Delfim Netto. Artigo de Mateus Dias e Marcelo Zanotti

Delfim Netto, o velho superministro da Fazenda, que se autodenominava o "pai do milagre econômico", deixou este mundo no dia 12 de agosto de 2024, carregando consigo uma bagagem de cinismo, elitismo e irresponsabilidade econômica que poucos no Brasil conseguiram acumular.

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Mateus Dias e Marcelo Zanotti | 24 Agosto 2024

"Não bastasse sua política desastrosa, Delfim era o protótipo do elitista. Desprezava qualquer tentativa de inclusão social ou distribuição de renda, preferindo sustentar as oligarquias e os interesses dos mais ricos", escrevem Mateus Dias e Marcelo Zanotti.

Mateus Dias é graduando em jornalismo pela Unisinos e membro da equipe do IHU.

Marcelo Zanotti é historiador, graduando em jornalismo pela Unisinos e membro da equipe do IHU.

Eis o artigo.

Delfim Netto, o velho superministro da Fazenda, que se autodenominava o "pai do milagre econômico", deixou este mundo no dia 12-08-2024, carregando consigo uma bagagem de cinismo, elitismo e irresponsabilidade econômica que poucos no Brasil conseguiram acumular.

Vamos ao currículo do falecido, antes que alguém o chame de "gênio da economia" em sua lápide. Delfim Netto foi o cérebro por trás da política econômica do regime militar, em um tempo em que o autoritarismo e a repressão eram a regra. O homem que teve um papel central na aprovação do famigerado Ato Institucional número cinco (AI-5) — que calou a boca da democracia e selou os destinos dos que ousaram se opor ao regime. Delfim, com seu cinismo habitual, assinou embaixo.

O tal "milagre econômico" dos anos 70, do qual Delfim foi o principal arquiteto, nada mais foi do que uma maquiagem barata. Durante sua gestão, o PIB brasileiro realmente cresceu, mas a que custo? O país foi mergulhado em dívidas externas monumentais, que mais tarde explodiriam na cara da população, deixando a conta para as gerações futuras. A desigualdade social aumentou de forma gritante, enquanto Delfim, com seu tom professoral, tratava o povo como uma massa ignorante, incapaz de compreender suas complexas fórmulas econômicas.

Não bastasse sua política desastrosa, Delfim era o protótipo do elitista. Desprezava qualquer tentativa de inclusão social ou distribuição de renda, preferindo sustentar as oligarquias e os interesses dos mais ricos. O Brasil dos anos 70 e 80 foi uma festa para a elite, enquanto o povo comia o pão que o diabo amassou. Delfim? Ele estava lá, no camarote, dando risada da miséria alheia.

E a inflação, essa velha conhecida do brasileiro, pode agradecer a Delfim por sua visita prolongada. A bolha econômica criada durante o "milagre" estourou com força nos anos 80, deixando um legado de hiperinflação que atormentaria o país por décadas. Delfim, claro, nunca admitiu seus erros. Preferia culpar o mundo, as circunstâncias, o acaso — qualquer coisa, menos a sua incompetência.

Delfim Netto jamais foi um homem de remorsos. Para ele, o Brasil era um grande tabuleiro de xadrez, onde o povo era um peão descartável, enquanto ele, com seu ar de superioridade intelectual, movia as peças conforme lhe convinha. O crescimento econômico que ele tanto vangloriava foi construído sobre um alicerce de areia movediça, ignorando deliberadamente os alertas de que o colapso era inevitável.

E colapsou. Os anos 80 chegaram com a conta salgada de uma festa que só alguns puderam aproveitar. O milagre econômico virou pesadelo inflacionário, e o Brasil entrou em uma espiral de crises que culminaria na chamada "década perdida". A pobreza aumentou, o desemprego disparou, e a desigualdade, já alarmante, tornou-se ainda mais profunda. Delfim, porém, sempre se mostrou inabalável, um verdadeiro mestre na arte de se eximir de responsabilidade.

Ele também foi um dos maiores defensores de políticas econômicas concentradas no topo da pirâmide social, uma mentalidade que se refletiu na manutenção de privilégios para poucos enquanto a maioria sofria as consequências de suas decisões. Era o tipo de homem que, diante de uma mesa farta, ria do estômago vazio do trabalhador comum. Não por maldade explícita, mas por uma convicção genuína de que a elite deveria prosperar, mesmo que à custa do sofrimento alheio.

O falecido ministro, em sua longa vida pública, foi o espelho de um Brasil que não deu certo. Um país onde a esperteza prevalece sobre a honestidade, onde o improviso é preferido à seriedade, e onde os interesses pessoais são colocados acima do bem comum. Delfim Netto simbolizou o pior desse país, com sua visão de uma economia para poucos, em que o desenvolvimento nunca foi sinônimo de justiça social.

Mesmo após deixar o governo, Delfim continuou a influenciar os rumos da política econômica brasileira, ora como conselheiro, ora como uma figura de bastidores. Nunca perdeu a oportunidade de defender suas ideias, ainda que os fatos gritassem contra elas. Para ele, os números eram mais importantes que as pessoas, e a economia, um jogo abstrato que não deveria se preocupar com os impactos humanos.

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