20 Dezembro 2018
A leitura que a Igreja propõe para celebrar esta Noite do Natal é o Evangelho segundo Lucas 2,1-14, ciclo C, do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.
Os homens acabam por se habituar a quase tudo. Frequentemente, o hábito e a rotina vão esvaziando de vida a nossa existência. Dizia Ch. Péguy que «há algo pior do que ter uma alma perversa, é ter uma alma habituada a quase tudo». É por isso que não podemos nos surpreender que a celebração do Natal, envolta em superficialidade e consumismo louco, dificilmente diga algo novo ou alegre para tantos homens e mulheres de «alma acostumada».
Estamos acostumados a ouvir que «Deus nasceu num portal de Belém». Já não nos surpreende nem comove um Deus que se oferece como uma criança. A. Saint-Exupéry diz no prólogo de seu delicioso Principezinho: «Todas as pessoas crescidas foram crianças antes. Mas poucos se lembram». Esquecemos o que é ser criança. E esquecemos que o primeiro olhar de Deus ao se aproximar do mundo foi o olhar de uma criança.
Mas essa é precisamente a grande novidade do Natal. Deus é e continua sendo Mistério. Mas agora sabemos que não é um ser tenebroso, inquietante e temível, mas alguém que nos é próximo, indefeso, afetuoso, a partir da ternura e da transparência de uma criança.
E esta é a mensagem do Natal. Há que sair ao encontro desse Deus, devemos mudar o coração, tornar-nos crianças, nascer de novo, recuperar a transparência do coração, abrir-nos com confiança à graça e ao perdão.
Apesar da nossa terrível superficialidade, do nosso ceticismo e desencanto, e acima de tudo, o nosso inconfessável egoísmo e mesquinhez de «adulto», sempre há nos nossos corações um recanto íntimo onde ainda não deixamos de ser crianças.
Atrevamo-nos por uma vez a olhar-nos com simplicidade e sem reservas. Façamos um pouco de silêncio ao nosso redor. Apaguemos a televisão. Esqueçamos a nossa pressa, os nervosismos, as compras e os compromissos.
Escutemos dentro de nós esse «coração de criança» que ainda não se fechou à possibilidade de uma vida mais sincera, bondosa e confiante em Deus. É possível que começássemos a ver a nossa vida de outra forma. «Não se vê bem senão com o coração. O essencial é invisível aos olhos» (A. Saint-Exupéry).
E, acima de tudo, é possível que escutemos uma chamada para renascer para uma nova fé. Uma fé que não seja estagnada, mas rejuvenesça; que não nos encerre em nós mesmos, mas nos abra; que não separe mas una; que não tem medo, mas que confia; que não entristeça, mas que ilumine; que não tema mas que ame.
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Diante do mistério do menino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU