A reflexão bíblica é de Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 6º Domingo do Tempo de Páscoa, ciclo A do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto bíblico de João 14,15-21.
“...e Ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade.”
Jesus está se despedindo de seus discípulos; Ele os vê tristes e abatidos, pois, logo não o terão presente entre eles. Quem poderá preencher este vazio da ausência? Até agora, foi Jesus quem cuidou deles, defendendo-os dos escribas e fariseus, sustentando-os na fé frágil e vacilante deles, ajudando-os a descobrir a verdade de Deus e iniciando-os em seu projeto humanizador.
Nesta conversação Jesus não só verbaliza o que pensa, mas também expressa o que sente. O grau de autorrevelação e transparência aumenta.
Esta longa conversa é uma oportunidade única para os discípulos conhecerem mais profundamente o Mestre; ao mesmo tempo lhes é dada a chance de se conectarem com o significado nem sempre consciente daquilo que Jesus quer dizer.
A conversação deixa, então, transparecer as convicções, os sonhos, os sentimentos... de Jesus. “As palavras me escondem sem cuidado” (Manoel de Barros). Nesta maneira de conversar, Jesus se manifesta tal e como é, verbalizando aspectos de si mesmo muito íntimos e pessoais. A experiência do “nós” revela um significado especial de comunhão e entrega.
Jesus lhes fala apaixonadamente do seu Espírito; não os quer deixar órfãos. Ele mesmo pedirá ao Pai que não os abandone, que lhe dê “outro defensor” para que “esteja sempre com eles”. Jesus o chama “Espírito da verdade”. Que se esconde nestas palavras de Jesus?
Para o quarto evangelho, o Espírito é “outro Paráclito” porque aquelas comunidades do final do século I têm claro que o “primeiro Paráclito” é o próprio Jesus.
O termo grego “Parakletos”, que se costuma traduzir como “defensor”, significa literalmente “aquele que está ao lado”, para defender, apoiar, consolar, sustentar... Por esse motivo, alguém já insinuou que a tradução mais de acordo seria tanto de “advogado defensor” como de “assistente social”.
Uma coisa é muito clara para o evangelista João. O mundo não vai poder “ver” nem “conhecer” a verdade que se esconde em Jesus. Para muitos, Jesus terá passado por este mundo como se nada tivesse acontecido; não deixará rastro algum em suas vidas. Para conhecer Jesus é preciso ter olhos novos. Só aqueles que o amam poderão experimentar que Ele está vivo, faz viver e chama ao seguimento. “Conhecimento interno para mais amá-lo e segui-lo” (Santo Inácio).
Este “Espírito da verdade” não deve ser confundido com doutrina, dogmas... Não se encontra nos livros dos teólogos nem nos documentos do magistério da Igreja. Segundo a promessa de Jesus, “o Espírito permanece junto de nós e está dentro de nós”. Nós o escutamos em nosso interior e resplandece na vida de quem segue os passos de Jesus de maneira humilde, confiada e fiel.
É o “Espírito da verdade” que desperta em nós os sentimentos mais elevados, os desejos mais nobres, os recursos inspiradores... Ele tem a capacidade de fazer sintonizar nosso coração com os sentimentos do coração do próprio Jesus.
Talvez seja esta a conversão que mais precisamos hoje como seguidores(as): passar de uma adesão verbal, rotineira e pouco real a Jesus para a experiência de viver enraizados em seu “Espírito da verdade”. Afinal, somos seguidores de uma Pessoa e não de uma religião ou doutrina.
Este “Espírito da verdade” não nos converte em “proprietários” da verdade; não vem para que imponhamos a outros nossa fé nem para que controlemos sua ortodoxia. Vem para não nos deixar órfãos de Jesus, e nos convida a abrir-nos à sua verdade, escutando, acolhendo e vivendo seu Evangelho.
Este “Espírito da verdade” também não nos faz “guardiões” da verdade, mas testemunhas. Nossa missão não é disputar, combater nem derrotar adversários, mas viver a verdade do Evangelho e “amar a Jesus guardando seus mandamentos”.
