08 Julho 2014
Em fevereiro, Dom Chibly Langlois, de Les Cayes, Haiti, tornou-se o primeiro cardeal católico do país. Foi um movimento que surpreendeu a todos, pois Langlois não era arcebispo, não tinha passado muito tempo fora do país e, aos 55 anos, é relativamente jovem.
A entrevista é de Jim McManus, publicada pelo portal National Catholic Reporter, 04-07-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
No entanto, Langlois é bem-conhecido no Haiti, onde o seu comportamento discreto, aberto e amigo aparentemente absorve e reflete a experiência haitiana. Com uma população de 9.5 milhões, o Haiti é 85% católico e tem enfrentado uma longa história de revoltas políticas, pobreza e desastres naturais intermitentes.
Mesmo nos países mais pobres como o Haiti há sementes de esperança e progresso. Uma empresa de energia solar limpa começou a funcionar em uma localidade rural. Uma estrada de terra, da época colonial, foi pavimentada com asfalto novo. Um novo marcado na zona urbana será aberto próximo a um porto que está sendo reconstruído para embarque e turistas. Do norte vem a notícia de que se confirmou que um antigo navio naufragado era o La Santa Maria, um dos três navios trazidos às Américas por Cristóvão Colombo em 1942.
Les Cayes é uma remota localidade costeira de 70 mil habitantes, a quatro horas de ônibus da capital Porto Príncipe. A Catedral de Nossa Senhora da Assunção fica em frente à pequena praça da cidade e do escritório do cardeal, onde apenas uns poucos funcionários ajudam nas tarefas da diocese. Do lado de fora, as ruas e calçadas estão quebradas e esburacadas, além da inundação quando chove. Do lado de dentro da catedral, imagens de um Jesus loiro, branco e santos europeus adornam o altar e as paredes.
O Haiti e Les Cayes constituem um terreno fértil para a determinação do Papa Francisco em centrar a atenção da Igreja – e do mundo – sobre os problemas dos pobres.
Eis a entrevista.
O que significa para o Haiti o fato de o papa reconhecer a Igreja local ao nomear o seu primeiro cardeal?
Acho que o fato de o papa reconhecer a Igreja haitiana nomeando um cardeal (...) traz bastante felicidade ao país de forma geral. Ao mesmo tempo, a Igreja se sente valorizada pelo Papa Francisco, um papa que presta bastante atenção aos necessitados. Entre todos os países da América Latina, neste hemisfério o Haiti é um país em necessidade.
Achamos também que o Papa Francisco deu ao Haiti uma oportunidade para se fazer mais visível ao mundo, pois há uma tendência de se esquecer este país, em especial depois do terremoto de 2010. (...) Podemos igualmente dizer que esta é uma oportunidade para que a Igreja assuma, mais ainda, a sua responsabilidade nesta sociedade, o que implica organizar a Igreja em todos os aspectos de forma que ela possa realizar, aqui, a sua missão como deve ser, em sua responsabilidade de acompanhar o povo na fé, para que possamos ter uma sociedade iluminada pelo Evangelho, uma sociedade que faz tudo o que é certo para ajudar este país a avançar.
Como cardeal, o que o senhor espera fazer para construir relações entre o Haiti e a Igreja de fora do país?
A Igreja naturalmente está relacionada com as outras igrejas. Porém, como cardeal, é claro que tenho me envolvido neste tipo de trabalho na qualidade de presidente da conferência dos bispos. Sempre procuramos construir pontes entre as igrejas haitianas e as outras, especialmente depois do terremoto. Estamos fazendo este trabalho dentro do escopo de nos aproximarmos entre si de forma que as igrejas de outros países possam ajudar as Igrejas haitianas a se desenvolverem, particularmente após o terremoto.
O que o Haiti tem a oferecer para a Igreja?
Temos a experiência de nossa fé neste país, quer dizer, como a praticamos. Podemos trazer isto como uma experiência à Igreja. Podemos trazer a esperança que carregamos. O povo haitiano, apesar de seu sofrimento, apesar de seus problemas, apesar de sua miséria, sempre continuou acreditando que o amanhã será melhor. Pensamos que isso seja um fundamento.
Uma fé forte, inabalável, é muito comum no nosso país, entre o povo haitiano. Apesar de tudo o que aconteceu neste país, não iremos encontrar pessoas cometendo suicídio. Não iremos encontrar pessoas que se colocam em situações onde ponham em risco suas vidas, pois elas amam viver...
A Igreja pode também oferecer à Igreja universal os serviços dos muitos que são chamados para a obra de Deus. No Haiti, temos muitos missionários que viajam a outros países para trabalhar em missões. Temos sacerdotes que viajam para outros países onde não há padres suficientes; alguns padres e algumas irmãs foram para outros países, então temos isso a apresentar. Temos missionários que vão para outros países; isso os ajuda a acreditar em Jesus Cristo, para que eles também possam ser salvos. Temos todos estes tipos de riqueza que a Igreja universal espera de nós. Tomamos parte também na construção da Igreja neste mundo.
Em 1983, o Papa João Paulo II visitou o Haiti e disse: “A situação precisa mudar aqui”. O que o senhor acha que mudou e quais os desafios que precisam ser superados?
