"Tanto o dogma da Assunção quanto tantos outros da fé cristã precisam ser explicados de acordo com as compreensões que foram desenvolvidas, à luz das contribuições da exegese e da hermenêutica bíblica e teológica, que nos permitem traduzir em termos atuais o que foi expresso no passado com a linguagem e a compreensão da época'", escreve Consuelo Vélez, teóloga colombiana, em artigo publicado por Religión Digital, 11-08-2024.
Comentamos várias vezes a festa da Assunção de Maria que se comemora neste mês de agosto, porque esta, como as outras festas marianas, há séculos convoca o povo de Deus para a vivência da sua fé. Maria, "uma de nós" ou "nossa verdadeira irmã" ou "primeira discípula", como é chamada nas reflexões mais recentes, ensina-nos a seguir Jesus, com atitudes que devem acompanhar a vida cristã: a escuta do Espírito (Anunciação, Lc 1, 26-38), a fidelidade aos valores do Reino (Bodas de Caná, Jo 2, 1-12), o anúncio das maravilhas de Deus (canto do Magnificat, Lc 1,46-49), profeta para denunciar a injustiça e proclamar os novos tempos de Deus (cântico do Magnificat, Lc 1,50-55), fiel até o fim (Maria aos pés da cruz, Jo 19,25), presente no início da Igreja (Pentecostes, At 1,14).
Não há fatos bíblicos sobre a Assunção de Maria, mas a celebramos porque em 1950, o Papa Pio XII proclamou esse dogma, respondendo a uma crença que o povo cristão manifestou sobre o fim da vida de Maria. Se ela recebeu o dom de ser mãe do Filho de Deus, é fácil pensar que ela também recebeu a plenitude da salvação. Esta festa responde a um dogma proclamado pela Igreja, mas que reflete o que as pessoas acreditam. Por isso, não é uma invenção eclesial, mas uma confirmação do sensus fidei (sentido da fé do Povo de Deus) que a instituição eclesial acolhe e reafirma.
Em todo caso, tanto o dogma da Assunção quanto tantos outros da fé cristã precisam ser explicados de acordo com as compreensões que foram desenvolvidas, à luz das contribuições da exegese e da hermenêutica bíblica e teológica, que nos permitem traduzir em termos atuais o que foi expresso no passado com a linguagem e a compreensão da época. No caso do dogma da Assunção, a ênfase não está em um evento milagroso que a ciência não explica, mas em uma experiência de fé na pessoa de Maria que nos faz afirmar que Deus já lhe concedeu o que todos esperamos alcançar quando terminar nossa vida neste mundo. Neste sentido, a celebração desta festa encoraja-nos a continuar a caminhar rumo à meta, a manter o compromisso cristão de amor, solidariedade, misericórdia, justiça, paz, como Maria soube manter, com a confiança de que estamos a tornar possível o Reino de Deus entre nós e, nesse sentido, estamos a experimentar o que esperamos saborear plenamente na eternidade.
Deve-se notar que é importante continuar recuperando uma figura de Maria mais comprometida com a vida cotidiana do que uma Maria extraordinária, longe deste mundo. Recentemente, o Vaticano lançou um alerta sobre as supostas aparições da Virgem que ocorrem em muitos lugares e se reservou o direito de declará-las ou não como tal. Uma coisa é a experiência da fé mariana que pode ser vivida de modo privilegiado num momento da história e para o qual se ergue um santuário mariano, e outra é a exploração do sentimento religioso recorrendo à magia, ao sobrenatural, ao extraordinário e astutamente dirigido por supostos "videntes". É preciso estar muito atento à confirmação eclesial de qualquer evento desse tipo para não distorcer a fé e não ser vítima de golpistas que também abundam e se aproveitam de questões religiosas para seus propósitos.
E não só devemos ser cautelosos com as aparições marianas, mas também com alguns grupos que, invocando Maria, se tornaram uma espécie de "seita" porque se acreditam possuidores da verdade e vivem doutrinas, ritos, costumes, tradições mais pré-Vaticano do que de acordo com os desenvolvimentos eclesiológicos atuais. Além disso, privilegiam uma imagem de Maria que provoca medo, temor e que olha para este mundo atual, condenando-o e incentivando a rejeição e a exclusão do diferente, tudo muito contrário à misericórdia, inclusão e aceitação dos sinais dos tempos em que o Espírito de Deus continua falando hoje.
Nesse sentido, rezar o rosário é uma devoção mariana muito rica se não estiver separada de Jesus Cristo. Por isso, propõe-se que os mistérios da vida de Cristo sejam considerados em uníssono com a recitação das cinquenta Ave-Marias. Infelizmente, nesses grupos e às vezes em alguns espaços eclesiais, continua a ser incentivada a repetição das Ave-Marias, em vez de um momento de contemplação e interiorização dos mistérios da nossa fé. Uma revisão dessa devoção ajudaria muito a nutrir a vida cristã. Não é Maria que precisa de nós para rezar. Não é o número de Ave Marias que importa. O rosário é um meio para nos ajudar a entrar em diálogo com Jesus, através de Maria, mas o objetivo é favorecer a experiência da oração e não a repetição inconsciente de palavras vazias.
Aproveitemos a celebração desta festa mariana para recriar a nossa devoção a Ela, centrando-a mais na fé no seu filho Jesus do que nas visões apocalípticas do mundo ou nos medos que Ela parece anunciar-nos em supostas aparições, tão distantes do Reino de Deus, do Evangelho, do autêntico sentimento eclesial. Ela, nossa verdadeira irmã, nos acompanha em nossa jornada rumo à eternidade, convidando-nos a viver como ela viveu, sempre colaborando e tornando possível o amor de Deus entre nós.