As lágrimas de Maria da Conceição Tavares. Crônica de Marcelo Zanotti

Hoje, olhando para trás, as lágrimas de Maria da Conceição Tavares naquela tarde de fevereiro de 1986 são um testemunho do quanto ela investiu de si mesma nas esperanças e nos desafios do Brasil.

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Marcelo Zanotti | 10 Junho 2024

"Se voltarmos no tempo, podemos ver a jovem Conceição chegando ao Brasil em 1954, uma década de transformações intensas para o país. Cheia de energia e entusiasmo, ela logo se destacou por sua inteligência e determinação. No início de sua carreira, trabalhou no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e depois na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Foi ali que sua visão econômica começou a se moldar, influenciada pelas ideias desenvolvimentistas de Raul Prebisch e Celso Furtado", escreve Marcelo Zanotti, historiador e membro da equipe do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Eis a crônica.

Aquela era uma tarde quente de fevereiro, em Brasília. O sol brilhava como uma moeda recém-polida, refletindo o vigor e a esperança de um novo Brasil que se preparava para tomar as rédeas de seu destino econômico. Foi então, no meio daquele frenesi de otimismo, que os olhos atentos dos brasileiros testemunharam uma cena inesperada: as lágrimas de Maria da Conceição Tavares.

Maria da Conceição Tavares, não era apenas uma economista; era uma força da natureza, uma mente brilhante que desafiava as marés turbulentas da economia brasileira com a mesma determinação de uma navegadora intrépida enfrentando o Atlântico. Sua trajetória era um testemunho de resiliência e paixão, pontuada por momentos que marcaram indelevelmente a história econômica do país.

Nascida em Anadia, Portugal, em 24 de abril de 1930, Maria da Conceição Tavares migrara para o Brasil ainda jovem, trazendo na bagagem mais do que roupas e pertences; trazia sonhos, ambições e uma curiosidade insaciável. Graduou-se em matemática pela Universidade de Lisboa e, em terras brasileiras, decidiu enveredar pelo campo da economia, onde se tornaria uma das mais respeitadas vozes. Sua carreira acadêmica e profissional floresceu, e Conceição se estabeleceu como professora titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Mas voltemos àquela tarde de fevereiro de 1986. A economia brasileira estava em apuros: inflação galopante, desvalorização da moeda, uma sensação generalizada de incerteza. Era um cenário sombrio, onde o desespero frequentemente suplantava a esperança. E então, veio o Plano Cruzado, uma tentativa audaciosa de estabilizar a economia, de dar ao povo brasileiro um respiro de alívio em meio ao caos.

Conceição, com sua habitual franqueza e paixão, fazia parte daquele momento. Durante a apresentação do plano, ela se emocionou. Lágrimas rolaram por seu rosto, e o país assistiu, perplexo e tocado, àquele momento de vulnerabilidade. As lágrimas de Conceição não eram de fraqueza, mas de esperança e alívio, de uma profunda conexão com os destinos de milhões de brasileiros que ansiavam por dias melhores.

Afinal, Maria da Conceição Tavares sempre foi uma economista de corpo e alma. Ela não via números apenas como cifras frias e calculadas, mas como reflexos da vida e do sofrimento das pessoas. Cada índice de inflação, cada variação cambial, era uma peça de um quebra-cabeça humano que ela se esforçava para entender e resolver. E naquele dia, ao vivo, em rede nacional, suas lágrimas deram um rosto humano à economia.

Se voltarmos no tempo, podemos ver a jovem Conceição chegando ao Brasil em 1954, uma década de transformações intensas para o país. Cheia de energia e entusiasmo, ela logo se destacou por sua inteligência e determinação. No início de sua carreira, trabalhou no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e depois na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Foi ali que sua visão econômica começou a se moldar, influenciada pelas ideias desenvolvimentistas de Raul Prebisch e Celso Furtado.

Maria Conceição Tavares (Foto: Instituto de Economia/ Unicamp)

Seus anos na CEPAL foram formativos. Conceição acreditava firmemente no papel do Estado como motor do desenvolvimento econômico e na necessidade de uma reforma estrutural profunda para combater a dependência e subdesenvolvimento. Ela advogava por uma industrialização planejada e pela intervenção estatal na economia como ferramentas essenciais para o progresso. Essas ideias nortearam grande parte de sua atuação posterior, tanto na academia quanto na política.

A professora Maria da Conceição Tavares também deixou uma marca indelével na educação de gerações de economistas brasileiros. Suas aulas eram famosas não só pelo conteúdo, mas pela maneira vibrante e envolvente como ela transmitia seus conhecimentos. Conceição não ensinava apenas teoria econômica; ela inspirava paixão pelo estudo da economia e pela busca de soluções para os problemas sociais do Brasil.

Em suas aulas na UNICAMP e na UFRJ, ela formou uma legião de discípulos que continuariam seu legado. Muitos de seus ex-alunos se tornaram figuras importantes na academia e na administração pública, carregando consigo os ensinamentos e a visão crítica da mestra.

Mas Conceição não era apenas uma acadêmica. Sua vida política também é um capítulo importante de sua trajetória. Filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), ela foi eleita deputada federal pelo Rio de Janeiro em 1994. No Congresso, atuou com a mesma paixão e compromisso que marcaram sua carreira acadêmica, sempre defendendo políticas voltadas para o desenvolvimento econômico e social do país.

E então, sabendo dessa trajetória voltamos àquela tarde emblemática de fevereiro de 1986. O Plano Cruzado, que congelou preços e salários e introduziu uma nova moeda, o cruzado, foi uma tentativa corajosa de frear a hiperinflação. No entanto, como tantas outras iniciativas econômicas no Brasil, não foi um caminho fácil. Houve resistência, críticas e, eventualmente, o plano falhou em seus objetivos a longo prazo. Mas naquele momento inicial, havia esperança.

As lágrimas de Conceição representavam essa esperança, uma crença de que era possível mudar o curso da história econômica do Brasil. Elas também eram um reflexo da exaustão, do árduo trabalho e do compromisso inabalável de uma mulher que dedicou sua vida à luta por um Brasil mais justo e próspero.

Se alguém tivesse dito à jovem Maria da Conceição, ao desembarcar no Brasil, que um dia ela se tornaria uma das mais respeitadas economistas do país, talvez ela risse com descrença. Mas a verdade é que seu nome se tornou sinônimo de resistência, de inteligência e de uma paixão inabalável pelo bem-estar social e econômico de seu novo lar.

Hoje, olhando para trás, e lidando com sua morte aos 94 anos, no dia 08 de junho de 2024, as lágrimas de Maria da Conceição Tavares naquela tarde de fevereiro são um testemunho do quanto ela investiu de si mesma nas esperanças e nos desafios do Brasil. Ela sabia, melhor do que ninguém, que a luta pela estabilidade econômica e pelo desenvolvimento social é árdua e frequentemente ingrata. Mas também sabia que é uma luta que vale a pena, porque por trás de cada cifra e estatística, há vidas, sonhos e um país inteiro que depende dessas batalhas.

Maria da Conceição Tavares continua a ser um ícone, um exemplo de dedicação e paixão pela economia e pelo Brasil. Suas lágrimas naquele dia não foram em vão. Elas foram um lembrete poderoso de que, mesmo nos momentos mais difíceis, há sempre esperança e um motivo para continuar lutando.

E assim, as lágrimas de Maria da Conceição Tavares ficaram gravadas na memória do Brasil, não apenas como um momento de emoção, mas como um símbolo duradouro da luta e da esperança de uma economista que dedicou sua vida a tentar transformar um país. Em cada gráfico, em cada teoria, em cada decisão política, lá está a marca de Conceição, uma mulher que, com seu intelecto e seu coração, deixou um legado imortal na história brasileira.

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