27 Novembro 2018
A venerável The Economist, ou The Communist, segundo os bolsominions, preocupa-se com a reputação do capitalismo.
O artigo é de Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, publicado por CartaCapital, 26-11-2018.
A revista The Economist está preocupada com a reputação do capitalismo. Conhecida no Brasil de Bolsonaro e Paulo Guedes como The Communist, a respeitável e tradicional publicação foi dirigida no século XIX pelo ícone liberal Walter Bagehot.
Hoje, está assustada com as duras críticas disparadas contra o capitalismo. “A sensação de que se trata de um sistema voltado para beneficiar os donos do capital em detrimento dos trabalhadores é profunda. Uma pesquisa de 2016 concluiu que mais da metade dos jovens americanos não defende mais o capitalismo.”
Na opinião da revista, “A vida na antiga economia ficou confortável demais para algumas empresas, enquanto na nova economia empresas de tecnologia adquiriram rapidamente grande poder de mercado”.
Na nova economia, os ganhos de produtividade gerados pelas novas tecnologias estão escondidos nos refúgios construídos pelo poder de mercado das grandes empresas e plataformas digitais. As poderosas sobem as margens de lucro e destinam seus ganhos parrudos à recompra das próprias ações e ao pagamento de dividendos.
Os salários modorrentos convivem com a letargia do investimento empresarial, enquanto a “geração de valor” para os acionistas promove a aflitiva concorrência na busca de resultados financeiros de curto prazo.
Em artigo escrito há algum tempo em parceria com o professor Davi Antunes, tratamos das transformações do capitalismo ocorridas desde os anos 70 do século XX.
Essa reestruturação envolveu mudanças profundas na operação das empresas, na integração dos mercados e na soberania do Estado. Em primeiro lugar, a empresa oligopolista, “conglomerada” e “verticalizada”, desmontou a velha estrutura e concentrou-se na “atividade principal”.
A nova empresa assumiu a função “integradora” no comando de uma rede de fornecedores. Em segundo lugar, as decisões empresariais estratégicas foram submetidas ao “comando sistêmico” de poucas instituições financeiras.
Em terceiro lugar, sob os auspícios do capital financeiro, ocorreu a centralização do capital à escala mundial, o que envolveu a vitória do “valor do acionista” sobre as “ultrapassadas” estratégias de crescimento da firma apoiada no investimento produtivo por meio de lucros retidos.
Vamos detalhar tais transformações e discutir suas implicações. A “desconglomeração” e a centralização da estrutura produtiva ocorreram em conjunto com profunda reorganização empresarial, levando a uma redução drástica do número de empresas.
Toda a economia mundial passou a ser dominada por pouquíssimas empresas, em geral de países desenvolvidos. O setor de equipamentos de telefonia móvel, por exemplo, é dominado por cinco empresas, o farmacêutico por dez e o de aviões comerciais de grande porte por apenas duas.
Em termos do gasto com pesquisa e desenvolvimento (P&D), a concentração é semelhante: apenas 100 grandes empresas concentram 60% do gasto em P&D, e dois terços dos gastos são realizados em apenas três setores (informática, farmacêutico e automotivo).
Concentrando seus recursos no core business (marca, marketing, design, P&D), as grandes empresas ganharam dimensão global através de fusões e aquisições e se tornaram integradoras de cadeias globais de produção terceirizadas.
A empresa integradora desverticalizou-se, vendendo ativos e terceirizando atividades, e forçou seus fornecedores a também ganharem escala mundial e a se fundirem, num grande efeito cascata. Um exemplo eloquente é a Boeing.
O 787 Dreamliner foi projetado integralmente em computadores, mas sua produção foi largamente terceirizada: 70% dos 2,3 milhões de componentes foram produzidos por 50 empresas em diversos países. Isto não significa que houve perda de controle sobre a produção, já que a Boeing gerenciava em tempo real os fornecedores e os fornecedores dos próprios fornecedores, sincronizava pagamentos, estoques, prazos etc. Ou seja, mantinha estrito controle sobre as terceirizadas.
Em seu impulso para a “desterritorialização”, as empresas deslocaram a produção para as regiões em que prevalecem baixos salários, câmbio desvalorizado e baixa tributação.
Nos 40 anos de globalização, as empresas dos países centrais cuidaram de separar os componentes de sua atividade globalizada: a) Wall Street e a City londrina abrigam as 20 maiores instituições financeiras que “administram” os ativos globais; b) na China e adjacências, predomina a formação de nova capacidade produtiva; c) nos paraísos fiscais, a captura dos resultados.
O sistema financeiro também passou por transformações de monta, graças à globalização e à desregulamentação. Nas últimas décadas, as ondas de fusões e aquisições elevaram o grau de centralização: os 25 maiores bancos do mundo tinham 28% dos ativos dos mil maiores bancos em 1997; em 2009, mais de 45%.
Dos 4 trilhões de dólares de transações diárias com moedas, 52% delas são realizadas pelos 5 maiores bancos. No que tange os bancos de investimento, os 10 maiores concentram 53% das receitas.
Baseados principalmente nos 10% mais ricos, que geram 80% de suas receitas, os bancos conglomeraram-se e se tornaram verdadeiros supermercados financeiros, capazes de oferecer todo tipo de serviço a pessoas físicas e jurídicas. O setor financeiro também se destaca no que se refere ao gasto em P&D. O investimento em TI (internet, caixas eletrônicos, servidores) alcançou 380 bilhões de dólares em 2006.
Foram os bancos, através das transações eletrônicas online, que permitiram a integração financeira das cadeias globais de valor.
Os bancos são o aparelho circulatório do sistema, ao fazer 95% de toda a movimentação financeira: transações cambiais, hedge, pagamentos, transações comerciais e investimentos.
No resto do sistema financeiro, o grau de concentração também mudou de escala: 64 trilhões de dólares, em 2010, estavam nas mãos dos gestores de ativos, sendo que os 50 maiores tinham 61% do total e o BlackRock, o maior deles, mais 3,3 trilhões de dólares em ativos.
Os fundos de investimento levaram a enorme centralização da propriedade ao adquirem participação nos mais diversos negócios. Apenas com o intuito de que a administração se submeta à lógica do Ebitda, a da geração do máximo de caixa possível, e à busca incessante da valorização acionária.
O livro de James Glattfelder, Decoding Complexity – Uncovering Patterns in Economic Networks, desvela a concomitância entre a constituição das cadeias globais de valor e a centralização do controle da produção e da riqueza em poucas grandes empresas e instituições da finança “mundializada”.
Das grandes transnacionais, 36% detêm 95% das receitas operacionais das 43 mil empresas transnacionais conhecidas. Mais importante: os 737 principais acionistas, instituições financeiras e fundos de investimento dos Estados Unidos e do Reino Unido podem controlar 80% do valor delas.
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