O artigo é de Consuelo Vélez, teóloga colombiana, publicado por Religión Digital, 01-10-2023.
Alguns fariseus aproximaram-se e, para testá-lo, perguntaram: Pode o marido divorciar-se da mulher? Ele lhes respondeu: O que Moisés vos prescreveu? Eles lhe disseram: Moisés permitiu que a certidão de divórcio fosse escrita e repudiada. Jesus disse-lhes: Considerando a dureza do vosso coração, ele vos escreveu este preceito. Mas desde o início da criação, Ele os fez homem e mulher. Portanto o homem deixará pai e mãe e os dois se tornarão uma só carne. Portanto, eles não são mais dois, mas uma só carne. Bem, o que Deus uniu, ninguém separe. E uma vez em casa, os discípulos perguntaram-lhe novamente sobre isso. Ele lhes disse: quem se divorcia de sua mulher e se casa com outra comete adultério contra ela, e se ela se divorcia de seu marido e se casa com outro, comete adultério. Apresentaram-lhe algumas crianças para que as tocasse; mas os discípulos os repreenderam. Mas quando Jesus viu isso, irou-se e disse-lhes: Deixai vir a mim as crianças, não as impeçais, porque o Reino de Deus pertence a tais como estas. Garanto-vos: quem não receber o Reino de Deus quando criança, não entrará nele. E abraçou as crianças e abençoou-as impondo-lhes as mãos (Mc 10, 2-16).
O evangelho de Marcos nos traz neste domingo duas cenas que nos lembrarão quem está no centro do Reino de Deus. Neste caso, referir-se-á a mulheres e crianças. Mas vejamos, em cada caso, quais são as conotações adequadas.
Em relação às mulheres, o contexto é testar Jesus com as perguntas que lhe fazem. Os fariseus conhecem perfeitamente a Lei, mas ao fazerem este tipo de perguntas a Jesus mostram a intenção de ver o que ele diz para acusá-lo. É uma atitude que está presente em alguns setores da Igreja. Apegados às leis e às normas, fazem perguntas que nem sempre podem ser respondidas com sim ou não, mas justamente assim querem acusar o questionado de estar do lado da norma ou de não estar. Vale lembrar que as questões humanas são muito mais complexas e por isso não são resolvidas com uma resposta afirmativa ou negativa. Nestes casos não podemos esquecer que deve intervir sempre o discernimento, a atenção às situações específicas que rodeiam cada caso e, em última análise, ao recinto sagrado da consciência de cada pessoa - naturalmente uma consciência moral bem formada - que toma a última decisão.
Mas voltemos ao caso em questão. Os fariseus perguntam a Jesus se o marido pode se divorciar da esposa. Jesus responde apelando ao que Moisés disse e esclarecendo que este preceito se deve à dureza do coração das pessoas. Prossegue dizendo que, desde o início, Deus criou o homem e a mulher e o casal humano é chamado a ser uma só carne. Portanto, o que é contrário ao plano original de Deus é inaceitável. Precisamente, a figura esponsal refere-se ao amor de Deus pelo seu povo, ao amor fiel para sempre.
É importante notar que Jesus está falando de outro contexto, de outra cultura e, portanto, a ênfase deste texto não está em se Jesus condena o divórcio, mas na posição de Jesus em relação às mulheres. Nessa cultura, as mulheres não podem tomar a decisão de se separar e, pelo contrário, os homens podem fazê-lo por quase qualquer razão. Assinar o ato de repúdio pareceria libertar a mulher para casar novamente, mas, na prática, era muito difícil que isso acontecesse. A mulher renegada sofreu o destino das viúvas, totalmente indefesa. O apelo, então, para que a separação não ocorra porque não é a vontade de Deus, responde mais à salvaguarda da vida e da dignidade das mulheres. Se olharmos para a situação a partir de hoje, devemos lembrar-nos de que nenhuma violência contra as mulheres deve ser tolerada, mesmo que isso signifique a ruptura do vínculo matrimonial.
Marcos no seu evangelho aponta a casa como aquele lugar de intimidade, onde a família do reino se reúne e onde podem ser ensinados sobre esses valores. É por isso que o evangelho se refere à pergunta que os discípulos fazem novamente a Jesus, já em casa, sobre o mesmo tema. Jesus continua a insistir no chamado a viver aquele amor que é capaz de fazer de dois um projeto comum, mas sem que isso signifique que Jesus esteja respondendo aos problemas atuais de forma literal.
O evangelho continua tendo as crianças como centro da conversa e, neste contexto, elas são símbolo da gratuidade do reino. Você não precisa fazer nenhum mérito para receber o dom do reino. Na verdade, as crianças não são apreciadas naquela cultura até atingirem a maioridade e, portanto, mais do que um símbolo de inocência ou pureza, são um sinal de exclusão que Jesus corrige abençoando-as, impondo-lhes as mãos. E, precisamente, o reino é dado a todos aqueles que a sociedade exclui, julgando que não merecem nada. Jesus pede aquela atitude de nada saber para compreender, pelo contrário, a gratuidade do Reino que nos é dado.
Procuremos, então, compreender os valores do Reino de Deus que coloca sempre em primeiro lugar os excluídos, não porque sejam melhores, mas porque o Reino é real e verdadeira gratuidade.