uma candidatura “de protesto” a efetivamente se apresentar como força política. Prefere ficar nos marcos dos 2% que falam “marxistês” a mostrar-se como campo político de pressão contra os governos. Tanto o que ocorreu com Vladimir Safatle em São Paulo quanto o que ocorreu em nível nacional expressa isso. Não que Luciana Genro não tenha seus méritos, mas se o PSOL tivesse lançado Marcelo Freixo, por exemplo, para a Presidência, tenho certeza que atingiria no mínimo 10%, podendo chegar até 15% ou um pouco mais, dos votos no primeiro turno. Não venceria, mas tampouco seria apenas “voto de protesto”. Poderia pressionar e pautar o segundo turno. Receberia um apoio mais amplo dos intelectuais e dos movimentos sociais. Ficaria efetivamente identificado com as ruas. Luciana ainda fala a língua da DS um pouco demais, enquanto Freixo e Jean Willys são forças que renovam o discurso do PSOL dando-lhe cara própria. Mesmo pautando-se pelo “ecossocialismo”, o tipo de discurso que caracteriza Luciana Genro e Roberto Robaina não consegue sair do gueto marxista. É certo que o PSOL tem uma dívida simbólica com eles (fundadores) e que a própria Luciana tem problemas em relação aos seus direitos políticos, mas convenhamos que desperdiçar uma chance desse tamanho – de se situar como a real força política de esquerda – é sacrifício demasiado.
Não tenho absolutamente nada contra o PSOL. Confesso que me considero indeciso sobre o partido: às vezes acho a plataforma tão radical que tenho dúvidas se um governo seria viável nesses termos, e não digo isso por preocupação com a governabilidade, mas com a democracia mesmo. E às vezes não acho radical o bastante: se é para ser tão de ruptura, então vou de anarquia mesmo (que é algo só possível de baixo para cima, sem governos). Mas cheguei próximo de me alinhar com ele quando Marina fez aliança com Eduardo Campos e vi o campo de esquerda ligado aos novos movimentos sociais vazio. Não me alinhei não por causa da adesão à Marina, sobretudo essa Marina descafeinada que até agora se apresenta, mas porque acho que o PSOL não fez questão de ocupar esse espaço.
Conheço excelentes cabeças que estarão votando no partido na próxima eleição (inclusive eu o farei para os parlamentos), mas o erro estratégico do PSOL é injustificável. Não sei se o partido terá outra chance de se posicionar com peso no cenário político nacional. Se Marina vencer, o PT deve voltar a ocupar o campo da esquerda (salvo se a coisa degringolou mesmo). Se o PT vencer, o PSOL pode ter uma segunda chance, mas tudo dependerá de como Marina irá se posicionar caso saia derrotada. A oportunidade autônoma do PSOL, o campo que se abriu como chance aleatória, esse já passou. Pode voltar, mas dependerá de novas circunstâncias mais ou menos aleatórias, como ocorreu em 2013.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A chance desperdiçada pelo PSOL - Instituto Humanitas Unisinos - IHU