"[...]quem nasceu para ser palhaço, nunca será rei. Silvio Santos, com toda a sua genialidade, nunca entendeu isso completamente. Talvez porque, para ele, o público fosse soberano e, se o público o amava, então o reino era seu por direito. Mas a política, Silvio, não é feita de auditórios lotados. É feita de corredores vazios, de portas fechadas e de negociações nos bastidores. Datena, por sua vez, talvez tenha caído na mesma armadilha", escreve Marcelo Zanotti, historiador e membro da equipe do IHU.
Diz o povo, com a sabedoria que lhe é peculiar, que quem nasceu para ser palhaço nunca chegará a rei. Ora, para Silvio Santos, o eterno senhor dos domingos, essa máxima parecia uma ofensa pessoal. Pois, o homem, que já havia conquistado o coração das donas de casa, a confiança dos comerciantes e o prestígio dos empresários, decidiu que também era chegada a hora de conquistar o Palácio do Planalto. Afinal, se havia conquistado o Baú da Felicidade, por que não o trono presidencial?
Mas antes de nos aventurarmos nas veredas dessa história que parece mais fábula que realidade, voltemos ao princípio, quando o jovem Senor Abravanel, antes de ser Silvio Santos, vendia capinhas para título de eleitor nas ruas do Rio de Janeiro. Mal sabia ele que, décadas mais tarde, iria querer não só as capinhas, mas também os votos que os acompanhavam.
Era um tempo em que a televisão ainda engatinhava, e os sonhos de grandeza cabiam nos limites da tela de um televisor preto e branco. Porém, Silvio não cabia naquelas fronteiras. Seu carisma transbordava a TV, invadia as casas e se assentava nas salas de estar como um membro da família. Ele era o amigo de todas as horas, o compadre que ninguém havia convidado para o jantar, mas que todos queriam que ficasse até o café.
E assim, a trajetória de Silvio Santos foi uma ascensão meteórica, como se o homem fosse feito de puro carisma e determinação. Com o tempo, o que era apenas um apresentador virou empresário, e o empresário virou ícone. E, como todos sabemos, ícones não se contentam com pouco.
Silvio Santos, já consagrado como o mestre de cerimônias do entretenimento brasileiro, olhou para o panorama político e pensou: "Por que não?" Era o final dos anos 1980, e o Brasil respirava o ar fresco da redemocratização. A política era o novo espetáculo, e Silvio queria ser o protagonista.
Nas eleições de 1989, o Brasil viu algo inusitado. Em meio a Collor, Lula, Brizola e outros candidatos de linhagem política, surgiu Silvio, o animador de auditório. Ele entrou na corrida presidencial como quem entra em um sorteio de carrinhos de supermercado: sem a pretensão de ganhar, mas sabendo que seria divertido participar. Sua campanha era um reflexo de seu programa: leve, descontraída, repleta de sorrisos e promessas que, à semelhança dos aviõezinhos de dinheiro que jogava na plateia, eram tão tangíveis quanto o papel picado.
Silvio Santos se lançou candidato à presidência da República pelo nanico Partido Municipalista Brasileiro (PMB). Para um país ainda aprendendo a votar, a candidatura de um ícone popular parecia ser uma receita infalível de sucesso. Silvio, com sua imagem construída na base do entretenimento, parecia ter todas as qualidades que um bom político deveria ter: era conhecido, querido e tinha um programa que entrava nas casas de milhões de brasileiros.
Mas a política, como dizem, não é um jogo de sorte. Embora Silvio fosse um mestre em sorteios e rifas, a realidade política se mostrou menos maleável que os números da Loteria da Caixa. O PMB, que o acolheu como candidato, estava cheio de irregularidades e foi impugnado antes mesmo que Silvio pudesse sequer sonhar em colocar seu nome nas urnas. O showman estava fora da corrida presidencial antes mesmo de começar a correr.
A política não é brincadeira de domingo à tarde. Ela é, muitas vezes, um teatro de marionetes, onde as cordas são puxadas nos bastidores, longe dos holofotes. E Silvio, por mais que soubesse entreter, não conhecia as artimanhas dos que jogavam o jogo há décadas. Sua candidatura foi impugnada, e ele voltou ao que sabia fazer melhor: bem ou mal, com polêmica ou sem, ser Silvio Santos.
Mesmo sem a faixa presidencial, Silvio continuou seu show. Porque, afinal, como bom apresentador, ele sabia que, quando uma porta se fecha, outra se abre. E, com ele, abriu-se uma emissora de TV que se consolidou como uma das maiores do país. Ele voltou para o lugar que sabia que era seu: a televisão. E a política? Bem, essa ficou para trás, como uma piada de auditório que não fez muito sucesso, mas que todo mundo se lembra.
Mas o que aprendemos com essa história? Que popularidade não é sinônimo de competência política? Que carisma não é suficiente para governar um país? Talvez. Mas o que é certo é que a figura de Silvio Santos se tornou uma espécie de arquétipo no imaginário político brasileiro. Um arquétipo que outros, ao longo dos anos, tentaram – e ainda tentam – replicar.
Avancemos no tempo, caro leitor, e cheguemos a 2024. Eis que surge outro personagem que, como Silvio, também fez carreira na televisão. José Luiz Datena, com seu jeito sério e indignado, que há anos traz às telas a crônica policialesca da vida urbana, decidiu que era chegada a hora de trocar as manchetes por decretos. Pois é, o âncora do “Brasil Urgente” resolveu que a prefeitura de São Paulo seria seu próximo palco.
Datena, assim como Silvio, tem a seu favor a proximidade com o povo. Afinal, quem melhor que ele para entender as angústias e temores do cidadão comum? Dia após dia, ele entra nas casas brasileiras e relata, com a voz grave e olhar severo, os dramas do cotidiano. E, como Silvio antes dele, Datena acredita que essa proximidade lhe dá legitimidade para governar.
Mas, como sabemos, popularidade na TV não se traduz em governabilidade. O público, que aplaude de pé o apresentador, nem sempre está disposto a votar no político. E, se a história nos ensinou algo, é que carisma e votos não são sinônimos. A vida pública exige mais do que um microfone na mão e uma câmera apontada para o rosto. Exige articulação, conhecimento técnico, e, principalmente, um entendimento profundo das complexas engrenagens que movem a máquina pública.
E assim, voltamos àquela velha máxima do inicio do artigo: quem nasceu para ser palhaço, nunca será rei. Silvio Santos, com toda a sua genialidade, nunca entendeu isso completamente. Talvez porque, para ele, o público fosse soberano e, se o público o amava, então o reino era seu por direito. Mas a política, Silvio, não é feita de auditórios lotados. É feita de corredores vazios, de portas fechadas e de negociações nos bastidores.
Datena, por sua vez, talvez tenha caído na mesma armadilha. Acostumado a ser a voz do povo, ele pode ter esquecido que, na política, as vozes que realmente importam são muitas vezes as mais silenciosas. E que, ao contrário da TV, onde ele detém o controle do roteiro, na política ele é apenas mais um ator em um palco lotado de aspirantes a protagonistas.
Assim, resta-nos observar esse teatro da vida real e refletir sobre o que realmente queremos de nossos líderes. Queremos entertainers ou estadistas? Queremos mais espetáculo ou resultados concretos? O tempo dirá se Datena seguirá o caminho de Silvio, de volta aos holofotes televisivos, ou se conseguirá, de fato, transformar a popularidade midiática em capital político.
O que podemos afirmar, com a mesma certeza de quem sabe que o “Programa Silvio Santos”, hoje em dia sem Silvio Santos, sempre começa com aquela musiquinha “Silvio Santos vem aí”, é que o Brasil ainda precisa aprender a separar o joio do trigo, ou melhor, o apresentador do político. Pois, no final das contas, os aplausos que soam tão alto no auditório, podem não ser mais do que um eco distante no Palácio do Planalto.
O problema não está em Silvio Santos ou em Datena em si. Eles são apenas os rostos mais visíveis de um problema maior: a crença de que a popularidade midiática pode, por si só, ser transformada em poder político. Essa crença é perigosa porque ignora as complexidades da política e reduz o processo democrático a uma mera questão de quem tem mais audiência.
E o que isso nos ensina? Que, talvez, o verdadeiro papel desses ícones midiáticos não seja o de governar, mas o de entreter, de nos fazer rir, chorar, refletir. Porque, quando a cortina cai e as luzes se apagam, o que sobra é a realidade nua e crua. E, na política, essa realidade é muito mais complicada do que um simples “Quem quer dinheiro?”.
A história de Silvio Santos e de José Luiz Datena não é só a história de dois homens que tentaram trocar o palco pela política. É a história de um país que, por vezes, confunde popularidade com competência, e que se deixa seduzir pelo carisma em detrimento da experiência.
E não se enganem, caros leitores, este é um fenômeno universal. De tempos em tempos, surge um novo "salvador da pátria" que, armado de boas intenções e de uma legião de fãs, tenta tomar de assalto o poder. E o público, sempre ávido por novidades, aplaude de pé. Até que o espetáculo acaba, as luzes se apagam e a realidade bate à porta, lembrando a todos que governar um país é bem mais complicado do que entreter uma plateia.
Portanto, da próxima vez que virem um rostinho conhecido na urna, lembrem-se da lição de Silvio e Datena. Popularidade é uma coisa, competência é outra. E, se a história de Silvio Santos nos ensinou algo, é que nem sempre o caminho para o poder passa pelo auditório do SBT.
O Brasil é um país que, por sua natureza, tende a misturar o público com o privado, o entretenimento com a seriedade. Nossos líderes muitas vezes surgem não das universidades ou dos sindicatos, mas dos palcos e dos estúdios de televisão. Mas, se quisermos um futuro diferente, é preciso que o eleitorado amadureça e comece a separar as duas coisas.
Uma coisa é certa: o Brasil não é um grande auditório de televisão, onde tudo se resolve com um prêmio ou uma palavra de conforto. A política exige muito mais do que audiência; exige compromisso, responsabilidade e, sobretudo, um profundo respeito pelas complexidades do país e de seu povo.
Assim, ao que parece, ser um bom apresentador de TV não é garantia de sucesso na política. Mas quem sabe? Talvez, no futuro, algum outro “patrão” ou “Datena” consiga provar o contrário. Por enquanto, ficamos com o conselho sábio do próprio Silvio: “Quem quer dinheiro?” Sim, porque na política, caros leitores, quem realmente paga a conta no final é o eleitor.