31º domingo do tempo comum – Ano C – Subsídio exegético

28 Outubro 2022

 

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF

Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló

 

Leituras do dia

Primeira Leitura: Sb 11,22―12,2
Salmo: 144,1-2.8-9.10-11.13cd-14
Segunda Leitura: 2Ts 1,11―2,2
Evangelho: Lc 19,1-10

 

O Evangelho

 

O episódio de Zaqueu é intencionalmente colocado em contraste com o do “homem importante” em 18,18-23. Ambos são influentes, ambos ricos. O primeiro sempre observou todos os mandamentos e pode até ser considerado justo. Mas não foi capaz de fazer “o que lhe faltava”, que consistia em colocar a sua vida à inteira disposição do Messias, assinalando este compromisso com o gesto de vender todos os seus bens e distribuí-los aos pobres. Zaqueu, por outro lado, era considerado um “pecador”, por causa de sua profissão de chefe dos cobradores do imposto. Mas ele está ansioso para receber o Messias com grande alegria e declara sua vontade de compartilhar suas riquezas com os pobres, não com um único ato donativo, mas por um compromisso habitual. E longe de ser “ávido”, caso descubra que obteve lucros ilícitos, ele quer devolver o máximo estabelecido pela Torá (Ex 21,37; Lv 6,5; Nm 5,6-7).

A lição moral mais óbvia a ser tirada da justaposição dessas histórias é que as aparências enganam. A atitude do notável fazia pensar em uma pessoa piedosa e observadora; mas ele estava surdo ao chamado do Messias. A profissão de coletor de impostos sugeria corrupção; mas ele faz se mostra correto em seu trabalho; ele é, como Jesus declara, um “filho de Abraão”. Na estrutura da história de Lc, no entanto, a lição transmitida por esta justaposição não é simplesmente moral. Os episódios em sucessão mostrarão o Messias a caminho da morte e as pessoas que estão se reunindo ao seu redor. A boa nova continua a alcançar os pobres e os marginalizados, aqueles que se perderam são “procurados e salvos”. O Messias acolhe todos e eles o aceitam. É nesta hospitalidade feita de fé que vem a salvação, e a salvação é acolhida “glorificando a Deus com alegria”.

Lucas recorda mais uma vez para seus leitores/as que a disposição do coração é simbolizada pelo grau de apego às posses. Quanto mais apegado às suas riquezas, mais surdo ao chamado do Messias. Quanto mais generosamente uma pessoa compartilha com os pobres, com mais entusiasmo ela acolhe o Messias.

A narrativa se articula em dois momentos: v.1-6, a conversão de Zaqueu; v.7- 10, a reação negativa dos presentes escandalizados e a resposta de Jesus.

Jericó era uma cidade de fronteira, passagem obrigatória para as rotas de caravanas que iam a Jerusalém desde as regiões da Transjordânia, da Arábia e do vale do Jordão.

Zaqueu, “chefe dos cobradores de imposto” é chamado de architelōnēs (a única vez no NT). Lucas traça um paralelo com o archōn de 18,18. Como o personagem anterior, este cobrador de impostos também é rico (plousios). O nome Zaqueu aparece apenas aqui no NT e em outros lugares da Bíblia apenas em 2Mc 10,19. É um nome grecizado (Zakchaios) do hebraico Zakkay (da raiz zk’ “ser puro”. Ironia de Lc?).

“Cobradores de impostos”: tradução do termo telōnai. Nesse período na Palestina parece que eles eram responsáveis pela coleta de impostos indiretos em bancas especiais (cf. o telōnoin ou repartição de impostos em Lc 5,27) sob o controle de certos “chefes”, como Zaqueu (architelōnēs 19,2) e da administração imperial. O desprezo que sofriam é demonstrado por pessoas religiosamente empenhadas (cf. 15,1-2; 18,10-11). Mas estes constituem um dos grupos que aceitam tanto João quanto Jesus (cf. Lc 5,27.29-30; 7,29-30,34; 15,1-2; 19,2).

