Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF:
Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló
Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno
Primeira Leitura: At 15,1-2.22-29
Segunda Leitura: Ap 21,10-14.22-23
Salmo: 66,2-3.5.6.8
Evangelho: Jo 14,23-29
Esta parte do Quarto Evangelho encontra-se no chamado “Livro da Hora” (13,1-20,9) ou do caminho de volta para o Pai. No capítulo 13 a “hora” é marcada por Jesus reunido com sua comunidade, pano de fundo de todo o “discurso de despedida” que vai do capítulo 13 ao 17. Este “testamento” de Jesus resume seu legado de diferentes formas: “a primazia do serviço” no lava-pés (13,12-20), o “novo mandamento” de amar como ele amou (13,21-35), o lar místico de Jesus e quem lhe segue seguindo os mandamentos nas “muitas moradas” (14,1-15), chegando ao sentido da continuidade da missão de Jesus através do “Paráclito”, “Consolador”, ou “Espírito da Verdade” (14,16-31). Neste domingo se dá a transição entre o Tempo Pascal e o tempo do Pentecostes. O Lecionário pinça uma parte da perícope para conseguir este objetivo. Qual é, então, o possível sentido que a “tradição” da igreja (lecionário) dá à leitura do Evangelho de hoje?
O amor: ponto de partida e gerador de sentido (14,23)
Começa com a resposta de uma pergunta que aparece em 14,22. Judas – não o Iscariotes – pergunta por que ele se manifesta para a comunidade e não ao mundo. A resposta condiciona tudo ao amor: quem ama recebe amor, quem ama guarda a Palavra, quem ama habita com Deus em Cristo. No “mundo” está “quem não me ama” (14,24). O seguimento da “palavra” (logos) é o seguimento do próprio Cristo. A tradição viu que, no amor, tudo tem seu ponto de partida, lembrando de Santo Agostinho: “ama e faz o que quiseres”.
O Consolador que ensina o sentido (14,26): Também aqui temos que voltar para a primeira parte da perícope, quando em 14,16 se anuncia que o Pai vai enviar este “Consolador” (em grego paráclitos que quer dizer “advogado”, “aquele que fica do lado da pessoa”). O “Espírito da Verdade” (pneumas tes aletéias) concretiza a presença amorosa de Deus na vida das pessoas que amam e levam amor ao mundo através da Palavra, e isto é recebem a Verdade.
A Paz, sentido da presença divina na vida de quem ama (14,27)
A Paz (em grego eirene) deve ser lida no sentido hebraico/aramaico de shalom. No sentido grego “paz” é “tranquilidade de espírito”; mas, no sentido hebraico/aramaico é fartura, felicidade e plenitude. Jesus não vai para nenhum “limbo”, mas para junto do Pai (14,28), que por sua vez permanece junto à comunidade que ama através do Espírito da Verdade/Santo que lhe defende e ampara no caminho da missão no mundo.
Aviso para que creiam (14.29)
O Quarto Evangelho é escrito por volta do ano 100 d.C. Nessa época havia muita gente sentindo falta de Jesus. Muitas das pessoas que lhe seguiram tinham morrido. Será que nos abandonou? Este aviso quer lembrar que Jesus está na comunidade que vive o amor através da ação do Espírito da Verdade/Santo, que entende a dor, que a fortalece. A amor é, como quer nos mostrar a tradição, o ponto de partida capaz de superar frustrações e exclusões, e dar sentido a ser comunidade de amor em um mundo que clama por amor e paz.
A leitura de Atos nos fala da inclusão das pessoas não judias que se convertiam à fé cristã. Dois critérios se confrontaram: impor a elas as exigências da lei bíblica (circuncisão) ou admitir que a presença do Espírito da Verdade/Santo, do amor vivendo nelas, era suficiente. A sentença final diz: “na verdade pareceu bem ao Espírito Santo não lhes impor mais nenhuma carga, exceto o essencial” (At 15,28). Não era uma “concessão” de quem tinha mais dignidade ou autoridade institucional, mas o reconhecimento de uma ação amorosa do Espírito Santo, capaz de curar divisões e exclusões.
Assim também podemos interpretar a visão da Nova Jerusalém no Livro de Apocalipse, com 12 portas abertas para os quatro pontos cardeais da terra, que não são algumas portas, mas todas as portas para todas as pessoas que desejam entrar, 12 tribos, que não são apenas um povo, mas expressão de todos os povos, 12 alicerces desse mundo novo onde há moradas para todas as pessoas que amam (Ap 21,10-14). Um mundo do Cordeiro que se entrega por amor e que se torna luz para todas as pessoas em todos os lugares (Ap 21,22-23).