Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF:
Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló
Primeira Leitura: Ecle 1,2; 2,21-23
Salmo: 89,3-6.12-14.17
Segunda Leitura: Cl 3,1-5.9-11
Evangelho: Lc 12,13-21
A primeira parte deste capítulo 12 de Lucas é composta por uma série de ensinamentos de Jesus à multidão. No trecho de hoje (Lc 12,13- 21), Jesus é interrompido por alguém da multidão que o desafia, como mestre da Lei, a resolver uma disputa de herança familiar: Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança (v. 13). A resposta de Jesus talvez nos pareça desconcertante: Homem, quem me constituiu juiz ou mediador sobre vós? (v.14). Jesus deixa claro que ele não veio para resolver tais questões legais. Jesus rejeita o papel de juiz em disputas familiares sobre herança, mas aproveita para alertar sobre o perigo da ganância.
O v.15 expõe a cobiça por trás do pedido de intervenção jurídica. Jesus adverte contra esse tipo de ganância: E guardai-vos de toda avareza (v.15c). O termo grego pleonexia é normalmente traduzido por “avareza”. Esta tradução é possível, mas não diz tudo. Pleonexia indica o vício de desejar ter mais do que é merecido, a insaciedade da pessoa obcecada por adquirir e acumular dinheiro. Não é à toa que Paulo, em Cl 3,5, qualifica a avareza como idolatria.
Na continuação de sua resposta, Jesus afirma: Porque a vida de alguém não está naquilo que sobra das suas riquezas (v.15d). Jesus estabelece uma distinção fundamental bastante clara entre a vida e as riquezas: a vida é um dom de Deus; nenhuma posse, por mais abundante que seja, pode torná-la maior nem mais segura. Muito mais importante que ter, é ser: ser alguém que ouve a Palavra de Deus e age de acordo com ela, é mais importante do que viver em uma abundância desnecessária.
Nos vv.16-21, Jesus conta uma parábola: um homem muito rico, que por sua boa administração se torna ainda mais rico. Mas a inteligência para os negócios não faz deste homem um sábio. Jesus não fala de pecado e não diz que é pecado ser rico. Jesus fala de ser sábio e ser insensato. Para o mundo, é sábio quem tem a capacidade de ganhar dinheiro e enriquecer. Mas Jesus não pensa assim. Aquele homem foi insensato, não porque buscou administrar bem sua riqueza, e sim porque se esqueceu que, diante da morte, a riqueza é inútil. Ele queria desfrutar as riquezas só para esta vida: descansa, come, bebe, regala-te (v.19). Mas não pensou em aproveitá-las para garantir também a outra vida. Em outras palavras, ele acumulou riquezas só para si mesmo (cf. v.21).
Na mesma linha da parábola do evangelho, o sábio do Antigo Testamento afirma: Há quem trabalhe com sabedoria, ciência e êxito, mas deixará a sua porção a alguém não se esforçou em nada. [...] Sim, todos os seus dias são dores, e sua ocupação é só sofrimento; nem de noite seu coração descansa (Ecl 2,21.23).
Ao contrário de Qohélet, Jesus não fala do homem rico como alguém que sofre e não consegue dormir; em vez disso, conta a história de alguém que conseguiu enriquecer graças a uma superprodução agrícola. Na parábola de Jesus, a dureza nos trabalhos no campo não tem nenhuma relevância. Diferente de Qohélet, Jesus não critica o esforço do dono do campo (latifundiário?) para atingir tal sucesso. O que Jesus condena é a ilusão daquele homem de aproveitar de modo egoísta seu capital e sua riqueza: descansar, comer, beber e festejar. Não obstante, Jesus concorda com Qohélet: nenhum deles será capaz de manter sua riqueza pois, antes ou depois, a morte fará com que ela passe para descendentes ou outra pessoa.
As duras reflexões de Qohélet: a alegria de usufruir dos bens do sucesso e das conquistas não se prolonga além da morte. Nisso, Jesus não discorda de Qohélet: a morte põe fim a todos os projetos. Mas sua conclusão é bem diferente: Assim é aquele que entesoura para si mesmo e não é rico diante de Deus (v. 21). Em outras palavras, Jesus aconselha uma atitude prática e positiva: enriquecer-se aos olhos de Deus.