“Procurava ver Jesus”. A tradução de zéteó como “procurava” é perfeitamente em consonância com o contexto, mas deve-se notar que Lucas com este termo estabelece um jogo verbal com a conclusão do episódio: o Filho da humanidade veio “procurar e salvar o que estava perdido”. Zaqueu, procurando ver, não sabe que ele mesmo é encontrado e salvo.

“Hoje devo ficar em tua casa”. Uma declaração aparentemente trivial. Lc evoca os temas literários e religiosos mais amplos de seu evangelho. O termo “hoje” (sēmeron) será repetido solenemente em 19,9 com relação à salvação. O verbo impessoal dei (é preciso) é usado para indicar pontos de inflexão importantes na história ordenada por Deus (à guisa de comparação, veja 17,25). Nas instruções dadas aos missionários Jesus sublinha a importância de “parar, permanecer” (menó) na casa que os acolhe (9,4; 10,7). A palavra aqui, portanto, implica que Zaqueu tem a oportunidade de acolher o Messias e sua mensagem do reino de Deus.

“E o recebeu com alegria”. Mais uma vez a nota de hospitalidade é destacada. Lc usa o mesmo verbo (hypodechomai) já empregado para as boas-vindas mostradas a Jesus por Marta. O particípio chairōn é traduzido como se fosse um advérbio: “com alegria”. Observe-se em particular como o motivo da “alegria” está associado à conversão em.

“Todos começaram a resmungar”. Reação atribuída aos discípulos/as, à multidão e aos adversários que Lc sempre apresenta na companhia de Jesus nesta sua jornada a Jerusalém. No relato de Lc, os “pecadores” respondem positivamente a Jesus (5.30.32; 7.34.39; 15.1-2.7.10; 18.13; 19,7).

“Dou metade dos meus bens aos pobres”. Zaqueu usa o presente, didōmi, que não deve ser entendido como um ato isolado e/ou futura de generosidade, mas como uma prática repetitiva e habitual. Zaqueu dá esmolas, o que para Lc é um verdadeiro sinal de retidão (6,30-31,38; 11,41; 12,33; 16,9; 18,22,29). Ambos os verbos estão no tempo presente (eu dou”, eu restituo”). A multidão não acredita nele, mas Jesus o reconhece como um “filho de Abraão”.

“Hoje a salvação entrou nesta casa”. A construção da frase (com egeneto: literalmente “aconteceu”) é bastante estranha. Esta é a primeira vez desde a história da infância (1,69.71.77), que o termo “salvação” (sōtēria) é usado; embora a forma verbal “salvar” tenha sido frequentemente usada em relação às maravilhas de Jesus (6,9; 7,50; 8,12.48,50; 9,24.56; 17,19; 18,42). Neste caso, a salvação “acontece” na aceitação da visitação do Messias e na distribuição dos bens aos pobres.

“Porque também este é um filho de Abraão”. Observe a mudança de sintaxe na frase. Jesus diz a Zaqueu diretamente que a salvação veio para esta (tua) casa, mas a explicação “porque também este” está na terceira pessoa em vez da segunda. Devemos imaginar Jesus que, ao pronunciar a segunda parte do ditado, se volta para os expectadores.

“Veio procurar e salvar o que estava perdido”. A linguagem de buscar o que foi perdido lembra ao leitor/a, em particular, as parábolas da conversão em 15,3-32.
Relacionando com as outras leituras

A primeira leitura (Sb) é colocada ao lado da página do encontro de Jesus com Zaqueu. “Hoje a salvação entrou nesta casa”, diz Jesus depois de olhar para ele. Este é um modo original de traduzir a expressão da Sabedoria: “fechas os olhos aos pecados das pessoas” (11,23), mas entras nos corações.

 

 

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