O “Espírito da verdade” é Aquele que nos desvela como verdadeiros; Ele nos sintoniza com a “verdade de Jesus” e faz emergir nossa verdadeira identidade de pessoas originais, únicas, sagradas...
Quem se deixa conduzir pelo “Espírito da verdade” torna-se testemunho da verdade contra todo tipo de calúnias, mentiras, intolerâncias, fanatismos. É extremamente incoerente quem afirma se deixar conduzir pelo Espírito e atua como canal transmissor de fake news, julgamentos preconceituosos...
A “verdade” se expressa assim como “testemunho” de vida interior. Temos ao nosso lado o Grande Testemunho de Deus, que é Jesus. Podemos ser e somos testemunhas de Deus uns para com os outros.
O Deus de Jesus está presente no mais profundo de nosso ser, identificado com nossa essência. Sendo Amor em nós não pode admitir intermediários. Isto não é útil para nenhum poder ou instituição.
Mas esse é o Deus de Jesus. Esse é o Deus que, sendo Espírito, tem como único objetivo conduzir-nos à plenitude da verdade, a sermos verdade, verdadeiros, autênticos. E aqui “Verdade”, ao contrário do que, muitas vezes pensamos, não é conhecimento, mas Vida.
Enquanto haja Espírito há alento e enquanto haja alento há vida. O Espírito é o alento, a respiração do mundo. O Espírito enche a face da terra, penetra até o mais íntimo dos nossos corações.
O Santo Espírito da verdade nos faz respirar, viver, sonhar, amar, criar... O Espírito, no aperto nos dá largueza, na enfermidade nos convida a crer na cura, no caos nos torna criadores.
O Espírito nos foi enviado para que seja o Alento do mundo; Ele é como rios de água viva para que haja vida e vida em abundância; como labaredas de fogo, para que a energia se multiplique e tudo funcione.
“Creio no Espírito Santo, Senhor e doador de vida!”. Esta confissão de fé não é uma mera fórmula teológica. É o testemunho de uma experiência permanente, histórica. Sem o “Espírito de Vida” a trama da história se revela inquietante e deprimente. Sob o olhar do Espírito o diagnóstico é decididamente positivo.
Quando nos deixamos acender com as chamas do Espírito, quando nos deixamos arejar pelo vento impetuoso do Espírito, ou refrescar pelos rios de água viva, experimentamos, em nós e nos demais, um florescimento inusitado de carismas, de dons, que tornam possível o impossível; confiamos mais nos ritmos e tempos de Deus; celebramos a existência de uma fonte de Água Viva que tudo fecunda, um Alento divino que nos faz respirar, um Fogo de Deus que tudo energiza, um Espírito que nos guia para o Paraíso, quando parece que tudo está perdido.
O Espírito Santo é a Respiração do mundo. Tudo vive graças ao Espírito. E quando uma pessoa, cheia do Espírito, morre, não o perde... mas o exala sobre os demais. Jesus ressuscitado exalou o seu Espírito sobre os discípulos. Aqueles(as) que na terra deixaram as marcas do bem, da verdade, da justiça, continuam exalando o Espírito sobre nós.
Queira o Abbá e Jesus conceder-nos, neste dia. a graça de respirar como convém e que, depois de enchermos os pulmões de Espírito, nos tornemos mais verdadeiros e esperançados.
A Igreja correu o risco de entender a verdade como algo imposto de fora, resolvido e ensinado desde cima. Mas Jesus promete aos seus um magistério interior: os cristãos só conhecem a autoridade do Espírito-Paráclito, que interpreta e atualiza a mensagem do Evangelho.
Corremos o risco do engano, da manipulação de diferentes tipos. Pois bem, se confiarmos no Espírito que vive dentro de nós, teremos a garantia da verdade. Esta é a verdade interna, aquela que ilumina a vida, a partir do interior de Deus, que é nossa luz.
No silêncio do seu coração, deixe-se ensinar e conduzir pelo Divino Mestre.