"Assim como o Livro de Apocalipse, o Evangelho segundo a Comunidade de Marcos reflete a primeira grande perseguição contra as pessoas cristãs e as trágicas e irreparáveis mortes dos apóstolos Paulo e Pedro. A memória desta comunidade carregava o horror de ver Roma pegando fogo, pessoas morrendo, e depois o horror de ser culpada e perseguida pela tragédia, levando muitas pessoas queridas ao martírio. Mas, ainda podemos perguntar, por que a volta de Cristo, em princípio um evento glorioso e libertador, devia ser descrito assim? "
O subsídio é elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF:
- Dr. Bruno Glaab
- Me. Carlos Rodrigo Dutra
- Dr. Humberto Maiztegui
- Me. Rita de Cácia Ló
Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno
Evangelho: Mc 13, 24-32
Primeira Leitura: Dn 12, 1-3
Segunda Leitura: Hb 10, 11-14.18
Salmo: 15, 5.8.9-10.11
Sempre é bom lembrar que o Evangelho segundo a Comunidade de Marcos foi o primeiro a ser sistematizado. Portanto, ali se “inauguram” algumas formas da narrativa evangélica, entre elas, o discurso escatológico. Mas, por que falar do fim dos tempos de forma tão aterradora? Alguns estudos chamam Mc 13 de “pequeno apocalipse”. Esta denominação tem seu sentido, não tanto na forma, mas no contexto. Assim como o Livro de Apocalipse, o Evangelho segundo a Comunidade de Marcos reflete a primeira grande perseguição contra as pessoas cristãs e as trágicas e irreparáveis mortes dos apóstolos Paulo e Pedro. A memória desta comunidade carregava o horror de ver Roma pegando fogo, pessoas morrendo, e depois o horror de ser culpada e perseguida pela tragédia, levando muitas pessoas queridas ao martírio. Mas, ainda podemos perguntar, por que a volta de Cristo, em princípio um evento glorioso e libertador, devia ser descrito assim? Porque descobriram que, assim como Jesus Cristo passou pela Cruz antes da Ressurreição e Ascenção, as comunidades cristãs seriam desafiadas a resistir a muitas formas de morte e de violência. Quem não aceitasse este caminho difícil não poderia aceder ao horizonte da vida, este sim glorioso e pleno.
O conjunto deste discurso inicia antes, desde o começo do capítulo 13, abrindo com o anúncio da destruição do Templo de Jerusalém (evento que esta comunidade não tinha testemunhado). Em 13,3-13, descreve como o próprio nome de Jesus será usado para enganar e até pessoas das suas famílias lhes entregarão à morte (nada que não estivesse na memória recente desta comunidade). Em 13,14-23, lembrando de Daniel na resistência contra a opressão grega de Antíoco 4º, quando a estátua de Zeus foi colocada no Templo (abominável desolação), resgata a tortura e perseguição sofrida por quem se negava a adorar o “deus César”, e de novo lembra que há pessoas usando o nome de Cristo para enganar (Mc 13,21; cf. 13,6). Trata-se de uma comunidade “cercada” entre a violência do império que busca eliminá-la e a mentira e engano de quem busca se aproveitar desta situação.
Tribulação e Glória (13,24-27): A narrativa começa dizendo “naqueles dias” (ekeinais tais emerais) que é a mesma expressão que está no centro da perícope anterior em 13,17b. Cita de novo o trecho anterior quando se refere à tribulação (tlipsis) mencionada em 13,19 (“haverá uma tribulação como nunca houve antes desde o começo da criação”). Portanto, Mc 13,24 adverte: “para compreender o que vamos falar agora leia primeiro as passagens anteriores e lembre-se do que está acontecendo no mundo”. A Glória, a reunião de todas as pessoas que lutaram pela vida e vitória final das forças divinas (anjos) acontecerá só depois da resistência. Qualquer outra previsão é enganadora.
Preparar-se observando/vigiando os sinais e não se deixar enganar (13,28-37): Assim como a natureza vive ciclos que podem ser observáveis como o da figueira com o verão, a comunidade – “esta geração” (13.30b) - é convidada a observar as relações de poder - relações de vida e morte - ao seu redor como sinais de uma grande transformação e ser portadora desta “Boa Nova” para a terra e o céu (cf. 13,31).
Duas qualificações são necessárias para atravessar o tempo da tribulação e alcançar a vitória final:
a. Não se deixar enganar por falsas previsões, porque ninguém sabe o dia, o importante é resistir e caminhar rumo à vitória final (13,31-32)
b. Ser vigilantes em relação à realidade para poder participar de forma ativa e efetiva quando chegar o momento (13,33-37).
Relacionando com os outros textos
A leitura de Daniel nos apresenta a fonte destes textos em Marcos, quando a luta contra a opressão de Antíoco 4º exigiu do povo em luta a visão de fé que lhe permitisse resistir e finalmente vencer o opressor. A vitória de Miguel Arcanjo é a vitória do povo inscrito no livro, porém, a vida, ressurreição será para quem abraçou a causa da justiça (Dn 12,1-3).
Já a Epístola aos Hebreus reafirma o sacrifício vicário de Cristo (que se colocou no lugar do povo) e só assim pode vencer ao lado de Deus. Sacrifício que destrói o poder do pecado – morte, destruição, violência - e prepara/capacita para derrota de todos os inimigos da vida.