A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 11º Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto bíblico de Marcos 4,26-34.
“... e a semente vai germinando e crescendo, mas o agricultor não sabe como isso acontece”
A Natureza nos mostra muitos caminhos, simples e belos, que nos ajudam a sermos mais humanos, se tivermos um olhar atento e contemplativo, como o olhar sensível de Jesus. Suas parábolas deixam transparecer que Ele foi um homem com os “pés afundados na terra”, vivendo uma relação sadia e agradecida com todas as criaturas. Em tudo sentia a presença providente e cuidadosa do Pai.
A Terra tem seu ritmo, sua sinfonia, onde todos os elementos que a compõem, convivem numa perfeita harmonia e integração.
A relação com a terra desperta nossa sensibilidade, nos ajuda a ser melhores, mais sensíveis, mais pacientes, mais amáveis, mais observadores. A relação com a terra fortifica nossas raízes para que nossa relação com as pessoas e as criaturas seja melhor, nosso respeito ao meio ambiente seja mais profundo e espiritual.
Segundo a tradição oriental, quanto mais baixo estiver o corpo, mais feliz fica a mente.
O ocidente deseja que as pessoas pensem no céu, e alonguem a cabeça no ar para fazê-las olhar para cima e ver as nuvens. O oriente sabe que a melhor maneira de chegar ao céu é estar solidamente na terra, e por isso convida as pessoas a se agacharem ou se assentarem no chão. A postura cômoda, literalmente na terra, é condição para a paz interior. As pessoas são devolvidas às fontes terrenas.
Ao encontrar-se com a mãe-terra a pessoa é impulsionada para as experiências transcendentais.
Quanto mais proximidade e intimidade com a terra, mais profunda é a experiência espiritual.
Na Índia, quando as pessoas se levantam, sua primeira oração é juntar as mãos e pedir perdão à Mãe Terra por pisá-la. Que não haja ofensa no contato necessário com o chão, mas intimidade.
Em casa, as pessoas sempre andam descalças. O pé nu acaricia a terra que pisa, agradecendo o apoio e mostrando sua confiança. Cada passo deve ser uma oração e cada caminhar é um rosário de contas que marcam os caminhos da vida com a fé do caminhante. Dá força e inspiração sentir-se junto à terra, palpar sua firmeza, medir sua intensidade. Cada chão tem uma palavra a lhe dizer, um valor a preservar, uma mensagem a acolher. É o altar cósmico sobre o qual celebra-se diariamente a liturgia da vida.
Todas as religiões e culturas se servem de relatos para revelar a verdade e fazer chegar até nós a sabedoria de nossos antepassados. A revelação mais antiga e universal é que a Terra e todas as suas criaturas, assim como o ar, o solo, a água são sagrados, e que esta verdade deve refletir-se em nossas vidas.
Como cristãos, seguir Jesus Cristo hoje é adquirir conhecimento e experiência consciente desta história oculta e sagrada. Com efeito, a Terra acolheu Jesus como acolhe toda pessoa que vem a este mundo.
É a casa verdadeira, a mais básica. Jesus sentiu a companhia desta Terra que é irmã e mãe.
Os Evangelhos destacam, de muitas maneiras, a boa relação que Ele teve com a Terra.
Jesus soube viver as noites e empregá-las, para além de sua solidão e aspereza, para encontrar sentido e para dar profundidade às suas atuações mais decisivas.
Desfrutou dos caminhos andados, dos campos semeados, do vento que se assemelha ao Espírito, das árvores que empregará como parábolas do Reino, das vinhas que serão símbolo de sua oferta em novidade...
Experimentou a dureza da Terra, sua aspereza no deserto e o calor de seu abrigo à hora da morte; pisou o chão de terra batida, machucada, rasgada...
Teve uma mentalidade inclusiva porque, no fundo, entendeu que tudo estava relacionado e que as coisas e as pessoas buscam o mesmo horizonte.
Nas duas parábolas deste domingo, o crescimento da planta não é consequência de uma ação externa, mas a expansão dos elementos que já estavam presentes nela. Este aspecto é muito importante, por duas razões:
a) Porque nos adverte que o importante não vem de fora, mas de dentro;
b) Porque nos motiva a pensar não em algo estático, mas num processo que não tem fim, porque sua meta é o mesmo Deus.
Assim, as duas parábolas possibilitam fazer uma dupla leitura. Em primeiro lugar, pode ser aplicada a cada pessoa, enquanto está no mundo para expandir suas potencialidades até a plenitude, que deve ser alcançada através de sua vida. E, também, pode ser aplicada às comunidades e à humanidade em seu conjunto.
A partir do que cada um é no núcleo de seu ser, deve ativar todas as possibilidades sem pretender saber de antemão onde o levará a experiência de viver. Na vida espiritual é ruinoso prefixar metas às quais temos de chegar.
É preciso, portanto, expandir a vida que, como tal, é imprevisível, porque toda vida é, antes de tudo, resposta às condições do seu entorno. Não podemos pretender nenhuma meta, mas abrir-nos às surpresas da vida e caminhar sempre para frente.
Em cada uma das parábolas, Jesus quer destacar um aspecto dessa realidade potencial dentro da semente. Na primeira, sua vitalidade, ou seja, a potencialidade deve desenvolver-se por si mesma. Na segunda, Ele quer destacar a desproporção entre a pequenez da semente e a planta que dela surge. Parece impossível que de uma semente quase imperceptível possa surgir, em pouco tempo, uma planta de grande porte.
A semente se desenvolve por si só, mas precisa umidade, luz, temperatura e nutrientes para poder expandir sua vitalidade latente. A semente com sua força está em cada um de nós. É a “semente divina” que está semeada em cada um de nós. Ela precisa desenvolver-se e fazer-se visível externamente. Só espera uma oportunidade.
Devemos nos favorecer de condições mínimas indispensáveis para que nossa semente interior possa expandir sua própria energia. Caso não se desenvolva, a culpa não será da semente, mas nossa.
O tempo e o ritmo de crescimento não são os mesmos para todos. A ansiedade e a pressa podem frustrar-nos de produzir fruto sem ter passado pelas etapas de crescimento como talo, logo a espiga e por fim o fruto. No fundo da ansiedade há um desejo de sermos deuses ilimitados, de fazermos tudo imediatamente, de experimentarmos tudo sem perdermos nada, de termos tudo sob controle, sem que nada escape ao que foi planejado.
Também a vida espiritual tem seu ritmo e é preciso seguir os passos em sua ordem. A maioria das vezes nos desanimamos porque não vemos os frutos de nosso esforço.
Devemos ter paciência. Cada passo que damos é uma conquista e nele já podemos apreciar o fruto, embora nos pareça que não chega nunca.
As duas pequenas parábolas deste domingo não dão nenhuma ênfase no fazer ou deixar de fazer. Ninguém tem o direito a dizer a outro o que tem de fazer ou deixar de fazer. O importante está em descobrir o que somos e atuar ou deixar de atuar segundo as exigências de nosso verdadeiro ser.
Diziam os antigos que o agir segue o ser. Devemos esquecer das muitas cobranças e normas que cumprimos mecanicamente e abrir espaço para que aquilo que nos faz mais humanos surja do mais profundo de nosso ser e não de programações que venham de fora.
A Palavra de Deus nos convida a pousar-nos amorosamente em cada coisa, em cada pessoa, em cada atividade. Se agíssemos assim, bastariam a brisa, a luz, uma flor, um sorriso, uma atividade qualquer... para sermos felizes. Deus espera que procuremos crescer com empenho, mas também com um coração sereno e sem angústias, com paciência e calma, sob seu olhar de amor. Ele sabe esperar as mudanças profundas que vão se verificando pouco a pouco.
Curriculum vitae” significa o “percurso da vida”, e não “a vida em correria”.
- Em seu interior, quais potencialidades e recursos estão à espera de uma oportunidade para se expandir?
- Você vive a partir das “raízes” do seu ser ou é manipulado(a) pelas cobranças externas? Recebe a seiva divina, em abundância no seu eu profundo, ou se alimenta dos venenos que provém do exterior: mentiras, ódio, intolerâncias, racismos, preconceitos...
- Os “frutos” que brotam do seu terreno interior são saudáveis, inspiradores, tornando-o(a) mais humano(a)?