A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 32º Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto bíblico de Mateus 25,1-13.
“As jovens previdentes levaram vasilhas de azeite junto com as lamparinas” (Mt 25,4).
Os textos evangélicos destes últimos domingos do ano litúrgico nos convidam a velar, a estar mobilizados, numa atitude de expectativa diante do Deus que sempre está vindo ao nosso encontro. Ele não nos espera no final do caminho para nos submeter a um juízo. Não, Deus está em nós todos os instantes de nossa vida para que possamos levá-la à plenitude, ou seja, para salvar-nos n’Ele.
É preciso estar alerta, porque o tempo passa. Se estamos distraídos e adormecidos, é preciso despertar, porque do contrário perderemos a oportunidade de “entrar na festa de casamento”.
Neste domingo, a parábola de Jesus nos convida a não ficarmos sem azeite em nossas humildes lamparinas, para que nossa presença cristificada brilhe como luz potente nos momentos oportunos. É o momento de nos perguntar sobre qual fundamento está assentada nossa esperança (espera ativa).
Nas esperas, muitas vezes esquecemos de manter a chama acesa. A parábola das dez virgens nos chama atenção para isso. Talvez porque passamos a vida esperando passivamente, sem saber o quê ou quem, e não desfrutamos dos encontros que a mesma vida nos proporciona. Muitas vezes vivemos condicionados pelo anseio de algo que está à frente, de um futuro que sonhamos e que, às vezes, quando chega, não corresponde às nossas expectativas. Nestas esperas indefinidas e estéreis vamos desperdiçando o azeite das lamparinas, vamos nos gastando a nós mesmos na superficialidade e na falta de compromissos.
Lida em seu sentido literal, a parábola deste domingo parece cair numa contradição, já que as jovens “sensatas” aparecem como egoístas, quando se negar a partilhar seu azeite com as do outro grupo.
Mas, toda parábola busca ser provocativa e não podemos nos limitar a uma leitura literalista da mesma. Trata-se de identificar o objetivo que ela indica. E, neste caso, parece claro que ela procura destacar outra questão: a importância decisiva de ter acesso às reservas de “azeite”, como reserva de “vida” diante da vinda surpreendente do “noivo”.
No relato, o azeite é aquilo que alimenta a lamparina, ou seja, que torna possível a luz. Com isso, o eixo da parábola nos remete a esta questão: que é que possibilita, mantém e alimenta a luz em nossas vidas?
Qual é o azeite que faz arder a nossa lamparina existencial?
Toda pessoa possui reserva abundante de azeite em seu interior, como algo próprio dela e é, portanto, intransferível: é o dom da existência, a vida em seu sentido mais profundo. O azeite não é algo que se possa dar e receber, que é oferecido a partir de fora, como uma coisa objetiva que um homem ou mulher pudessem dispor de si mesmos; o azeite é vida profunda, a mesma vida humana que o homem e a mulher devem cultivar, sendo eles mesmos.
Homens e mulheres são ‘azeite” que ilumina enquanto se consome, fazendo-se luz diante de Deus e dos outros. Este é o distintivo mais precioso do ser humano, sua essência original: o bom azeite que ilumina.
Em nossa identidade profunda, “somos luz”, afirmação que o evangelista Mateus põe na boca de Jesus: “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,14). No entanto, com frequência desconhecemos essa realidade, desconectados dela e, como consequência, permanecemos na obscuridade da ignorância essencial, com a confusão e o sofrimento que isso traz. Nessas condições, faz-se vital esta questão: qual é o “azeite” que alimenta nossa luz e nos permite viver em conexão com ela?
A resposta só pode ser esta: a compreensão experiencial daquilo que somos.
Para começar, a pessoa interessada pode verificar isso por si mesma a partir de um questionamento elementar: que é o que lhe traz serenidade, paz, plenitude, amor, vitalidade, criatividade...? De onde brota tudo isso e que se mantém mesmo em circunstâncias adversas? Ou, pode-se também fazer o mesmo questionamento sob outro ângulo: o que é que lhe altera, lhe fecha, lhe faz sofrer, lhe desconecta da vida...?
Em resumo: tudo se concentra no fato de vivermos ou não conectados ao que realmente somos. Essa compreensão experiencial é luz; sua carência é obscuridade.
O passo seguinte surge por si mesmo: como fazermos a provisão de “azeite”? Conectar-nos continuamente, de maneira consciente, com aquilo que somos, com aquilo que está mais além do corpo, da mente, do psiquismo, do ego, ...
Nas dimensões mais profundas de nosso ser continuam existindo lugares onde a luz permanece brilhando e nos quais o azeite transborda. São esses lugares invisíveis que só percebemos quando vivemos a partir do coração. Tais lugares invisíveis coincidem com as dimensões sadias que nos habitam: sentimentos elevados, desejos nobres, pensamentos oblativos... São sadias porque a sensatez de seu candil vai nos indicando o valor das coisas pequenas que passam quase desapercebidas. São realidades pequenas (como o grão de mostarda, uma medida de fermento ou uma moeda perdida), mas carregadas de eternidade. Quando habitamos estes lugares, o tempo se faz mais denso e palpável, a sensibilidade se torna mais refinada, a visão se amplia e um sentimento de profunda gratidão nos invade. Não estamos nas montanhas inacessíveis ou nos desertos impossíveis; estamos no cotidiano luminoso que não percebemos devidos às pressas estressantes ou pelo esquecimento de buscar o perfeito que não existe. É questão de sensatez de vida.
“Há dentro de nós uma chama sagrada coberta pelas cinzas do consumismo, da busca de bens materiais, de uma vida distraída das coisas essenciais. É preciso remover tais cinzas e despertar a chama sagrada. E então irradiaremos. Seremos como um Sol”. (L. Boff)
No fundo, todos somos as dez jovens da parábola; todos vamos fazendo um caminho de aprendizagem para o amor. Mas, é preciso retomar a questão central: quem sou eu diante de Deus que vem, que está conduzindo minha vida? Tenho azeite o suficiente, sou portador da luz de Deus?
Esta é a esperança que Jesus alimentava: Ele queria constituir um povo de pessoas luminosas, uma cidade de pessoas transformadas em luz. Assim quer Jesus que seja sua Igreja: uma multidão de gente que ilumina de forma generosa, presenteando sua luz, gratuitamente, para que todos vejam e vivam em concórdia.
Aqui não há luta da luz contra as trevas, mas iluminação de vida: que todos possam ver, porque a luz recebida é presenteada a todos.
O ser humano é portador de uma luz que o transborda e que se expressa no seu corpo, nos seus gestos, nas suas ações solidárias e que são a verdadeira lâmpada de Deus no mundo. Um ser portador do melhor azeite e transparente: essa é a benção de Deus, o dom maior, a vida mesma feita luz e comunicação.
Somos “luz do mundo”, uma chama que nunca se apaga. Somos “sarça ardente” para os outros, consumindo-nos constantemente, na entrega e no serviço.
Somos uma lamparina humilde, brilhando na janela da nossa pobre casa, indicando aos outros o caminho da segurança e do aconchego.
Dentro de ti deves descobrir o azeite, pois teu interior tem reservas deste precioso dom. Se acessas a ele, darás luz que iluminará teus passos. Essa chama, se é autêntica, não poderá ficar oculta, mas que iluminará também todos os outros.
É preciso descobrir teu próprio azeite: é o que há de mais original e divino em teu coração. Ninguém pode emprestá-lo, porque é tua própria vida. Toda vida se move de dentro para fora.
Deixa-te iluminar, leve a Luz nas tuas pobres e frágeis mãos, iluminando os recantos do teu cotidiano.