Bem, há muitas coisas que mudaram no país. A própria Igreja tentou ser mais visível. Ela se tornou mais transparente aos olhos das pessoas. Construíram-se muitas paróquias, muitas dioceses e muitas pessoas foram chamadas para a obra de Deus. (...) A época em que o papa disse estas palavras era um momento em que, no nível social, as pessoas lutavam por democracia aqui. Alcançamos este parâmetro depois que o Papa João Paulo II fez esta declaração. Hoje vemos que as pessoas podem falar sem medo. Elas podem expressar seus pontos de vista neste país. Podemos dizer também que a democracia começou a germinar aqui.
Mas ainda temos muito a mudar. (...) Precisamos mudar as condições econômicas. Precisamos de estabilidade política. Precisamos destas coisas. Precisamos também que nossos fiéis acreditem ainda mais, que tenham uma fé mais profunda e uma confiança mais sólida em Deus.
O Papa Francisco fala frequentemente sobre justiça econômica e obrigações dos países ricos em ajudar os países mais pobres. O que esta mensagem significa no contexto dos esforços haitianos em construir uma economia justa e sustentável?
No que diz respeito à justiça econômica, cremos que seja algo que deve ser de interesse de todos neste mundo. Mas no Haiti em especial, sabemos se tratar de um caso que precisa muito de ajuda. O povo tem muitas necessidades. Este é um país também onde o acesso à educação não está disponível a todos. É também um país onde os da maioria não têm acesso às riquezas locais. Pensamos que esta (...) seja a forma como este país foi construído desde o começo, desde sua independência.
É importante insistirmos em ter justiça econômica no Haiti. Esta insistência deve ser guiada pelo diálogo com todos, de forma que possamos estar cientes desta realidade e encontrar uma maneira para fazer algumas proposições e decidimos ajudar a maioria das pessoas a encontrar a sua parcela na economia do país (...).
Na verdade, a riqueza que se possui, mesmo quando se é muito inteligente ou que se tem a capacidade de lucrar muito, não pertence a um só. Não se deveria usá-la de forma egoísta. Deus colocou esta riqueza sob o cuidado de uns para que a usem de forma a beneficiar outros. É por isso que a justiça deve conduzir ao amor, ao amor pela caridade, não no sentido de dar às pessoas, mas naquele onde se quer que os outros partilhem da riqueza que a terra lhe deu porque a riqueza da terra pertence a todos nós.
Quais são algumas das oportunidades no Haiti para a Igreja hoje?
A participação na Igreja Católica do Haiti é a maior em comparação com as demais religiões. Então, as pessoas representam a nossa maior oportunidade. Na verdade, a Igreja existe para também servir às pessoas e, ao mesmo tempo, para encorajá-las a se ajudarem entre si.
Algumas outras oportunidades que temos: o fato de que possuímos muitas dioceses, muitos bispos, muitos padres, muitos fiéis, pessoas engajadas nos serviços da Igreja. Isso é uma enorme oportunidade. Se realmente nos unirmos, mostrarmos esta união exigida pela Igreja, ficarmos juntos enquanto cuidamos uns dos outros como também quer a Igreja, teremos condições de realizar grandes coisas.
Outra oportunidade que podemos identificar fora da Igreja é o fato de que temos o povo de Deus, uma multidão muito receptiva (...) pronta a escutar a mensagem de Deus, a aceitar a Palavra de Deus. Isso exige que a Igreja esteja organizada de tal maneira a formar as pessoas, a dar-lhes o tipo de apoio de que precisam dentro da Igreja.
Uma outra oportunidade é o fato de que temos um monte de pessoas na Igreja do Haiti que tem formação e que podem ajudar a Igreja. (...) O fato de que a nossa Igreja tem relações com outras igrejas significa que podemos também incluir membros católicos da diáspora haitiana que vivem fora do país. Portanto, esta é uma grande oportunidade que podemos explorar para ajudar a Igreja crescer dentro do Haiti e fora dele.
Uma outra oportunidade ainda é aproveitar a riqueza que temos dentro da Igreja e fora do país de forma que isso gere grandes frutos. Este seria um passo importante para a garantia de que completemos nossa missão. Então, temos uma grande oportunidade que outros países não têm. Uma das oportunidades benéficas à Igreja é que podemos executar a nossa missão dentro do país. Não há obstáculos em nosso caminho, o que significa que temos liberdade para praticar nossa fé. Podemos ensinar religião em nossas escolas, portanto é uma grande oportunidade que outros países não têm.
Quais os planos de reconstrução da catedral em Porto Príncipe?
Sei que se organizou um concurso para determinar qual dos projetos iria ser o escolhido para a construção da catedral. Mas pensamos que os responsáveis pela Arquidiocese de Porto Príncipe ainda estão escolhendo um projeto que se encaixe com as características do próprio país.
Dado que este trabalho vai demorar algum tempo, entendemos a decisão tomada de priorizar uma solução a curto prazo, trabalhando na antiga catedral localizada próxima da grande catedral. Eles estão em busca de verbas para completar a obra. Depois, acho que eles terão condições de se concentrarem na grande catedral. Este projeto vai exigir bastante tempo para realizar os estudos, para angariar fundos para a construção; então, vai demorar muito para se tê-la reconstruída de fato.
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Novo cardeal traz felicidade e visibilidade ao Haiti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU