21 Abril 2017
Hoje é o Domingo da Misericórdia Divina e, também, o 2º da Páscoa, assim chamado para marcar que os cinquenta dias da Páscoa até Pentecostes são um só e mesmo tempo: o tempo do Espírito! Na tarde da Páscoa, Jesus veio até aos discípulos e, soprando sobre eles, disse: “Recebei o Espírito Santo” (João 20,22).
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do Domingo da Divina Misericórdia, do Ciclo A. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas
1ª leitura: «Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e colocavam tudo em comum» (Atos 2,42-47)
Salmo: Sl. 117(118) - R/ Dai graças ao Senhor, porque ele é bom; eterna é a sua misericórdia!
2ª leitura: «Em sua grande misericórdia, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, ele nos fez nascer de novo, para uma esperança viva» (1 Pedro 1,3-9)
Evangelho: «Oito dias depois, estando fechadas as portas, Jesus entrou» (João 20,19-31)
Seja no cântico de entrada, extraído do capítulo 2 da primeira carta de Pedro, seja na segunda leitura, tirada do capítulo 1 da mesma carta, o tema do nascimento ocupa o primeiro plano. Temos, pois, de levá-lo a sério, tanto mais que o encontramos em muitos outros textos de João e de Paulo (ver, por exemplo, a conversa de Jesus com Nicodemos, em João 3).
A Escritura nos sinaliza que a Páscoa de Cristo inaugura uma vida nova, um novo estatuto da condição humana. Toda a Bíblia representa a laboriosa gestação deste Homem Novo e definitivo. Como muitas vezes se tem notado, o Novo Testamento cita o versículo 7 do Salmo 2, «Tu és meu filho, eu hoje te gerei», não a propósito do nascimento de Jesus em Belém, mas a propósito da ressurreição (Hebreus 1,5; 5,5; Atos 13,33).
Paulo vai até mesmo escrever aos Romanos (1,2-4) que foi escolhido para anunciar o Evangelho de Deus «que diz respeito ao seu Filho, nascido da estirpe de Davi segundo a carne, estabelecido Filho de Deus com poder por sua ressurreição dos mortos, segundo o Espírito de santidade».
Com outras palavras, esta mudança de estatuto, que é fruto da ressurreição, encontra-se em Atos 2,36: «Deus o constituiu Senhor e Cristo, este Jesus a quem vós crucificastes.» A mesma coisa é dita em Atos 5,30-31. A ressurreição opera uma espécie de mudança de identidade e, no entanto, Jesus permanece sendo ele mesmo.
Renascer com o Cristo
Somos chamados a reviver este novo nascimento de Cristo. Nosso destino é o de nos tornarmos, nós também, filhos de Deus. Conforme se diz: n’Ele e por Ele. O batismo significa isto. Em Romanos 6,3-11, Paulo explica longamente que o batismo nos mergulhou na morte de Cristo para nos dar acesso a uma vida nova.
Temos, no fundo, a imagem de um retorno ao nada líquido do grande abismo primitivo (Gênesis 1,2), com vistas a uma nova criação. É claro, o batismo permanece como um rito, mas que, atualmente, dá sinais de fadiga. Por uma concepção um tanto mágica e materialista do famoso «caráter» por ele conferido, tendemos a ver neste sacramento somente um gesto, significando uma realidade imperceptível.
O batismo, no entanto, é mais do que um rito: 1 Pedro 3,21 fala de um «compromisso solene da boa consciência para com Deus pela ressurreição de Jesus Cristo». É um rito que ganha valor, portanto, por ser um ato de liberdade, até mesmo quando o compromisso é assumido pelos pais, em nome do batizado.
É o acesso a uma nova forma de existência, com certeza, mas esta passagem não se produz de uma vez por todas: o batismo é também um programa; temos a possibilidade de nascer para a vida nova ao longo de nossas escolhas. Não pelos esforços da nossa vontade, mas por uma confiança sem defeito naquele que nos liberta da morte seguidamente e que nos faz novos a cada instante.
O gêmeo
Confiança e fé! Temos aí, justamente, o que faltava a Tomé. Tem-se falado muitas vezes da dúvida deste apóstolo. Ora, não se trata de dúvida, mas de recusa à fé. Aliás, quanto a isto nós somos os seus irmãos «gêmeos», porque, para nós, a fé é muitas vezes difícil.
A aventura de Tomé pode nos reconfortar, porque nela podemos ver que o eclipse da fé não é forçosamente uma catástrofe e que o Cristo vem nos socorrer em nossa descrença. Ainda mais: os discípulos que anunciam a ressurreição de Jesus para Tomé contentam-se em chamá-lo de «Senhor».
Já Tomé, no final do relato, o chama de «meu Senhor e meu Deus». Os evangelhos não falam em «Deus», a propósito de Jesus. Eles o chamam de Filho do Homem, às vezes de Filho de Deus, mas nunca, a não ser aqui, de «Deus» simplesmente. Pela boca de Tomé, o discípulo que superou a sua descrença, o final do evangelho de João vai juntar as primeiras linhas nas quais, a respeito do Verbo, lemos que «Ele era Deus».
Da mesma forma que Zacarias, em Lucas 1,18, e que a «geração perversa e adúltera» que pede por um milagre, em Mateus 12,39, também Tomé exige ver para crer, e, no entanto, conforme diz Paulo, a fé vem pela audição, pelo acolhimento da palavra (Romanos 10,17).
É admirável que Cristo tenha se curvado à exigência do discípulo. Aliás, devemos observar, Tomé, o gêmeo universal, juntou-se então aos outros discípulos, que acreditaram porque tinham visto o Senhor (versículo 25). Daí podermos com isso nos tranquilizar e nos consolar, nas horas em que nossa fé se eclipsa.
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Meu Senhor e meu Deus! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU