"Ao longo de sua vida de fé, Charles de Foucauld meditou, entre outras coisas, sobre o episódio da Paixão do Senhor a partir do Evangelho de Marcos. Em 'Meditações sobre a Paixão do Senhor' (Paulus, 2016) estão reunidas 24 reflexões que tratam desde a angústia e a aflição de Jesus até a entrega total do espírito. Nas duas meditações finais, ele reflete especificamente sobre a pergunta que até hoje consterna cristãos e não cristãos, registradas igualmente no salmo 21: 'Elí, lama sabactáni?' (Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?)".
O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.
"Enquanto me encontrava em Paris e programava minha viagem para Marrocos, me encontrei com pessoas muito inteligentes, muito virtuosas e muito cristãs. E dizia a mim mesmo que talvez essa religião não fosse tão absurda. Ao mesmo tempo, uma graça interior extremamente forte me chamava. Comecei a ir à igreja, sem crer. Aí me sentia bem e fazia esta prece estranha: 'Meu Deus, se vós existis, fazei que eu vos conheça...' Veio-me então a ideia de que devia instruir-me sobre essa religião, na qual talvez se encontrasse aquela verdade pela qual me angustiava... Procurei um padre instruído que me desse alguma informação sobre a religião católica... O sacerdote (padre Huvelin, ndc) tornou-se meu confessor e meu melhor amigo, nos quinze anos que se passaram a partir daí."
Este é um dos testemunhos que o francês Charles de Foucauld (1858-1916) registrou sobre o início do seu processo de conversão, que realizou-se, por fim, quando ele estava com 28 anos de idade e decidiu viver imitando Cristo em sua pobreza e obediência radical ao Pai, cultuando a Eucaristia e o Sagrado Coração de Jesus.
Com o desejo interior de "fazer bem às almas", "não com a palavra, mas com a oração, com a oferta do Santo Sacrifício, a penitência e a prática da caridade", Charles de Foucauld atuou como geógrafo e linguista em Marrocos, por cujo trabalho recebeu a medalha da Sociedade Francesa de Geografia e, como religioso católico, viveu, posteriormente, como eremita no Saara argelino, onde denunciava a exploração da colonização francesa na Argélia, e foi assassinado em 1916.
Ao longo de sua vida de fé, meditou, entre outras coisas, sobre o episódio da Paixão do Senhor a partir do Evangelho de Marcos. Em "Meditações sobre a Paixão do Senhor" (Paulus, 2016) estão reunidas 24 reflexões que tratam desde a angústia e a aflição de Jesus até a entrega total do espírito. Nas duas meditações finais, ele reflete especificamente sobre a pergunta que até hoje consterna cristãos e não cristãos, registradas igualmente no salmo 21: "'Elí, lama sabactáni?' (Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?)". A resposta que Charles de Foucauld dá a essa questão soa não como sua, mas do próprio Cristo, quando, imediatamente depois da interrogação, ele afirma:
"É um daqueles salmos em que a minha Paixão foi predita da maneira mais exata. Suspenso na cruz por obediência, em conformidade com a vontade divina, para realizar perfeitamente o tipo concebido por meu Pai desde a eternidade, eu manifesto a minha obediência a ele, a minha conformidade de coração e de ação com a sua divina vontade, citando os primeiros versos de uma predição que cumpro voluntariamente no mesmo instante... É como se eu dissesse: 'Eis, ó Pai, o que predisseste de mim... Eis que eu o cumpro... Eis-me aqui presente, no alto da minha cruz, diante de tua profecia, para me conformar a ela. Eis a tua ordem, que eu estou citando, e eis-me aqui cumprindo-a. Foi escrito no início do livro que eu devo fazer a tua vontade. Eis-me aqui, olha para mim, eu a estou fazendo...' A minha palavra é, portanto, palavra de obediência. Eu brado ao meu Pai: 'Eis o que tu quiseste de mim. Olha para mim. Eu te obedeço..."
"Que seja feita a vontade de Deus", entre cristãos e não cristãos, tornou-se um dito popular, que inúmeras vezes ouvimos e repetimos sem muita atenção e confiança. Na minha própria caminhada de fé, quando ouvia muitos cristãos repetirem essas palavras, duas questões me intrigavam: se eles de fato acreditavam nisso – isto é, que Deus existe – e se, Ele existindo, realmente queriam que se fizesse a vontade dele. Anos mais tarde, pude comprovar por mim mesma que só na Cruz de Cristo esse dito realmente tem valor, sentido e significado.
Não à toa, o próprio Charles de Foucauld, em outra meditação, nos ensina a preparar o coração, na oração sem cessar, para o dia em que Deus nos manifestar a Sua e não a nossa vontade:
"Nosso Senhor recomendou muito a oração comum! Mas não deixou de recomendar também a oração solitária, ou a oração completamente solitária, ou aquela em que estamos unidos a outros com o corpo, mas cada um em silêncio (...), rezar sem nunca nos cansarmos. (...) Façamos a mesma coisa: expressemos a Deus o nosso desejo, simplesmente com duas palavras, e repitamos sem pausa, como grito! Após ter expressado seu desejo, ele acrescenta: 'Porém, não se faça a minha vontade, mas a tua'. E além de exprimir o seu desejo, colocou esta restrição: 'Se tu queres'. Façamos a mesma coisa; após fazermos o nosso pedido ou enquanto o fazemos, acrescentemos sempre esta restrição: 'Que se cumpra a vossa vontade, e não a minha... Se esta é a vossa vontade... Se vós o quereis'. Porque, na maior parte dos casos, sabemos muito pouco se o que pedimos é para o bem, se é para a glória de Deus, se é a vontade dele!"